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quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Desmontando falácias abortistas - Parte 2: Caça ao Embrião

Desmontando falácias abortistas - Parte 2: Caça ao Embrião



Mentirinha: “Essa valorização do feto humano é um exagero. Chegamos ao absurdo de impedir a realização de grandes descobertas científicas que poderiam curar os mais terríveis males que assolam a humanidade por causa de uma preocupação sem sentido com embriões que poderiam ser utilizados para pesquisas com células-tronco embrionárias.”

Talvez uma das mais impressionantes formas de defender o extermínio humano por meio do aborto seja justamente colocá-lo ao lado do progresso científico que arroga para si o papel de redentor da humanidade acometida por terríveis males. Para os abortistas, o aborto se transforma em uma necessidade para que haja mais pesquisas “redentoras”.

É um apelo muito mais emocional do que racional a uma solução parcial para uma das coisas mais assustadoras na vida humana: o sentimento de finitude, muitas vezes acompanhado pelo medo do desconhecido e do sofrimento que a morte traz. Com o intuito de combater a morte, eis que surge novamente a nossa campeã, a maravilhosa ciência, parteira de tantos milagres humanos, e agora também utilizadora de embriões.

No passado não tão distante, esperava-se que, com a conclusão do Projeto Genoma, o ser humano pudesse ser reprogramado e a caixa de Pandora fosse escancarada para que cientistas alcançassem todos os mais loucos sonhos. Isso não se realizou. Descobrimos muitas outras caixas de Pandora como a epigenética, que mistura os hábitos e a cultura humana no caldo genético e a proteômica.[1]

Embarcando na marola que sobrou da onda de esperanças destroçadas, onda esta advinda da ambição pelo domínio do destino humano por meio da genética, ainda surgem aqueles que sonham com a manipulação do ser humano por meio da terapia com células-tronco.

Eis que lá vêm os abortistas em busca da mais nova desculpa para seus lucrativos abortos: utilizar as células-tronco embrionárias, muito mais poderosas do que as células-tronco adultas, para promover soluções ainda mais espetaculares.

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal, em seu ativismo, legislou sobre a matéria, anunciando a legalidade de se pesquisar com embriões humanos, para o desgosto dos defensores da vida. Também não agradaram por completo os próprios abortistas, já que há clara orientação para não se produzir novos embriões destinados à pesquisa.

Isso tudo apesar de não haver evidências de que células-tronco embrionárias de fato possuam grandes vantagens sobre o uso de células-tronco adultas.[2]E ainda há relatos de que as células-tronco embrionárias sejam de difícil controle, já que podem causar câncer em seus receptores, dado o altíssimo potencial que encerram.[3]Por outro lado, há um grande investimento em uma nova técnica que permite a transformação de células adultas em células-tronco, são as Células-Tronco Humanas Pluripotentes Induzidas, repletas de possibilidades e com menores entraves morais.[4]Esta última técnica, que nos pouparia de grandes dúvidas acerca da moralidade em se destruir embriões humanos para pesquisar, surge em um contexto no qual a pesquisa em embriões não foi estimulada. A criatividade humana encontrou um caminho mais ético, enfim, recusando o atalho oferecido por incautos pesquisadores.

Surgem também nos dias de hoje as acusações feitas pelos abortistas de que os defensores da vida humana são retrógrados, inimigos da boa ciência que salva milhões de vidas, saudosos de uma vida medieval – como se medieval fosse algum tipo de xingamento horrendo.

