domingo, 29 de abril de 2018

Feliz Aniversário, Olavo de Carvalho

OLAVO, O PRESENTE DE ANIVERSÁRIO



Olavo de Carvalho comemora no dia 29 de abril mais um aniversário. É um sobrevivente, como tantas vezes já recordou em aulas a respeito do seu profético nome. 
Recentemente, sobreviveu a uma intervenção cirúrgica e a uma pneumonia. Nas semanas seguintes já estava de volta às aulas de seu Curso Online de Filosofia, que alcançou a surpreendente proeza de permanecer no ar de forma ininterrupta desde março de 2009 reunindo milhares de alunos interessados em saber mais sobre filosofia. 
Veja bem, estamos falando do Brasil e de milhares de pessoas – jovens em sua maioria – aprendendo pelo prazer de aprender, sem esperar certificado ou título algum. Eis uma inusitada realidade em nossa terra de bacharéis tão apegados a seus diplomas com letras estilizadas. 
Nos seus 71 anos completos, é um dos mais amados e odiados filósofos e professores de todo o Brasil. E, com certeza, um dos mais conhecidos filósofos brasileiros mundo afora. Sua obra já acumula dezenas de livros, dezenas de milhares de páginas transcritas de suas aulas e conteúdo suficiente para a produção de centenas de outras obras. Seus cursos e sua filosofia colaboram na confecção de incontáveis outros cursos e na redação de trabalhos e teses dentro e fora da Academia. 
Mais do que uma pilha de livros e ideias, Olavo é uma pessoa cuja rica biografia surpreende e assombra. Pai de família (acredite, é um elemento do currículo que pode oferecer enormes desafios e enredos para grandes romances), pesquisador da astrologia, filósofo, católico, ex-membro da tariqa de Fritjof Schuon, colaborador de revistas esotéricas, de diversos jornais e de periódicos acadêmicos médicos, caçador de ursos, debatedor implacável, crítico feroz e agudo, imitador do Alborghetti, educador online e presencial, escritor de obras de filosofia nos mais diversos ramos - da metafísica à política -, conservador, comunista, revolucionário, reacionário, liberal e muito, muito mais. 
Na verdade, Olavo de Carvalho transformou sua vida no exemplo claro do que é uma pessoa concreta, de carne e osso, com suas contradições, polêmicas, amizades, inimizades e dúvidas. Por fugir dos estereótipos abstratos, simplificados e previsíveis tão amados pela intelectualidade medíocre da Academia e da mídia brasileira, Olavo é capaz de enfurecer, chocar e escandalizar a prosaica moralidade burocrática e burguesa de nosso país – à qual aderem até mesmo os nossos revolucionários -, que se contenta com figuras bem delimitadas, que tanta segurança transmitem ao ouvinte, sempre evitando superar as expectativas já rebaixadas de nossa cultura.
Você quer um palestrante educado, que repete chavões de autoajuda ou adocicadas platitudes completamente óbvias e agradáveis? Não escute o Olavo, suas frágeis orelhas serão ofendidas. Ligar o computador para assistir ao Curso Online de Filosofia ou a qualquer um de seus cursos avulsos é puro Trigger Warning. Não há Safe Spaces!
Você quer o professor universitário que fala complicado, repetindo em cada frase dois ou três nomes de estudiosos importantes que escrevem obras igualmente complicadas e impenetráveis aos não iniciados? Olavo fala de uma forma clara e cotidiana, atraindo desde professores universitários e pesquisadores internacionais a frentistas, lavradores do interior do Brasil e estudantes de nível médio.
Você quer um professor “importante”, recheado de títulos como um peru é recheado de farofa na véspera do Natal? Olavo não exibe nenhum título, mas acumula menções honrosas e reconhecimento intelectual internacional invejáveis, alcançados por pouquíssimos brasileiros em toda nossa história.
Você quer alguém que seja previsível, que caiba no modelo de mundo que você adotou e que se esforça para seguir à risca? Não achará consolo nas aulas do Olavo, nas quais ama e critica ao mesmo tempo a Igreja Católica e ofende e elogia pensadores protestantes e islâmicos. 
Se você quer alguém com quem concordar plenamente, não vá ao Olavo, seu negócio é outro. Um programador neurolinguístico ou um guru de autoajuda satisfará seus anseios de busca pela segurança e tranquilidade.
A conclusão à qual chego é que Olavo de Carvalho, mais do que filósofo, é um ser humano real. E ao invés de ele receber todos os presentes que merece nesse aniversário, oferece ao Brasil e ao mundo um presente inestimável: a obra de uma pessoa concreta que dedicou sua vida à busca do conhecimento e à sua transmissão.
Que Deus permita ao Olavo permanecer por muito mais tempo junto a nós, ensinando e aprendendo as duras lições da filosofia, chocando um Brasil que precisa urgente de uma cardioversão para ser reanimado do profundo estado de apatia moral e intelectual no qual se encontra.
Que Deus proteja toda a sua família e lhe dê força para seguir adiante, sobrevivendo e cumprindo a missão para a qual foi destinado. Feliz Aniversário.

Hélio Angotti Neto, 29 de abril de 2018, Brasil.

