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terça-feira, 27 de novembro de 2018

Desmontando falácias abortistas. Parte 1 – A Incrível História do Maravilhoso Amontoado de Células

A Incrível História do Maravilhoso Amontoado de Células



A Mentira: "O embrião é um amontado de células. Não é certo chamá-lo de ser humano, pois, conforme a ciência afirma, ainda não formou sistema nervoso central. Além do mais, quando se declara ausência de função cerebral em um paciente em estado grave, é o que se chama de morte encefálica. Portanto, não se considera vida um embrião que ainda nem tem sistema nervoso central".

Vamos começar desmontando um dos pacotes falaciosos mais utilizados, a mentira que eu gosto de denominar de “A Incrível História do Maravilhoso Amontoado de Células”.

Antes de começar, é preciso deixar bem claro que somente as pessoas mais ignorantes, mais incompetentes ou mais imbuídas de má-fé na argumentação ousariam afirmar que o embrião ou o feto não é um ser humano vivo. Os principais bioeticistas que defendem o aborto no mundo - como Tooley, Peter Singer, David Boonin e Mary Anne Warren - afirmam taxativamente que o feto é um ser biologicamente humano, mesmo que ousem negar o reconhecimento de seu statusmoral e da dignidade plena do ser humano.[1]

Contudo, como abortistas de regra não se prendem a distinções de qualidade em termos de argumentação ou ciência – e teremos tempo de ver estas perspectivas em breve – vamos descascar até mesmo essas pseudoargumentações mais rasas e estapafúrdias.

Imagine a seguinte situação hipotética, já enunciada pelo implacável debatedor Ben Shapiro: o simpático robô que vaga pela superfície de Marte coleta um material e envia à Terra evidências inegáveis de que, sobre o solo marciano, se encontram células bem primitivas e simples. Não haverá a menor dúvida. Gritariam a plenos pulmões e seria manchete das primeiras páginas que a vida foi encontrada em Marte! Com ponto de exclamação e tudo o mais.[2]

Voltemos à realidade e ao nosso pequenino planeta Terra.

Tanto a célula do zigoto quanto o grupamento de células que formam o embrião são absurdamente complexos. Tais células, desde o momento em que eram somente uma célula, possuem no seu núcleo um código genético que determinará em grande parte sua forma, e esse código é irrecusavelmente humano.

As reações bioquímicas que, desde o momento mais precoce, logo após a união entre o gameta masculino e o feminino, cada um contendo metade do código genético presente no núcleo – e o gameta feminino contendo o código genético das mitocôndrias –, são extremamente complexas e funcionais. Tudo acontece rumo ao desenvolvimento de um ser cada vez maior, mais interativo e com maior grau de independência – ou menor grau de dependência, a considerar da perspectiva.[3]

Se o embrião for um amontoado de células, todos nós, sem exceção, seremos também amontoados de células. E se amontoados de células podem ser destruídos, todos nós poderemos ser assassinados. É uma questão de lógica.

Amontoados de células, por exemplo, seriam cutículas empilhadas de diversos clientes de uma manicure ao fim do dia. Amontoados de células são hambúrgueres prestes a serem cozinhados no fast-foodda esquina. O embrião, por outro lado, é um ser vivo, organizado, executando funções bioquímicas orientadas ao desenvolvimento crescente de interação e autonomia relativa e parte de um complexo sistema composto por inúmeros seres vivos e elementos inorgânicos de apoio.

A única desculpa para chamar um embrião de amontoado de células talvez seja a existência de um amontoado de células a ocupar o lugar onde deveria existir um cérebro humano.

Sobre o critério de que um ser humano só pode ser assim chamado após desenvolver seu Sistema Nervoso Central, é preciso deixar bem claro que é de uma arbitrariedade absurda.

A primeira coisa que qualquer estudioso do desenvolvimento humano irá afirmar é que não há barreiras claras entre as etapas do desenvolvimento humano. Nós somos produto de um contínuo processo de mudança, repleto de evoluções e involuções. Nós somos uma complexa mistura de avanços e retrocessos, de potenciais revelados ao longo de uma vida.

Já há indícios de Sistema Nervoso Central antes das doze semanas, e seu desenvolvimento prossegue ao longo de toda a vida humana. Após nascer, há estupendas transformações no cérebro humano e na visão humana, por exemplo, por anos após o parto ter acontecido.[4]

O terceiro grande engodo é dizer que, já que podemos declarar morto um paciente com ausência de função cerebral, poderíamos igualmente declarar não vivo ou destituído de statusde pessoa um feto ou embrião no qual o Sistema Nervoso Central ainda não estivesse minimamente formado.

Essa analogia não passa de comparar alhos com bugalhos. Um paciente com diagnóstico de morte encefálica está com suas possibilidades de vida encerradas. Já um feto, mesmo que não tenha aquilo que certos abortistas teimam em denominar de Sistema Nervoso Central “desenvolvido”, está justamente no polo oposto, repleto de potencialidades de vida. Aquele está extinguindo suas funções vitais, este, por outro lado, as está iniciando.

Fazendo uma analogia econômica dessa primeira analogia porca entre aquele que morre e aquele que acaba de nascer, poderíamos dizer que tanto uma empresa decadente que logrou grande sucesso no passado e  que está fechando suas portas por ter declarado falência e não ter mais dinheiro para pagar suas contas, quanto outra empresa, que tem em caixa uma quantidade de dinheiro semelhante àquela primeira, mas que acaba de ser criada e está em processo de expansão, sem dívidas, têm o mesmo statuseconômico. Não faz o menor sentido.

O que nos mostra a ciência de boa qualidade e a filosofia é que o embrião e o feto são seres humanos extremamente complexos e repletos de potencial de vida. Qualquer outra coisa é mera especulação fantasiosa ou negação histérica da realidade.

Hélio Angotti Neto

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Hélio Angotti Neto é médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo com Residência Médica em Oftalmologia e Doutorado em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atua como Professor e Coordenador do Curso de Medicina do Centro Universitário do Espírito Santo. É Presidente do Capítulo de História da Medicina da Sociedade Brasileira de Clínica Médica (Triênio 2017-2020), membro do Conselho Brasileiro de Oftalmologia e Delegado do Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo em Colatina (2018-2023). Foi Global Scholar do Center for Bioethics and Human Dignityda Trinity International Universityem 2016 (Illinois, USA) e é Diretor Editorial da Mirabilia Medicinae, publicação em Humanidades Médicas sediada no Institut d’Estudis Medievalsda Universidad Autónoma de Barcelona. Publicou os livros: A Morte da Medicina; A Tradição da Medicina; Disbioética Volume 1: Reflexões acerca de uma estranha ética; Disbioética Volume 2: Novas Reflexões Sobre uma Ética Estranha; Disbioética Volume 3: O Extermínio do Amanhã; Arte Médica: De Hipócrates a Cristo; além de diversos capítulos de livros e artigos em Oftalmologia, Bioética, Política e Humanidades Médicas. Criador e Coordenador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina. É Presbítero da 3ª Igreja Presbiteriana de Colatina. Casado com Joana e pai de Arthur, Heitor e André.



[1]KACZOR, Christopher. A Ética do Aborto. Direitos das Mulheres, Vida Humana e a Questão da Justiça. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 26.
[2]Vídeo disponível com tradução para o Português em: https://www.youtube.com/watch?v=NbXC30Zea18&-feature=youtu.be
[3]ANGOTTI NETO, Hélio. Disbioética. Volume III: O Extermínio do Amanhã. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018, p. 107-112.
[4]Ibid., p. 49-53.