Em periódicos de altíssima circulação, esfregam na cara dos defensores da vida humana que hoje milhões de pessoas de todas as idades se beneficiam das vacinas. Segundo os abortistas, é preciso ser coerente e honrar o fato de que grande parte dessas vacinas foram produzidas com a ajuda de células fetais obtidas em abortos. O que esses iluminados escritores de editoriais de revistas cientificas famosas não falam é que se pode recorrer a células fetais de abortos espontâneos e que não há compromisso ético algum em permanecer fazendo algo questionável moralmente só porque se obteve algo de positivo de uma prática antiética realizada no passado. De forma análoga, pode-se perceber o grau de estupidez dessa linha de raciocínio ao se propor o absurdo de prosseguir com as práticas nazistas de experimentos monstruosos em seres humanos só porque, no passado, de forma criminosa, algum nazista hipoteticamente descobriu algo que nos beneficiaria no presente. Não faz o menor sentido.[5]

Aliás, já que falamos em analogias e raciocínios estúpidos, cabe lembrar outro exemplo vergonhoso da argumentação abortista: o argumento do terrível prédio em chamas (ou seria o terrível argumento do prédio em chamas?).

Alguns abortistas utilizariam a seguinte situação hipotética: imagine que você está em um prédio, em meio a um terrível incêndio. Você tem a chance de salvar uma menina de cinco anos ou doze embriões congelados. Você ousaria salvar os embriões?

Michael Sandel, que propôs essa situação, utiliza isso contra a ideia de equivalência moral entre embriões e pessoas já paridas em seu livro Contra a Perfeição. Seu argumento é de que, como as pessoas de regra salvariam a menina, conclui-se que as pessoas de fato não acreditam que embriões são seres humanos.[6]Eis um verdadeiro exemplo de non sequitur.

A resposta é dada por Yuval Levin, que argumenta contra a conclusão de que embriões deveriam ser apenas material bruto para pesquisas. 

Ele reproduz a analogia da seguinte forma: imagine que você está em um prédio em chamas com sua esposa e um estranho. Se tiver que escolher, obviamente escolherá sua esposa para salvar em detrimento do estranho (ou, pelo menos, espera-se que a escolha). Ninguém poderia culpar o homem que salvou a sua esposa e não a um estranho. Disso não se concluiria de forma alguma que o estranho, que não foi salvo, era apenas material bruto para queimar ou destruir. Tampouco se concluiria que poderíamos sair por aí pegando estranhos para arrancar-lhe os órgãos para pesquisa, certo?[7]

Segundo Levin,

O problema, em outras palavras, está na aplicação da lógica de um prédio em chamas – a lógica da triagem e da emergência – para a vida cotidiana. Nosso mundo não é um prédio em chamas. Argumentar a favor disso, como foi sugerido no caso de pesquisas médicas moralmente controversas, seria negar a legitimidade de praticamente todos os limites éticos e morais sobre a ação, se tal ação fosse direcionada à resolução de uma emergência. E se nossa natureza humana ou condição mortal em si é a emergência, logo qualquer ação – qualquer meio – seria moralmente permissível para estender nossas vidas.[8]

Falando de embriões e de pesquisas antiéticas, o anúncio recente de que cientistas chineses comemoram a criação de dois bebês humanos editados geneticamente pela técnica CRISPR para que sejam imunes ao vírus do HIV desperta preocupação até mesmo em grandes entusiastas dos grandes avanços tecnológicos e do Transumanismo, como Julian Savulescu, que afirma com correção que 

Se for verdade, esta experiência é monstruosa. Os embriões eram saudáveis, sem doenças conhecidas. A edição genética em si é experimental e ainda está associada a mutações indesejadas, capazes de causar problemas genéticos em etapas iniciais e posteriores da vida, inclusive o desenvolvimento de câncer. (...) Esta experiência expõe crianças normais e saudáveis aos riscos da edição genética em troca de nenhum benefício necessário real. (...) contradiz décadas de consenso ético e diretrizes sobre a proteção dos participantes humanos em testes de pesquisa. [Os bebês resultantes dos testes de He, pesquisador chinês formado nos EUA] estão sendo usados como cobaias genéticas. Isso é uma roleta russa genética.[9]


O que se vê, na linha de argumentação abortista em prol do pretenso avanço da ciência, é o risco real e imediato de uma profunda desumanização do homem, instrumentalizando-o em prol de um avanço científico de forma irresponsável e, portanto, antiética. Em troca da imoralidade, oferecem-nos maravilhosas expectativas.