sábado, 28 de abril de 2018

A Ética Gnóstica Imanentista de Sánchez Vázquez

A ÉTICA GNÓSTICA IMANENTSTA DE SÁNCHEZ VÁZQUEZ

Leio o livro “Ética”, de Adolfo Sánchez Vázquez, e eis que chego na segunda parte do capítulo IV, na qual o autor fala da moral e da religião. Lá, identifiquei alguns pontos que merecem uma boa análise dialética, por assim dizer.
Desde o começo do livro, o autor deixa bem clara a sua posição. 
Para ele, 
Uma ética científica pressupõe necessariamente uma concepção filosófica imanentista e racionalista do mundo e do homem, na qual se eliminem instâncias ou fatores extramundanos ou super-humanos e irracionais. De acordo com esta visão imanentista e racionalista de mundo, a ética científica é incompatível com qualquer cosmovisão universal e totalizadora que se pretenda colocar acima das ciências positivas ou em contradição com elas.[1]
Pergunto, antes de qualquer avanço, se uma cosmovisão que nega o aspecto transcendental da realidade, que reduz a realidade comprovável ao aspecto positivista somente e que enxerga as ciências positivas como máxima e absoluta autoridade (mesmo que elas mesmas não possam comprovar a própria autoridade do método científico que tanto utilizam) não seria igualmente ou ainda mais universal e totalizadora do que qualquer outra que possa ser colocada em questão.
Também é curioso como o autor, após achatar a realidade humana a seus aspectos imanentes, afirma que só 
É possível falar em comportamento moral somente quando o sujeito que assim se comporta é responsável pelos seus atos, mas isto, por sua vez, envolve o pressuposto de que pôde fazer o que queria fazer, ou seja, de que pôde escolher entre duas ou mais alternativas, e agir de acordo com a decisão tomada.[2]
O autor, assim como muitos outros que negam a possibilidade de existência do transcendente, afirma misteriosamente a liberdade humana a despeito da realidade empobrecida e imanente que tanto prega. Assim como tantos outros, Vázquez não enxerga problema algum, pelo que sua obra deixa transparecer, em afirmar que o ser humano só age moralmente quando pode decidir livremente, e que o mundo é pura imanência positivista.
Dessa indisposição frente à transcendência deriva toda a leitura ressequida que o autor faz da religião e de sua ligação com a moral. Transcendência esta tão bem descrita e defendida por filósofos da estatura de um João Poinsot (João de São Tomás), de um Lorenz Puntel ou de um Mário Ferreira dos Santos.
Segundo Vázquez, a religião deve ser compreendida como um protesto contra a “miséria real”, mesmo que só ofereça a solução para uma vida além desta nossa que vivemos na realidade. Para o autor, a religião se transforma num mero instrumento de dominação da elite, de conformismo, resignação e conservadorismo. Ele comemora as tendências revolucionárias que podem ser observadas nas últimas décadas com a busca pela transformação efetiva do mundo humano.
É claro que a religião cristã protesta contra a maldade, criada pela idolatria humana e pela vontade de se impor moralmente sobre o próprio Deus. Por outro lado, a religião cristã também compreende que tudo o que Deus permite e faz acontecer coopera para o bem de seus filhos. O mundo criado é bom, mesmo que muitos atentem contra o Criador e que toda a Criação sofra pela presença do pecado.
Há que se buscar um equilíbrio entre a contemplação do bem que já existe e a revolta contra a ausência do bem pleno, prometido para a próxima etapa de nossa realidade. Ressaltar a revolta e a pretensão de reformar o mundo é cair novamente no velho e perigosíssimo engodo do gnosticismo. E o pior de tudo, cair no gnosticismo político!
Nada foi tão destrutivo, nada massacrou tantos milhões de pessoas, quanto a política imanentista e gnóstica de nossos dois últimos sofridos séculos. Lênin, Stálin, Mao Dze Dong e tantos outros monstros utópicos que o digam. Suas bocas escancaradas ainda aguardam logo atrás das suas utopias gnósticas sanguinárias, prontas para sorver o sangue das massas idiotizadas pelo sentimentalismo tóxico e pela manipulação de seus mais baixos sentimentos em prol de um futuro imanente de perfeição.
Vázquez lembra da afirmação de Dostoievski: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido”. Logo depois afirma que a moral não necessita de Deus para existir, afirmando como prova o fato de que a moral precede a religião, como “demonstra a própria história da humanidade”. 
Considerando religião no sentido proposto pelo próprio autor, acredito ser esta uma afirmação muito difícil de sustentar. Segundo ele, religião é “a fé ou crença na existência de forças sobrenaturais ou num ser transcendente e sobre-humano, todo poderoso, com o qual o homem está em relação ou está religado”.[3]
A última tese deste ambicioso trecho do livro “Ética” sobre as relações entre Religião e Moral é igualmente – ou ainda mais – ambiciosa, assemelhando-se mais ao tradicional e bem conhecido wishful thinkingdos profetas marxistas.
Se o comportamento moral e o religioso articulam-se ainda em nossos dias, com as particularidades que assinalamos, não se deduz que a moral precise permanecer necessariamente dependente da religião. Se no passado Deus era o fundamento e a garantia da vida moral, hoje são cada dia mais numerosos os que procuram no próprio homem o seu fundamento e a sua garantia.[4]
A moral não depende socialmente da religião, e ninguém em sã consciência afirmaria isso da forma como foi colocada pelo autor. 
Mesmo quem não é religioso apresenta uma vida moral em diferentes gradações. 
O que Dostoievski, assim como escritores e filósofos de todos os tempos e de todas as partes, afirmam claramente é a necessidade ontológica que a moral tem da existência de um parâmetro transcendental, caso contrário recairá no mais puro voluntarismo. 
O autor também nos lembra muito do aspecto de revolta da religião contra a maldade presente no mundo. Curiosamente, cala completamente quando chega a hora de criticar o comunismo, a maior máquina de destruição já inventada pela humanidade, mas critica abertamente o burocratismo, o produtivismo, o individualismo burguês e a aparição de novas formas de alienação.[5]Seu silêncio conformista é ensurdecedor neste aspecto e sugere somente a defesa disfarçada de uma das fés mais equivocadas e malignas de toda nossa civilização.
Talvez porque seja o próprio comunismo uma das maiores contraprovas de seu pensamento. Foi justamente nos sistemas de governos contemporâneos claramente ateus e antirreligiosos que ocorreram as maiores catástrofes da história da humanidade, como o Holodomor, as deportações em massa para os Gulagse a perseguição intelectual assassina dos dissidentes. 
Realmente, como afirma Vázquez, são cada vez mais numerosos os que procuram no próprio homem o seu fundamento moral. Nietzsche enxergou muito bem onde chegaríamos com essa falta de visão.
A tentativa de elogiar o papel reformista da religião na realidade, em prol da criação de uma nova realidade, promove o que Eric Voegelin chamou de imanentização do Eskathón: o rebaixamento das expectativas apocalípticas de perfeição no além para nossa realidade mundana e imanente. Diante de expectativas tão maravilhosas e paradisíacas de perfeição, cria-se uma nova religião de caráter historicista ou positivista capaz de justificar todas as inversões que caracterizam tão bem a mentalidade revolucionária, descrita de forma magistral pelo filósofo Olavo de Carvalho:
1 – A inversão temporal: tudo o que se faz no presente é justificado pelo futuro já garantido nas expectativas apocalípticas dos reformadores de realidades;
2 – A inversão moral: todo o mal que se comete hoje em prol de um bem futuro é desculpável (verdade seja dita, Vázquez repudia esta ideia, mas demonstra falta de visão ao não ligar suas expectativas religiosas às cruéis inversões maquiavélicas que presenciamos hoje);
3 – A inversão sujeito-objeto: um hipotético agressor é apenas uma vítima da sociedade, representada pela sua vítima que pode ser, então, assaltada ou morta em prol da causa.
Eis o perigo do gnosticismo político descrito por Hans Jonas, Eric Voegelin e Nelson Lehmann. 
Se há algo que está mais que comprovado é aquele antigo aviso de Gilbert Keith Chesterton: “Quando se deixa de acreditar em Deus, passa-se a acreditar em qualquer besteira”.

Hélio Angotti Neto
28 de abril de 2018, Colatina – ES.


[1]VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017, p. 27.
[2]Ibid., p. 18.
[3]Ibid., p. 89.
[4]Ibid., p. 92.
[5]Ibid., p. 52-53.

domingo, 22 de abril de 2018

DEMÊNCIA REVOLUCIONÁRIA NA MEDICINA


Vejo alguns alunos e até mesmo alguns professores de medicina desmiolados que defendem a revolução, chegando ao ponto de relativizar o mal dos totalitarismos da extrema esquerda, gritando a plenos pulmões em favor de uma mudança de paradigma da medicina contemporânea abandonando a herança hipocrática e cristã.

O resultado da entrada da medicina dentro do projeto revolucionário justifica plenamente o fato de eu chamá-los de "desmiolados". Não é força de expressão, é uma forma de caridade, pois outros poderiam compreender que são monstros morais ou psicopatas perigosos que deveriam ser expulsos da medicina. Eu não ouso chegar a tanto. Ainda tento supor que são somente idiotas e ignorantes totais.

O resultado histórico desse radicalismo político que deseja submeter a moralidade médica e utilizá-la para fins ideológicos pode ser contado em milhões de cadáveres, produzidos nas sociedades onde médicos passaram a acreditar que vidas humanas valiam menos do que idéias loucas ou protocolos burocráticos e assassinos. 

Um exemplo recente, e muito claro, vem da pobre Venezuela (que Deus os ajude), onde os médicos são proibidos de diagnosticar mortes infantis por desnutrição. É isso mesmo que você leu. As crianças estão literalmente morrendo de fome, e os médicos são proibidos de falar a verdade. 

O regime precisa funcionar, a realidade precisa ser dobrada pela ideologia imunda da esquerda radical. Mesmo que isso custe a vida dos pobres cidadãos tornados em escravos de um regime brutal.

sábado, 14 de abril de 2018

TREINANDO O CÉREBRO PARA ESTUDAR?

Um breve comentário acerca da obra “Treine o seu cérebro para provas”, de Augusto Cury.


Fico preocupado com a aprendizagem dos alunos de medicina. Não somente pelo grau e pela amplitude de conhecimento. É o curso mais concorrido e exigente que existe em nosso país, de forma geral, pelo menos por enquanto.
Há alguns anos tenho buscado informações que possam ajudar no processo, por si só tão complexo, de se tornar médico. Pesquiso na área de Humanidades Médicas, na formação ética e moral do aluno. Ensino o estudo das evidências médicas também, preocupo-me com a qualidade da ciência e com nossa capacidade de analisar o que lemos a fundo, com eficiência. Sou coordenador de curso, logo preocupo-me também com a qualidade de todo o processo, equilibrando necessidades e anseios de alunos, famílias, professores e administradores.
Contudo, há algo a mais a ser buscado. O estudo das melhores técnicas para o auxílio no estudo individual ou em grupo de nossos alunos. Para isso, pesquiso há vários anos as técnicas neuropedagógicas que podem nos ajudar a utilizar nosso cérebro de forma vantajosa com o menor sofrimento possível.
Grande influências nessa caminhada foram, sem dúvida, Olavo de Carvalho, Reuven Feuerstein, Carlos Nadalim, Pierluigi Piazzi e Barbara Oakley. 
Desenvolvi uma Oficina de Neuroaprendizagem e alguns instrumentos que podem colaborar na organização dos estudos dos alunos. Aplico tais conhecimentos e os divulgo no próprio Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina. E estou sempre atrás de novos conhecimentos para aprimorar meus métodos de estudo e ensino.
Um livro cujo título chamou minha atenção nesses dias foi “Treine o seu cérebro para provas”, de Augusto Cury. Adquiri e li o livro em três dias. Leitura rápida. E divido com vocês minhas impressões acerca do livro.
Porém, antes, falo de minhas expectativas ao comprar o livro. Queria um livro que trouxesse ferramentas úteis para aplicação no estudo cotidiano. Queria um livro com explicações fáceis e detalhadas que pudesse ser indicado a meus alunos e que realmente fizesse diferença. Infelizmente, minhas expectativas não foram contempladas. A proposta do livro na prática está longe da objetividade pragmática e útil dos livros de Piazzi e Oakley, por exemplo, que trazem dicas diretas e concretas ao leitor.
O livro de Augusto Cury segue a proposta muito comum nos dias de hoje de aplicar a psicologia positiva, na vertente do controle das emoções para aprimorar o controle do pensamento próprio e facilitar o estudo. 
Cury começa contando acerca de sua vida pessoal, de como enfrentou seus problemas e desenvolveu sua obra (que possui muitos pontos interessantes) apesar de todo o descrédito da Academia. A história tem caráter motivacional, e está muito bem contada. Funciona como estímulo ao aluno que está desanimado por não enxergar oportunidades à frente, no sentido em que estimula cada um a buscar com afinco a realização de suas metas. 
A sequencia do livro é uma reexposição da teoria da inteligência multifocal. Praticamente todo o restante do livro é a explicação de conceitos como pensamento dialético (atenção focal conforme descrito por Barbara Oakley), pensamento antidialético (atenção difusa e criativa?) e pensamento essencial, ligado à forma e estrutura que encadeia e gera pensamentos. Outros conceitos interessantes são os de Memória de Uso Contínuo (Memória de Trabalho), Memória Genética e Memória Existencial. São nomes diferentes para atividades humanas já descritas na literatura sobre neuroaprendizagem em outras obras. A desvantagem do livro de Augusto Cury é que ele não oferece as instruções claras de uso que Barbara Oakley e Pierluigi Piazzi oferecem. Cury permanece na explicação de seus conceitos e no convencimento do leitor sobre a utilidade de usá-los e de como alguém pode se controlar e promover a aprendizagem.
O livro termina com alguns questionários sobre identificação de sintomas do que Cury denomina Síndrome do Pensamento Acelerado e com mais estímulos motivacionais sobre a necessidade de controlar as emoções e promover atitudes e pensamentos positivos. Dicas interessantes, mas pouco práticas. Eu sei que preciso controlar minha ansiedade e que, por outro lado, um pouco de ansiedade é algo necessário, mas não encontro na obra de Cury as ferramentas úteis para realizar tal operação.
Gosto da forma como Cury escreve. Gostei muito de outras obras suas. Funciona como leitura motivacional. Mas esta, em especial, não oferece instrumentos para o aluno que está em busca de ajuda prática, pragmática e imediata. Para estes alunos, sugiro as seguintes obras:
- Inteligência em Concursos: Manual de Instruções do Cérebro para Concurseiros e Vestibulandos – Prof. Pierluigi Piazzi.
- Aprendendo a Aprender. Como ter sucesso em matemática, ciências e qualquer outra matéria (mesmo se você foi reprovado em álgebra). – Barbara Oakley.
O tempo gasto no preparo de como alguém deve estudar economizará muito tempo durante o processo de estudar, com certeza.




A CULPA NOSSA DE CADA DIA - PARTE 3 (CULPA POLÍTICA)

3. A Culpa Política
O fato de se considerar responsável é o primeiro sinal do despertar de sua liberdade política. É somente na medida em que esse conhecimento existe e é reconhecido que há liberdade de fato, e não somente uma reivindicação externa por parte de pessoas privadas de liberdade.
Karl Jaspers, A questão da culpa.


A segunda forma de culpa é a culpa politica, que consiste em uma ação de cidadão e homens de Estado e age na instância do exercício do poder político, por meio da responsabilidade na interação entre indivíduo e Estado. O erro leva a uma responsabilidade que deve ser então reparada. Normalmente, se há conflito, a vontade do vencedor define perdas ou limitações dos direitos políticos, estabelecendo novas leis em alguns casos.
No caso da Alemanha nazista derrotada, os vitoriosos racharam seu território e reduziram a capacidade de autogestão de todo o país. Mas o que fazer quando falamos de uma elite que ataca seu próprio povo? Não é guerra entre países, é um tipo de guerra civil, sem armas (há controvérsias), mas guerra do mesmo jeito.
Nós temos culpa política por ter deixado essa velha elite no poder, junto com arrivistas da esquerda radical e moderada que sonharam com o ingresso na casta dos “Donos do Poder”. Todos excitados com a satisfação psicológica do próprio ego, com os gordos benefícios e com a vida na artificial ilha da fantasia cujo nome nos remete àquele velho carro de nossos avós. 
Nós elegemos, nós vendemos nosso voto, nós votamos sem conhecer o passado e o presente de cada candidato, nós votamos sem averiguar pendências na justiça de cada um. Nós elegemos bandidos e nós alçamos picaretas medíocres à fama. 
Como diria Jaspers,
Napoleão só foi possível porque os franceses o queriam. Sua grandeza está na segurança com que ele compreendeu o que as massas esperavam, o que elas queriam ouvir, que aparência elas desejavam, que realidade material aspiravam.[1]
Nós temos nossos napoleões, nossos salvadores imanentes de uma pátria prostituída para quem der o maior lance, rapinada por conchavos feitos com tiranos comunistas. Pelo menos os franceses escolheram um sujeito realmente perigoso e grandioso, à sua assustadora e perigosa maneira. Nós escolhemos o bêbado farsante com síndrome de deus, o tiranete esperto e covarde de terceiro mundo que encerrou a própria vida com o suicídio, a tartaruga no poste com o cachorro atrás. Isso é o que me assusta. O Brasil mostra um aspecto muito deprimente de sua coletividade na própria escolha de seus líderes, e no desprezo devotado aos bons.
Nossos heróis contemporâneos possuem méritos absolutamente medíocres, como ser astro ou atriz de programa televisivo do tiporeality show, onde inutilidades e falta de assunto ocupam horas e mais horas nas cabeças ocas que assistem passivamente. Nossos heróis assim são classificados pela capacidade de causar choque nas famílias, exibindo o corpo ou transgredindo certos costumes, mesmo que cantem de forma completamente desafinada, se é que cantar é o que fazem. É o heroísmo artificial, planejado para que o seja, de curtíssima duração, estimulando sempre a inconstância e a maleabilidade de caráter, elementos tão propícios para transformar um povo em uma massa disforme e sem capacidade de resistência ao mal.
Enquanto cumprimos o destino anunciado por José Ingenieros em sua divertida e preocupante descrição do Homem Medíocre, ou caçamos nossos direitos fugindo de nossos deveres como os filhinhos de papai satisfeitos de Ortega y Gasset, os piores alcançam postos de poder, com o nosso voto.
Temos culpa política sim. Pior, temos uma dupla culpa politica.
 (...) em primeiro lugar, o fato de se entregar incondicionalmente a um líder e, em segundo, o tipo de líder a quem se submete. A atmosfera de submissão é, por assim dizer, uma culpa coletiva.[2]
Até hoje há quem defenda Vargas, e ainda há aqueles que estão dispostos a matar, violentar e quebrar em nome do molusco aprisionado. Como deixamos esse mal se enraizar em meio ao nosso povo e prosperar? Será que não aprendemos com a lição do passado? 
Alunos da maior universidade brasileira, ou pelo menos da mais reconhecida universidade, a Universidade de São Paulo, ficham os calouros ideologicamente, intitulando cada um com epítetos que incluíam: judeu, liberal de merda e crente. Que futuro teremos com essa juventude que enxerga o mundo com rótulos e julga o próximo tão facilmente?[3]
Não quero ter uma Kristallnachttupiniquim, tampouco quero punhais longos na surdina da noite, vitimando desgostos políticos por aí. 
Somos culpados politicamente porque nos calamos, e continuamos culpados porque entregamos nossos filhos às drogas, aos bandidos, aos maus políticos, aos radicais sanguinários, aos monstros políticos e aos cúmplices de tiranos genocidas e continuamos nos anestesiando com porcaria, virando as costas para o mundo. 
Zé Ramalho que o cante! Vida de gado, povo marcado, povo feliz. 
A reparação deve ser feita. Os políticos que permitiram esse estado de coisas devem ser removidos da vida pública. Os professores que estupram a mente de nossas crianças com as porqueiras inventadas por engenheiros sociais pervertidos precisam ser afastados de suas vítimas indefesas. Aqueles que reclamam como eu, devem abrir as portas de sua mente e olhar para a realidade do mundo lá fora. A alienação brasileira chegou ao insuportável.
É nosso dever pagar o preço de nossas falhas políticas, é nosso dever que fiquemos comprometidos com a necessidade de mudar a tragédia que se desenrola à nossa frente, armada justamente por aqueles que colocamos no poder ou que deixamos que outros colocassem lá.
Há quem diga: nunca votei em bandido. Mas assistiu a tudo e nada fez, pelo menos até que fosse tarde de mais. É como o alemão que disse não ter votado em Hitler, não ter concordado com a prisão de judeus em campos de concentração, não ter desejado a ocupação de outras nações e não ter matado ninguém na guerra. 
Outros lutaram, outros até morreram em protesto. Mesmo sem esperança, sabiam que deveriam fazer o certo. 
Reclamar e não destinar seu tempo a reparar o dano é assumir sua culpa política, culpa esta realmente coletiva. É hora de fazer algo, de levantar e compreender que os maus gritaram por tempo demais.

Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca.
Apocalipse 3.16


[1]JASPERS, Karl. A questão da culpa. A Alemanha e o nazismo. São Paulo: Editora todavia, 2018, p. 71.
[2]Ibidem.
[3]LACSKO, Madeleine. Mapeamento classifica alunos como “crente”, “judeu”, “bolsominion”, “liberal de merda”e causa revolta em grupo da São Francisco. Gazeta do Povo, 12 de abril de 2018. Internethttp://www.gazetadopovo.com.br/blogs/a-protagonista/2018/04/12/mapeamento-classifica-alunos-como-crente-judeu-bolsominion-liberal-de-merda-e-causa-revolta-em-grupo-da-sao-francisco/?format=amp

sexta-feira, 13 de abril de 2018

A CULPA NOSSA DE CADA DIA - PARTE 2

A CULPA NOSSA DE CADA DIA - Parte 2
Um estudo fenomenológico da crise no Brasil com base nos Esquemas de Diferenciações de Karl Jaspers a respeito da culpa.

Ai dos que chamam ao mal bem e ao bem, mal, que fazem das trevas luz e da luz, trevas, do amargo, doce e do doce, amargo. 
Isaías 5.20
2. A Culpa Criminal
O primeiro tipo de culpa é aquele baseado na lei dos homens. No cumprimento ou na desobediência de preceitos que permitem a sobrevivência da sociedade por meio de suas instituições. Essa culpa deve ser despertada por uma conduta que se encaixe em um processo formal, e deve ensejar uma penalidade, uma agressão contra aquele que ofendeu.
A culpa criminal deve ser satisfeita. Roubou, corrompeu, matou? Há que ser preso, removido da convivência dos homens de bem.
Hoje, homens de bem ficam trancados em casa, atrás de barras de ferro e cadeados, enquanto o criminoso passeia na rua ou dorme em palácios no cerrado brasileiro, debaixo de grandes e espessas placas de concreto ondulado erguidas pela visão seca e faraônica do arquiteto comunista, e stalinista, diga-se de passagem, Niemeyer. 
Os crimes precisam de ser averiguados, tipificados, preparados com muito zelo e blindados contra os mil e um recursos de bons advogados que dedicaram suas vidas a livrar os bandidos do colarinho branco, porém manchado. Mas não há problema em manchar ternos e camisas brancas, pois o auxílio-paletó serve para resolver isso mesmo.
Observamos, já há alguns poucos anos, um tipo de levante jurídico, de reação, eu diria, no qual intocáveis da elite são presos, e no qual dinheiro público retorna às contas públicas, de onde poderá novamente ser roubado por mais políticos corrompidos num ciclo cujo fim ultrapassa meu horizonte míope.
Observamos também um levante diferente, do tipo daqueles que querem reescrever a constituição ao seu modo, reinterpretando tudo como se toda letra não fosse mais do que uma louca alucinação lisérgica apreendida pelo relativismo de um Jacques Derrida. 
Cidadãos, se é que podem ser assim chamados quando na verdade se comportam mais como servos ou escravos do tirano magnânimo que cobra a alma em troca de esmolas, reclamam da prisão de um criminoso da estatura de um ex-presidente com nove dedos que agarra poder, dinheiro e pinga como se tivesse oito tentáculos. Gritam que outros bandidos existem e não foram presos. É difícil distinguir o mais corrupto na situação. Quem corrompe ou quem tenta justificar um erro com outro.
O crime em nosso país perde totalmente a objetividade para essa minoria violenta e cega. Só é crime se for cometido pelo outro, só é crime se não tiver sido cometido pela causa. Agora, que causa é esta de verdade, só Deus sabe.
O crime também perde o grau. Sofistas de plantão, daqueles que são cuspidos aos borbotões dos esgotos acadêmicos radicais de nossas federais, comparam crimes que lesam toda a pátria ou atentam frontalmente contra a vida humana com pequenos e medíocres “crimes” do cidadão comum. Quem somos nós para julgar o roubo de bilhões, a destruição de uma estatal estratégica para todo um país continental e as suspeitas mortes que ocorreram no longo governo da elite proletária que nunca trabalhou de verdade? Joguei papel no chão. Não posso falar mal do abortista, estuprador ou delinquente assassino traficante de drogas, não é mesmo?
Ah, mas prenderam o bandido dos oito braços - com um dedinho a menos - e dois tentáculos! Falta ainda a desconjuntada tartaruga no poste com o cachorro atrás, que ninguém sabe direito como foi parar lá em cima e o que estava fazendo. E falta muitos outros bandidos ainda. Garçom, traga o próximo por favor. O gosto do bom freguês é eclético.
Não importa a safra. Culpa criminal deve ser punida. Não importa o pedigree. Não se deve ter bandido de estimação. E não se deve perder o senso das proporções para que não se afunde em pura histeria, perdendo a percepção da gravidade dos grandes crimes contra todo um povo enquanto se perde tempo com nulidades.
Nossa elite não somente roubou o povo brasileiro. Nossa elite permite o assassinato de mais de sessenta mil vidas humanas todos os anos; uma multidão de anônimos massacrados. Nossa elite envia dinheiro para tiranias no estrangeiro que oprimem e matam seu próprio povo. Nossa elite faz pactos com sequestradores internacionais e terroristas que ganham dinheiro com tráfico de drogas. Mas perigoso de verdade é o sujeito que fura a fila, joga papel no chão, anda com a placa do carro ilegível, coloca saleiro em cima da mesa no restaurante ou resolve vender hotdogna calçada da praia com maionese suspeita, percebe?
A ausência de senso das proporções arma o cenário ideal no qual se torce o direito para que o crime compense no fim das contas. 
A etiquetagem do crime e a defesa do bandido que pertence à mesma patota é outra indecência que assola nosso povo. O “rouba, mas faz” dos lulistas e malufistas. 
Talvez nosso maior problema seja mesmo a violência, a brutalidade em que vive o cidadão comum nas ruas brasileiras. E este problema se mantém forte e sempre presente graças ao contexto cultural degenerado em que nos encontramos.
Enquanto nosso sábio lumpenproletariategresso das ciências sociais acusa políticos que assaltam o erário público; enquanto nossos burguesinhos filhinhos de papai e mamãe baby-boomersse deleitam criticando os últimos acontecimentos do Big Brother Brasilou comentando a última entrevista num condimentado programa acéfalo da televisão; milhares de Marias, Josés e tantos outros morrem, drogados, vitimados por balas perdidas ou bem endereçadas, desgraçando a vida de famílias inteiras.
A culpa criminal exige reparação proporcional, exige justiça. Doa a quem doer. É uma necessidade básica para criar a estabilidade e a confiança sem as quais é difícil imaginar o céu azul novamente.
Se há alguma coisa que torna insuportável a vida em um país e rouba o futuro da próxima geração é o profundo sentimento de injustiça, de impunidade.

LEIA A PARTE 3

quarta-feira, 11 de abril de 2018

A CULPA NOSSA DE CADA DIA - PARTE 1

A CULPA NOSSA DE CADA DIA - PARTE 1
Um estudo fenomenológico da crise no Brasil com base nos Esquemas de Diferenciações de Karl Jaspers a respeito da culpa.

Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia. Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim; e o meu vigor se tornou em sequidão de estio.
Salmos 32.3,4.