Desde quando se justifica praticar um ato com altíssimo risco de ser antiético em prol de um hipotético avanço do conhecimento humano? Pois a dúvida moral em si mesma, como obrigatoriamente acontece no caso de um ato irreversível como a edição genética ou um aborto, já aponta imediatamente a sua falha ética. 

Por fim, usar embriões humanos em pesquisas é a instrumentalização irreversível e antiética de alguns seres humanos em prol de outros, é a desvalorização da vida humana ao afirmar que ela nada ou pouco tem de especial, é dar a cara a tapa para a velha crítica posta por George Orwell em seu romance A Revolução dos Bichos: Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros...[10]




Hélio Angotti Neto é médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo com Residência Médica em Oftalmologia e Doutorado em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Atua como Professor e Coordenador do Curso de Medicina do Centro Universitário do Espírito Santo. É Presidente do Capítulo de História da Medicina da Sociedade Brasileira de Clínica Médica (Triênio 2017-2020), membro do Conselho Brasileiro de Oftalmologia e Delegado do Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo em Colatina (2018-2023). Foi Global Scholar do Center for Bioethics and Human Dignityda Trinity International Universityem 2016 (Illinois, USA) e é Diretor Editorial da Mirabilia Medicinae, publicação em Humanidades Médicas sediada no Institut d’Estudis Medievalsda Universidad Autónoma de Barcelona. Publicou os livros: A Morte da Medicina; A Tradição da Medicina; Disbioética Volume 1: Reflexões acerca de uma estranha ética; Disbioética Volume 2: Novas Reflexões Sobre uma Ética Estranha; Disbioética Volume 3: O Extermínio do Amanhã; Arte Médica: De Hipócrates a Cristo; além de diversos capítulos de livros e artigos em Oftalmologia, Bioética, Política e Humanidades Médicas. Criador e Coordenador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina. É Presbítero da 3ª Igreja Presbiteriana de Colatina. Casado com Joana e pai de Arthur, Heitor e André.


[1]FANU, James Le. The Rise and Fall of Modern Medicine. New York: Basic Books, 2012.
[2]PEREIRA, Lygia da Veiga. Células-Tronco. Promessas e Realidades. São Paulo: Moderna, 2013.
[3]AMARIGLIO, Ninette; et al. ‘Donor-Derived Brain Tumor Following Neural Stem Cell Transplantation in an Ataxia Telangiectasia Patient’. InPLoS Medicine, 6(2), 2009.
[4]LEVIN, Yuval. ‘What Happened to Bioethics’. InThe New Atlantis. A Journal of Technology and Society, vol. 56, 2018, p. 92-98.
[5]Recomendo a leitura de meu artigo “Tudo é bom motivo para matar um bebezinho”, publicado em: ANGOTTI NETO, Hélio. Disbioética Volume II: Novas reflexões sobre os rumos de uma ética estranha. Brasília, DF: Monergismo, 2018.
[6]SANDEL, Michael J. Contra a Perfeição. Ética na era da engenharia genética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
[7]LEVIN,op. cit., p. 93-94.
[8]Ibid., p. 94.
[9]LYI, Macarena Vidal. Cientistas chineses dizem ter criado os primeiros bebês geneticamente modificados. Os bebês, duas gêmeas, agora têm uma modificação que supostamente as protege contra o vírus da AIDS, segundo o geneticista He Jiankui. In:El PaísInternethttps://brasil.elpais.com/brasil/2018/11/26/ciencia/1543224768_174686.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM&fbclid=IwAR3DrSoMs3k7l-JcWbIcKzL5Ci2ozAne5BJgnI_uSZFiVgLo7LF7obAq50s
[10]ORWELL, George. A Revolução dos Bichos. Um conto de fadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.