1. Caminhar sem enxergar
O Brasil cambaleia. Andamos – ou rastejamos? - por tempo demais rumo à sombra que margeia o abismo, confiando em guias cegos enquanto tapávamos nossos olhos e sorríamos indolentes. Em nossa boca o pão fácil, para nossos olhos as belas imagens naturais do gigante eternamente adormecido e o espetáculo artificial das mídias de massa, em nosso sangue a anestesia dos tóxicos lícitos e ilícitos, em nossos ouvidos o discurso vazio da demagogia e a narração do jogo de futebol de domingo, reminiscências de uma glória esportiva perdida e agora degenerada, tão artificial quanto aquelas lutas-livres de nossa infância.
Assistimos dia após dia aos julgamentos e peripécias de nossas elites política, econômica e judiciária; atores de um grande teatro que nos custou o futuro de atual geração de jovens. Muitos afirmam, como já declamou tantas vezes Manuel Bandeira: Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei, lá tenho a mulher que eu quero, na cama que escolherei. Vou-me embora pra Pasárgada. 
Arrumam, por aí, suas malas e partem com famílias e dinheiro para o norte das Américas ou para nossa antiga pátria mãe, Portugal. Os que ficam para trás, muitas vezes murmurando, lamentam a má sorte, a violência e a desgraça de cada dia que desfila na televisão junto a comerciais de estatais e doses de sofística.
 No discurso, por todos os lados, alguns padrões se repetem.
Os inflamados da esquerda, em cujo coraçãozinho revolucionário está sempre aquela velha sede de sangue, aquela antiga vontade gnóstica de olhar na cara de Deus erguendo o punho para dizer que sabe melhor qual deve ser o destino alheio enquanto expurga a criação dos indesejáveis, gritam cada vez mais alto. Basta um empurrão, e lá estão eles esquentando as grelhas para o holocausto enquanto afiam suas facas e municiam suas armas. É simplesmente doentio e maligno. Como o mais patético histérico, gritam horrorizados com a violência da direita, com o terror dos militares (agora já esclerosados) enquanto espancam pessoas na rua – somente quando estão em franca maioria, veja bem - e destroem patrimônios públicos e privados. 
Os moderados da esquerda, que receiam condenar seus radicais violentos e seus salvadores da pátria, símbolos de uma democracia de aparências em busca da próxima tirania, e que lamentam ao perceber que algo profundo e significativo rompeu na imagem da esquerda em nosso país, tentam ganhar tempo. Mas sabem que o abismo está a um ou dois passos. Sabem que serão os mencheviques de amanhã ou os culpados pela sangria de depois de amanhã. Fazem alianças, brincam de faz-de-conta, fingem ser um pouco, mas só um pouquinho, liberais ou até mesmo conservadores. 
Os de centro, uma boa desculpa para permanecer alienado, trancado fora do mundo tempestuoso da política e da cultura brasileira, continuam placidamente sem fazer nenhuma diferença, a não ser dar eco para os malignos. Permanecem partidários da temperatura morna, cujo destino será ser vomitado da vida pública se ainda houver futuro. Restolho podre de um velho conservadorismo bem brasileiro, o conservadorismo do conchavo, dos esquemas, dos arranjos onde todos saem gargalhando enquanto a maioria que não se enquadra neste “todos” permanece embaixo, pisoteada e explorada.
Os de direita, otimistas com um afamado ressurgimento – um tolkenianoretorno do rei para terras tupiniquins? -, crentes na mudança cultural que poderá restabelecer um rumo ao país como se este fosse uma tábula rasa e toda a maldade acumulada pudesse ser dissipada em menos de meio século, estudam e promovem cursos e planos para fazer alguma diferença, ou somente para cumprir o dever de casa, que tantos outros ignoraram. O risco é ignorar a proximidade do abismo, assim como os moderados da esquerda, e achar que com um grande salto sairão da escuridão ao observar uma luz no Norte, ao longe. No meio do caminho está ainda a selva escura, e podem acabar tropeçando na entrada daquele local onde um solene aviso sobre abandonar as esperanças repousa pregado. A serpente ainda se contorce, e o veneno ainda está na presa.
Outros da direita enxergam claramente o abismo, e buscam antigas soluções, tocam cornetas enferrujadas e clamam por uma botina militar. Assumem de peito aberto o estado incipiente ou até mesmo demente de nossa democracia enquanto pedem o punho de ferro de generais, marechais e tantos outros “ais”. Lá vamos nós pelo mesmo caminho outra vez, caindo no engodo da dialética do poder entre dois processos revolucionários: o positivismo autoritário militar e o revolucionarismo radical autoritário da esquerda. Não haveria uma solução que não nos reduzisse a crianças guiadas pela mão de um pai bravo? Quando deixaremos de ser Pérsia, com seus Reis-deuses e nos tornaremos Atenas, dispostos a debater na Ágora?
Muitos caminhos, uns de sangue, outros de perigo, talvez nenhum deles de luz. Veritas filia temporis. Mas antes de apontar rumos, algo de podre caminha conosco. Talvez nossos próprios ossos, que assim ficaram enquanto negávamos consciência a nossas culpas. Sem arrependimento não há novo nascimento, como disse O Mestre.
Há uma culpa a ser reconhecida, há uma culpa a pagar. De certa forma todos somos devedores, todos somos responsáveis pela sangria cultural, econômica e literal que se abateu sobre nosso país. Enquanto nos calarmos, a podridão continuará entranhada, continuará nos roendo por dentro, prometendo falsas esperanças, oferecendo vãs filosofias, exibindo futuros enganosos.
Busco no relato de Karl Jaspers os instrumentos para pensar minha culpa, nossa culpa. O filósofo alemão também pensou sua culpa e a culpa de seu povo, o alemão. 
Por meio de palestras proferidas em 1946, logo após o terror do nazismo e dos campos de concentração, Jaspers abordava um tema que feria profundamente o povo alemão. O mundo ouvia falar dos crimes impossíveis cometidos pelo nazismo, ouvia falar do Julgamento de Nuremberg e discutia como pagar a dívida moral alemã, como compensar os crimes de um passado terrível. 
É certo que um dos vencedores da Grande Guerra (que coisa pequena, chamar uma guerra como a que foi travada de grande) massacrou ainda mais; porém os vencedores têm a chance de reescrever a história. O julgamento dos comunistas chega tarde, mas os fatos não mudaram, e cada coisa vem a seu tempo. Agora é tempo de escrever sobre a culpa alemã e a culpa brasileira. Daqui a pouco volto na culpa comunista, entrelaçada com nosso problema atual; recuso-me a cair na amnésia histórica, como foi denunciada por Alain Besançon em sua Infelicidade do Século.[1]
Também no Brasil o radicalismo político e cultural desperta militantes raivosos que matam e espancam à luz do dia, quebrando sua devida cota de vidros e - quem sabe? - cristais. A Sturmabteilungde Hitler, os jovens violentos da revolução cultural de Mao Dze Dong e os bolcheviques, nem tão jovens assim, também quebraram sua cota de vidros, cristais, costelas e crânios. Jaspers avisou em sua breve obra sobre a culpa que:
Em todo lugar, pessoas têm características parecidas. Em todo lugar existem minorias violentas, criminosas, vitalmente ativas, que à primeira oportunidade tomam o poder e procedem de modo brutal.[2]
O Brasil carrega a maldição de ter uma parcela pequena, porém organizada, fanática e violenta, de militantes nascidos do fogo da teologia da libertação com a fúria messiânica do populismo tupiniquim marxistóide. Matam, picham, espancam, quebram, queimam, depredam, roubam e oprimem de fato enquanto gritam seu estatuto de eternas e pobres vítimas do sistema; sistema este que ocuparam por tanto tempo e que aprenderam a manobrar tão bem.
Agora é a hora - antes tarde do que nunca - de avaliar nossa culpa. Como chegamos aqui. 
É hora de avaliar como pagaremos por nossa culpa, como nos arrependeremos e como renasceremos. Se tal renascimento será para trevas profundas, no fundo do abismo o qual margeamos com passos cambaleantes de bêbado, ou se será renascimento para o verde gramado do lado de fora da sombra, só Deus sabe. Todavia, independente da claridade por onde caminhamos, teremos uma parcela personalíssima de responsabilidade e culpa a prestar contas, cedo ou tarde.
LEIA A PARTE 2

[1]No livro Infelicidade do Século, Besançon critica o excesso de atenção que o nazismo ganhou enquanto o comunismo passou incólume pelo julgamento moral que se seguiu à Segunda Guerra Mundial.
[2]JASPERS, Karl. A questão da culpa. A Alemanha e o nazismo. São Paulo: Editora todavia, 2018, p. 91.

A ARTE MÉDICA - LANÇAMENTO

Prefácio do Livro ARTE MÉDICA


Refletir sobre o comportamento social, a vida em comunidade e as relações humanas nos leva por necessidade a lidar com conceitos como moral e ética. Tão semelhantes à primeira vista, são na verdade de todo distintos quando colocados à luz da filosofia.

Ética é palavra originária do grego ethos. Sua etimologia significa refúgio, morada, habitat. Segundo os filósofos, refere-se à índole, ao caráter; são os valores mais nobres conquistados com o aprendizado, adquiridos com a sabedoria.

A ética se porta muitas vezes como questionadora da moral, da justeza de regras impostas. A reflexão ética é essencial nesse campo, pois a moral nada mais é que o conjunto de costumes, regras, tabus e convenções estabelecidos pelas sociedades, passível de caducar de tempos em tempos.

Ao longo da história, por incompreensão das diferenças e também das similaridades entre esses dois conceitos, estabeleceu-se um abismo entre a ciência e a religiosidade. Construiu-se a falsa ideia de incompatibilidade, quando são complementares.

Hoje, mais que nunca, ética e moral devem caminhar juntas quando se menciona o humanismo na medicina: é mister valorizar a totalidade do indivíduo e não especificamente a doença que o acomete.

Cada vez mais se faz essencial enxergar o ser humano de maneira holística e integrada, e considerar o paciente em seu papel na sociedade, dificuldades, crenças, medos e fraquezas, tão fundamentais para a compreensão do processo do adoecimento.

Parece que, aos poucos, os profissionais de medicina e pacientes estão repensando esses conceitos. Constatam que nada substitui o tratamento humanizado, nada é mais importante que o médico que tem nome e rosto e que conhece o nome e o rosto do paciente.

É tempo de recuperar nossas raízes sem, é claro, abrir mão de toda a modernidade a que temos direito. O resgate da humanização deve pautar sempre a prática da medicina, com o principal objetivo de oferecer assistência digna e de qualidade à população.

Nunca em nossa literatura houve uma obra que ousasse tratar com profundidade do tema e mostrar os vieses e intersecções entre a medicina e a religião. Dr. Hélio Angotti Neto, conhecedor profundo do assunto, traz à luz a discussão de maneira didática e fundamentada, utilizando-se de um linguajar acessível a todos os públicos.

O livro que ora se apresenta deveria ser obra de cabeceira de médicos, professores, estudantes de medicina, e de todos os que lidam com seres humanos, para que possam refletir sobre o papel da tecnologia em sua vida e, em sentido fundamental, a respeito da importância da postura humanizada na prática diária da medicina nos princípios da religiosidade, ética e moral.

Parabéns ao dr. Hélio Angotti Neto pela grande contribuição que traz à medicina em um momento histórico tão peculiar, quando se luta para resgatar valores.

— Dr. Antônio Carlos Lopes
Diretor da Sociedade Brasileira de Clínica Médica

O CÁRCERE DA CONSCIÊNCIA E A PATRULHA DO ÓDIO

O CÁRCERE DA CONSCIÊNCIA E A PATRULHA DO ÓDIO

A resposta exagerada a um texto que acusou respostas exageradas


O texto “Prestando Atenção no que Pouco Importa” despertou vis paixões em milhares de leitores, e boas reflexões em outros milhares.[1]Como eu disse no texto original, muitas pedras[2]nas mãos, bolsos, sapatos e, até quem sabe, nas cuecas.
O assunto abordado foi a enorme repercussão que o brasileiro dá a coisas de magnitude inferior aos mais dramáticos e urgentes problemas que nossa nação já enfrentou. Eis os problemas listados:
- A corrupção de muitos colegas médicos;
- O comprometimento de nossa elite médica com ideais monstruosos, culminando com a tentativa de liberar o aborto e a eutanásia infantil na gestão anterior do Conselho Federal de Medicina;
- O envolvimento de grupos estudantis que teoricamente afirmam comprometimento com a vida humana, mas namoram a indigna Cultura da Morte;
- A imoral e desequilibrada predileção do brasileiro por assuntos menores diante de questões de suma importância, como a estratosférica violência assassina que domina o país – que vive uma guerra civil, vitimando principalmente as camadas mais frágeis da população - e a manipulação ideológica grosseira da alma de nossos jovens e crianças nas escolas.
Toquei numa terrível ferida, ao que parece. A verdade dói, sempre. Contudo, nos liberta. Só é uma pena que tantos prefiram viver algemados na mentira e, assim como aconteceu no Mito da Caverna de Platão, optam por agredir quem quer que queira lhes meter um pouco de juízo nos miolos moles.
Rapidamente vi a engrenagem da violência e do assédio moral girar e lançar destroços por todos os lados.
Os jovens das calças abaixadas – não conheço nenhum deles, tampouco suas famílias – foram acusados de maquiavelicamente estimular estupros e assassinatos de mulheres e de serem racistas brancos e ricos da elite. Não tenho a menor idéia de suas procedências ou de suas classes sociais, mas a patrulha do ódio cego seletivo, doravante chamada de POCS, tudo sabe, tudo vê e todos os pensamentos adivinha, como se fosse uma farsa invertida da onisciência divina. Os videntes que se cuidem, pois a POCS sonda corações e mentes, sonda o passado e as futuras intenções homicidas, racistas e “plurifóbicas” só de olhar fotos.
Fui chamado de leniente, racista, fascista (na verdade, de facista), corporativista[3]e muitos outros adjetivos que, por respeito à minha família e aos demais leitores, declino em repetir. Escutei até uma curiosa ameaça: “O seu nome está na rede, o senhor vai ver...” Lembro que escutei um longo uivo de lobo na noite escura e um som de correntes vindo de um sótão imaginário ao ler essa ominosa advertência.
Sim, meu nome já estava na rede e ficou ainda mais na rede. Graças à POCS, o que escrevo se disseminou ainda mais! Agradeço a todas as carinhosas mensagens, devidamente anotadas para eventuais consultas jurídicas e para lembrar-me da necessidade de falar cada vez mais, de continuar a expor tais erros, principalmente onde geram maior desconforto.

POCS – Patrulha do Ódio Cego Seletivo


Ao meu artigo obtive diversas formas de respostas.
Concordâncias totais ou parciais.
Discordâncias parciais ou quase totais, incluindo argumentos e posicionamentos racionais e suas devidas justificativas.
Discordâncias totais, mantendo o tom de respeito e civilidade.
Discordâncias agressivas com ameaças, ofensas e acusações absurdas. É sobre este último elemento que escrevo agora e nomeio de POCS.
Explico rapidamente o acrônimo.
P de Patrulha, por que seus membros estão à cata de algum fato, pessoa ou grupo que se encaixe em sua visão pré-determinada de mundo, ditada pelo politicamente correto e pela mentalidade revolucionária. São vigilantes das redes, ativistas das cátedras universitárias e justiceiros sociais. Quanto mais vigiam e punem (para parafrasear um de seus ídolos), mas autossatisfação sentem. É o ódio enobrecido pela ideologia que mascara a imoralidade de toda a situação, como diria Gabriel Liiceanu.[4]
O de Ódio, por ser o instrumento de trabalho utilizado e a motivação que aciona a máquina revolucionária, sempre à busca de vítimas que justifiquem o mito imposto. Esse tipo de ódio deve ser calculado com frieza e estratégia, para depois ser despejado na sociedade de maneira inflamada e perturbadora. Não é mais o perdão que cola a sociedade, é o ódio aos inimigos comuns.
C de Cego, por ser caracteristicamente desprovido de bom senso. Nota-se uma perturbada ausência do senso das proporções. Para crimes horríveis, genocídios e assassinatos cruéis, destinam a total ignorância. Para crimes simbólicos, atitudes chamadas às vezes de subconscientes ou inconscientes ou por nascer com o sexo, a cor ou a classe errada, prescrevem-se perseguições, destruições de carreiras, prisões, exílios e até extermínios. 
S de Seletivo, justamente pelo seu caráter de maniqueísmo catalisador do ódio. Busca-se um inimigo sobre o qual o ódio e a agressão possam ser extravasados numa catarse que preenche o justiceiro social de contentamento consigo mesmo, com sua pureza na violência. O fenômeno é antigo, e nada melhor para aplacar a própria consciência do que descarregar no próximo as culpas reais ou imaginadas de toda a sociedade. 
No fim o que importa para a POCS não é a ofensa ou crime em sua objetividade, é se o ofensor está do lado errado da luta revolucionária e merece ser execrado.

A Violência Simbólica e a Hermenêutica Revolucionária


Demonstrando com exemplos concretos o que eu tentava descrever no artigo anterior, a patrulha odienta arregimentou seu gado de manobra. Gado este composto por jovens que aprenderam a odiar ainda novos, movidos por senhores esclerosados e amargos que tantas vezes ocupam o lugar destinado a professores e pensadores. Jovens que enxergam com as tintas do ódio por onde passam e julgam ao próximo com a pior das intenções. São fariseus modernos que, de forma ainda pior que seus semelhantes de tempos antigos, se lambuzam com o ódio e a maldade, estimulando a violência moral e a perseguição.[5]
A patrulha viu na imagem fotografada um símbolo do machismo, do que denominam cultura do estupro e do desrespeito às mulheres. Estranho como uma foto descarrega tanta comoção, tanto ódio e tanta sede de destruição da reputação e da vida alheia, enquanto o uso do símbolo comunista, representando uma ideologia responsável pelo maior genocídio que a humanidade já viu em milhares de anos de história, é simplesmente ignorado.[6]Fotos de tiranos monstruosos e psicopatas como Lênin e Stálin são exibidas em reuniões políticas e eventos culturais como se fossem a coisa mais normal do mundo. Levantam o punho fechado, proclamando a revolução, como se tal símbolo não significasse tortura, expurgos, fome e extinções de grandes massas populacionais.
Se símbolos perigosos merecem censura e punição, por que alguns símbolos de uma evidência histórica cruel passam impunes e outros são tão perseguidos, mesmo que sejam meras sombras pálidas diante do mal alheio? Para a ideologia, o único mal condenável é aquele que pertence ao inimigo da hora. E todo o mal próprio é justiça pela causa. A ética se reduz ao partidarismo. 

Foto do psicopata Lênin ao lado da presidente removida do cargo, Dilma Roussef, em um congresso do Partido Comunista do Brasil. Retirada da página do Instituto Plínio Correia de Oliveira, Internet,http://ipco.org.br/ipco/o-perigo-vermelho/#.WO_PsojyvIU

A patrulha do ódio vocifera amaldiçoando e pedindo a cabeça dos jovens que, ao fazer um símbolo com as mãos que representa uma vagina e escreverem “pintos nervosos” - simbolizam a morte das mulheres, pelo menos de acordo com a hermenêutica revolucionária.[7]
Mas se realmente prezam a vida das mulheres, como ousaram ignorar a atitude anterior do Supremo Tribunal Federal? Nossos elevadíssimos juízes libertaram aborteiros responsáveis pela morte de uma jovem mãe. A pobre mulher, iludida pela solução teoricamente fácil do aborto, morreu por causa do procedimento ilegal realizado clandestinamente numa clínica da morte e, para que o crime não fosse ligado aos seus perpetradores, recebeu um tiro, foi esquartejada e carbonizada.[8]
Gritam contra a cultura do estupro, mas fingem não existir a norma governamental que libera o aborto para mulheres estupradas sem a necessidade de avaliação psicológica prévia cuidadosa e sem a necessidade de abrir o boletim de ocorrência, fazendo uma denúncia formal. Repito, um monstro estupra uma mulher e a solução é abortar, não há necessidade de se abrir um boletim de ocorrência e perseguir o maldito. O monstro continua à solta para fazer outras vítimas.[9]
É claro que não foi somente a POCS que respondeu. Muitos responderam concordando parcialmente ou totalmente, ponderando e argumentando, com sabedoria e educação. Muitos se revoltaram e ainda se revoltam ao ver o nome da medicina jogado na lama – confesso que também fico revoltado, como não ficaria? Muitos ainda desejam uma punição exemplar.
Alguns, a verdade seja dita, chegaram reproduzindo os dizeres tão manjados dos arregimentadores do ódio, mas ao conversarem comigo, mostraram a capacidade de parar, refletir e compreender, mesmo em discordância. 
Outros repetiam, com razão, a verdade de que o que é certo continua certo, mesmo que poucos o façam, e que aquilo que é errado continua errado, mesmo que ninguém o faça. Eu disse o contrário, alguma vez?
 O Mecanismo do Bode Expiatório

Espantalhos foram levantados. O antigo, cruel e implacável mecanismo do bode expiatório foi disparado. Os jovens serviram como catalisadores das reações acusatórias e encarnaram a culpa lançada pela patrulha do ódio cego destinado somente aos premiados inimigos da hora, selecionados pela ideologia e pela causa que merece atenção de acordo com as decisões daqueles que puxam as cordas. 
Não eram mais jovens. Viraram monstrengos, estupradores, assassinos. Foram rotulados da forma mais compatível com o que prega a patrulha: eram brancos, de classe alta, heterossexuais etc. 
A bem da verdade devo dizer que não os conheço, não sei se são brancos ou pardos, não sei a qual classe social eles pertencem e tampouco sei ou quero saber suas preferências sexuais, assuntos que só podem interessar a quem não tem o que fazer.
Não era mais a corrupção, a morte e a deseducação que assolavam o Brasil, era o símbolo que, sem duvida nenhuma – pelo menos no juízo dos raivosos leitores de imagens, símbolos e corações – revelava intenções malignas profundas e perigosas de sair a estuprar e matar ou de estimular pobres mentes influenciáveis a fazê-lo. 
Como eu disse antes, sabia muito bem quem eu iria cutucar. Como a serpente cuja cabeça foi esmagada, o corpo asqueroso dessa cosmovisão assassina e decadente ainda se revira, mudando de cor e de posição. Mesmo após a exposição de toda a malícia, o ódio revolucionário continua projetado, visto em cada ato daqueles que não concordam, concentrado naqueles que devem ser sacrificados para que ocorra a catarse.
O ódio será destilado. É destilado neste exato momento.
Punições exemplares e desproporcionais serão solicitadas. E ao fim, quando os bodes escolhidos para a imolação tiverem sua moral, suas mentes e suas vidas devassadas, restará à POCS o satisfatório sentimento de vitória. Foi cumprida a justiça ideológica. Os símbolos sutilmente impostos pelos intelectuais orgânicos foram concretizados na realidade, gerando a satisfação de concluir a profecia autorrealizável e a alegria abjeta de quem se compraz impunemente na violência e na destruição de reputações.

A Busca pelas Virtudes e a Educação das Emoções


E quanto aos jovens? A estimulação agressiva de suas culpas com acusações de intenções homicidas e cruéis os levará ao desequilíbrio emocional e psicológico, talvez eles até mesmo abracem a causa daqueles que os agrediram, numa curiosa reviravolta ao estilo da Síndrome de Estocolmo. Ou talvez tenham a força de caráter e a humildade suficientes para aprender a lição e jamais repetir a desnecessária e desrespeitosa exposição de suas pessoas sem que concordem com o mecanismo do bode expiatório. Talvez compreendam melhor a sociedade em que vivem. E talvez compreendam a fragilidade de seus futuros pacientes e a nobre vocação que desejaram seguir, tão fragilizada e vilipendiada, em parte graças a eles neste momento.
Simpatizo com as famílias dos jovens, que devem estar absolutamente horrorizadas com a atitude de seus filhos e ainda mais com o ódio sistêmico despertado Brasil afora. Sou marido e pai, tenho meu telhado de vidro, sei que educar não é fácil, e filhos possuem vontades próprias e cometem erros e acertos. 
Que eles paguem o que é devido. Tenho certeza de que os professores e o Conselho Regional de Medicina agirão com competência e responsabilidade ao julgar o caso. Espero que a lição seja aprendida.
Porém, confesso uma coisa. Como eu gostaria de ver a revolta e a punição proporcional ao erro dos perigos que ameaçam a medicina e, sobretudo, a vida de nossos pacientes!
Quem se revoltará contra médicos aborteiros que atuam na ilegalidade, matando mulheres e seus filhos? Quem se revoltará contra estudantes que defendem ideologias sanguinárias e vestem camisas do cruel porco fedorento Che Guevara, assassino de adolescentes, homossexuais e prisioneiros que cometeram o delito de discordar ou de pertencer à “classe” errada? Quem se revoltará contra os manipuladores que ousam conspurcar o título de professor enquanto arrombam a alma de seus pupilos, entregues inermes aos mais grotescos assédios ideológicos?
Sinceramente, não consigo prever justiça no momento. Vejo uma horda de ovelhas que engolem o discurso projetado pelo ódio e pela sanha de poder e controle de uma minoria realmente privilegiada, que estimula conflito por meio de frases de efeito entorpecedoras. 
Mesmo pessoas inteligentes e razoáveis estão caindo na manipulação simbólica e linguística das velhas raposas assanhadas. Lamento, mas o alvo da justa ira continua desfocado.
 Quem diria que a geração que nasceu do "é proibido proibir" seria a ferramenta ideal e intransigente do politicamente correto! A dialética é, de fato, um assunto muito interessante para o estudo e a compreensão da realidade.
Gostaria que lessem e meditassem sobre as palavras ditas por alguém muito mais experiente, inteligente e sábio do que este nem tão jovem que ousa virar o espelho na direção do leitor e de si mesmo:
"Numa alma bem estruturada, as emoções refletem naturalmente o senso das proporções e a realidade da situação. A afeição, a esperança, o temor, a ansiedade, o ódio são proporcionais aos seus objetos e, nesse sentido, são verdadeiros órgãos de percepção. Afiná-las para que cheguem a esse ponto é o objetivo de toda educação das emoções. Na sociedade histérica, porém, cada um só pode alcançar esse objetivo mediante um tremendo esforço de tomada de consciência e de auto-reeducação. O que deveria ser simplesmente o padrão da normalidade humana torna-se uma árdua conquista pessoal."[10]
A fúria acionada por gatilhos verbais e a incapacidade de analisar com calma, proporcionalidade e senso de hierarquização da conduta que se vê no Brasil é, por fim, o fruto de uma elite psicopática que convenceu um povo a entrar na louca histeria de seus sonhos imorais.[11]
Nas palavras do psiquiatra Andrew Lobaczewski:
A interpretação tradicional dessas grandes doenças históricas já ensinou aos historiadores a distinguir duas fases. A primeira é representada por um período de crise espiritual na sociedade, que a historiografia associa ao esgotamento dos valores morais, religiosos e ideativos, que até então alimentavam a sociedade em questão. O egoísmo aumenta entre os indivíduos e os grupos sociais, e as ligações entre a obrigação moral e as conexões sociais parecem se afrouxar. Assuntos sem importância, em seguida, dominam as mentes humanas em tal extensão que não há espaço sobrando para pensar sobre assuntos públicos ou para um sentimento de comprometimento com o futuro. Uma atrofia da hierarquia de valores no pensamento dos indivíduos e das sociedades é também uma indicação disso; algo que tem sido descrito tanto em monografias historiográficas quanto em artigos de psiquiatria. O governo do país é finalmente paralisado, impotente frente aos problemas que poderiam ser resolvidos sem grande dificuldade sob outras circunstâncias. Vamos associar tais períodos de crise com a fase familiar da histerização social
A próxima fase é marcada por tragédias sangrentas, revoluções, guerras e quedas de impérios. As deliberações dos historiadores ou dos moralistas sobre essas ocorrências sempre deixam atrás de si um certo sentimento de deficiência em relação à possibilidade de perceber certos fatores psicológicos discerníveis dentro da natureza dos fenômenos; a essência desses fatores permanece fora do escopo de suas experiências científicas.[12]
Olhemos o nosso Brasil e reflitamos. Perdemos nossa substância espiritual e moral. Ocupamo-nos cada vez mais com imbecilidades e coisas sem importância alguma. Tornamo-nos cegos aos maiores problemas de nossa combalida sociedade e concentramos esforços e pensamentos ao redor de símbolos artificiais e banalidades como o Reality Shows de quinta categoria, que mostram o que mais de medíocre e desinteressante existe na sociedade, estimulando os mais baixos sentimentos e a mais vã curiosidade. A liderança corrompida e corruptora assiste ao assassinato e à destruição maciça do povo brasileiro e permanece paralisada ao redor de projetos sem importância ou simplesmente da salvação pessoal em meio às denúncias de corrupção da operação Lava-Jato. O Brasil está histérico, e mesmo as pessoas que não se enquadram no perfil psicopático estão permitindo a tosca manipulação verbal dos piores elementos.
O brasileiro teve a sua consciência encarcerada.

A MORALIDADE CRISTÃ E NIETZSCHE


Nietzsche dizia que a moralidade cristã era a moralidade de escravos ou servos. Se servo for utilizado no sentido de servir ao próprio Deus, infinito, soberano e supremo acima de tudo e todos, com certeza o Nietzsche estava certo.
Alguém consegue imaginar como a fé e a moralidade cristã são pujantes, maravilhosas e intimidadoras? Imaginem pessoas, em sua maioria simples membros da classe mais baixa, dispostas a serem devoradas por leões famintos, dispostas a terem suas peles rasgadas e seus membros arrancados a mordidas vorazes para que servissem de grotesco espetáculo para a turba sanguinária.
Qual a razão dessa punição tão exemplar? Ousaram não se ajoelhar perante César, a suprema autoridade mundana.
Na perspectiva imanente, a moralidade cristã é absurdamente nobre e, ousaria dizer, aristocrática no mais supremo dos sentidos possíveis: a aristocracia do Espírito, relativa a pertencer à família do próprio Deus Pai.
Voltando a Nietzsche, ousaria dizer que ele tomou por cristã a moralidade medíocre da baixa burguesia de seu tempo. Enxergou na moralidade das convenções utilitárias e hedonistas uma fria, pálida e triste caricatura do que seria a verdadeira moralidade do Cristo.
Disse ele que "na verdade existiu somente um cristão, e ele morreu na cruz." Em parte ele está correto, ao perceber o clima sem esperança de seu tempo. Todavia, foi profundamente infeliz em sua constatação ao ignorar o sangue do martírio cristão e a nobreza de tantos exemplos daqueles que ousaram imitar a Cristo ao longo dos tempos.
Ouso imaginar que Nietzsche criticava de forma tão ácida a fé de seu tempo porque ele mesmo ansiava conhecer verdadeiros e corajosos cristãos, repletos da nobreza que não é desse mundo.
Onde estão nossos nobres mártires? Quem ousará tomar a cruz e caminhar? Que Deus dê coragem e nobreza ao nosso povo nesse momento de trevas niilistas e patrulha ideológica.

[1]Só na semana em que o artigo foi a público, foram mais de 70.000 visualizações (somente no blog www.nedicinaefilosofia.blogspot.com.br). Só não pode ser garantido que todos os que viram o artigo leram de fato, tampouco pode ser garantido que todos os que leram tenham refletido. Mas o “estrago” foi feito. Agradeço a todos os detratores e odientos que espalharam o artigo junto com agressivos xingamentos. Que pessoas de boa mente e bom coração possam ler o artigo e refletir de verdade sobre as mazelas de nossa sociedade que ameaçam a medicina e, sobretudo, o paciente.
[2]ANGOTTI NETO, Hélio. A Revolta Contra o que Pouco Importa. Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina, 10 de abril de 2017. Internethttp://medicinaefilosofia.blogspot.com.br/2017/04/a-revolta-contra-o-que-pouco-importa.html
[3]“Coorporativista”, na verdade, por um semialfabetizado. Provavelmente ele confundiu corporação com cooperação e se embananou todo. Eu sempre achei que a fúria e a maldade emburrecem as pessoas, e as evidência continuam mostrando que não estou longe da verdade nesta opinião.
[4]LIICEANU, Gabriel. Do Ódio. Campinas, SP: Vide Editorial, XXXX
[5]Sobre como o ódio pode ser capitalizado pela ideologia, há uma enxurrada de obras, mas a demonstração de como pode ser revestida de falsa nobreza e sentimento de autojustificação encontra-se muito bem escrita na obra: LIICEANU, Gabriel. Do Ódio. Campinas: Vide Editorial, 2015.
[6]Sugiro consultar os estudos disponíveis em: RUMMEL, Joseph. Freedom, Democracy, Peace; Power,
Democide, and War. 
University of Hawaii. Internethttps://www.hawaii.edu/powerkills/; um livro que ajuda a contabilizar os massacres é: COURTOIS, Stephane. O Livro Negro do Comunismo. São Paulo: Bertrand Brasil, 2015.
[7]Sobre como a mentalidade revolucionária pode distorcer tudo ao ponto da louca histeria projetiva do mal, recomendo a leitura atenciosa de: CARVALHO, Olavo de. A Mentalidade Revolucionária. Diário do Comércio, 16 de agosto de 2007. Internethttp://www.olavodecarvalho.org/semana/070813dc.html.
[8]Sobre o caso, assista ao vídeo: Encontrado o corpo da jovem Jandira Cruz que buscou aborto clandestino. Internethttps://www.youtube.com/watch?v=Z2T40ky2x7Y; e leiam o artigo: FANTTI, Bruna. Decisão do STF sobre aborto em Caxias provoca polêmica. O Dia, 01 de dezembro de 2016. Internet,http://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2016-12-01/decisao-do-stf-sobre-aborto-em-caxias-provoca-polemica.html.
[9]CRUZ, Luiz Carlos Lodi da Cruz. Mais uma Norma Técnica do Aborto. Pró-Vida de Anápolis, 03 de janeiro de 2005. Internet,http://www.providaanapolis.org.br/index.php/todos-os-artigos/item/215-mais-uma-norma-t%C3%A9cnica-do-aborto.
[10]CARVALHO, Olavo de. Senso das proporções. Notas das Redes Sociais Reunidas, 21 de dezembro de 2016. Internethttps://olavodecarvalhofb.wordpress.com/2016/12/21/senso-das-proporcoes/
[11]LOBACZEWSKI, Andrew. Ponerologia. Psicopatas no Poder. Campinas: Vide Editorial, 2014.
[12]Ibid., p. 152.