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sexta-feira, 15 de junho de 2018
O DESAFIO PARA A CARIDADE MÉDICA
Today many Christian physicians, nurse, administrators, and hospitals justify their compromising the virtue of Charity on grounds of exigency and survival. They thus give proof to the mordant observation of Machiavelli that a "man who wishes to act entirely up to his professions of virtue soon meets with what destroys him among so much that is evil". But is not the challenge of Christian ethics to do precisely what Machiavelli thought impossible?
Hoje, muitos médicos, enfermeiros, administradores e hospitais cristãos justificam o comprometimento da virtude da caridade por motivos de exigência e sobrevivência. Dão, assim, prova à mordaz observação de Maquiavel que "um homem que deseja agir inteiramente de acordo com suas profissões de virtude logo encontra o que o destrói entre tantas coisas que são más". Mas o desafio da ética cristã não é exatamente o que Maquiavel considerava impossível?
PELLEGRINO, Edmund D. The Philosophy of Medicine Reborn. A Pellegrino Reader.
quarta-feira, 16 de maio de 2018
AINDA O PATERNALISMO HIPOCRÁTICO
Canso de escutar pessoas que nunca leram a obra hipocrática ou livros de seus contemporâneos falando sobre o terrível paternalismo hipocrático e a maravilhosa valorização da autonomia do paciente que se observa nos dias iluminados de nossa época contemporânea.
Deixo um breve trecho para reflexão:
"Mas o médico nascido livre se ocupa principalmente em visitar e tratar das enfermidades das pessoas livres e o faz investigando-as desde o começo e conforme o curso natural; conversa com o próprio paciente e com seus amigos, podendo assim tanto obter conhecimento a partir daqueles que padece da doença [e seus amigos] como transmitir a estes as devidas impressões na medida do possível. Ademais, ele não prescreve nada ao paciente enquanto não conquistar o consentimento deste, para só quando consegui-lo então, mantendo a docilidade do paciente por meio da persuasão, realmente tentar completar a tarefa de devolver-lhe a saúde."
PLATÃO. As Leis incluindo Epinomis. Baurú, SP: EDIPRO, 1999, Livro IV, p. 195.
quarta-feira, 11 de abril de 2018
A ARTE MÉDICA - LANÇAMENTO
Prefácio do Livro ARTE MÉDICA
Refletir sobre o comportamento social, a vida em comunidade e as relações humanas nos leva por necessidade a lidar com conceitos como moral e ética. Tão semelhantes à primeira vista, são na verdade de todo distintos quando colocados à luz da filosofia.
Ética é palavra originária do grego ethos. Sua etimologia significa refúgio, morada, habitat. Segundo os filósofos, refere-se à índole, ao caráter; são os valores mais nobres conquistados com o aprendizado, adquiridos com a sabedoria.
A ética se porta muitas vezes como questionadora da moral, da justeza de regras impostas. A reflexão ética é essencial nesse campo, pois a moral nada mais é que o conjunto de costumes, regras, tabus e convenções estabelecidos pelas sociedades, passível de caducar de tempos em tempos.
Ao longo da história, por incompreensão das diferenças e também das similaridades entre esses dois conceitos, estabeleceu-se um abismo entre a ciência e a religiosidade. Construiu-se a falsa ideia de incompatibilidade, quando são complementares.
Hoje, mais que nunca, ética e moral devem caminhar juntas quando se menciona o humanismo na medicina: é mister valorizar a totalidade do indivíduo e não especificamente a doença que o acomete.
Cada vez mais se faz essencial enxergar o ser humano de maneira holística e integrada, e considerar o paciente em seu papel na sociedade, dificuldades, crenças, medos e fraquezas, tão fundamentais para a compreensão do processo do adoecimento.
Parece que, aos poucos, os profissionais de medicina e pacientes estão repensando esses conceitos. Constatam que nada substitui o tratamento humanizado, nada é mais importante que o médico que tem nome e rosto e que conhece o nome e o rosto do paciente.
É tempo de recuperar nossas raízes sem, é claro, abrir mão de toda a modernidade a que temos direito. O resgate da humanização deve pautar sempre a prática da medicina, com o principal objetivo de oferecer assistência digna e de qualidade à população.
Nunca em nossa literatura houve uma obra que ousasse tratar com profundidade do tema e mostrar os vieses e intersecções entre a medicina e a religião. Dr. Hélio Angotti Neto, conhecedor profundo do assunto, traz à luz a discussão de maneira didática e fundamentada, utilizando-se de um linguajar acessível a todos os públicos.
O livro que ora se apresenta deveria ser obra de cabeceira de médicos, professores, estudantes de medicina, e de todos os que lidam com seres humanos, para que possam refletir sobre o papel da tecnologia em sua vida e, em sentido fundamental, a respeito da importância da postura humanizada na prática diária da medicina nos princípios da religiosidade, ética e moral.
Parabéns ao dr. Hélio Angotti Neto pela grande contribuição que traz à medicina em um momento histórico tão peculiar, quando se luta para resgatar valores.
— Dr. Antônio Carlos Lopes
Diretor da Sociedade Brasileira de Clínica Médica
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quinta-feira, 15 de junho de 2017
HUMANISMO E CONSERVAÇÃO
Humanismo e Conservação
Serão as Humanidades Médicas um empreendimento conservador?
Antes
de tentar responder, é preciso refletir sobre os termos e conceitos a serem
utilizados. Tal passo deveria ser básico para qualquer um que queira abrir a
boca para opinar, algo a ser feito preferencialmente após longos estudos e muita reflexão.
A expressão humanismo
é utilizada no sentido de práticas humanas de engajamento na sociedade por meio
da cultura de alta qualidade. Daí se entende que existe uma cultura de alta
qualidade, denominada Alta Cultura, e uma cultura de baixa qualidade, hoje
chamada indiscriminadamente de cultura, sendo que provavelmente jamais seria
chamada de cultura em outros tempos.
O elemento gerador dessa Alta Cultura nas
grandes civilizações, sem dúvida nenhuma, é a religião. Logo, falar de
humanismo não significa falar de empreendimento humanístico secularizado, mas
de empreendimento humanístico de caráter geral, incluindo a perspectiva
religiosa, originadora dos grandes símbolos que alimentam as artes em geral.
Também
é preciso entender o significado das palavras “Conservação”, “Conservador” e
“Conservadorismo”. Talvez seja mais fácil compreender esses termos falando primeiro sobre
aquilo que o conservadorismo não é.
Conservar
não é nutrir um sentimento de apreço ufanista pelo passado distante, denegrindo
tudo o que hoje existe. O nome disso é saudosismo utópico. O conservador
entende que no passado existiram coisas terríveis, e que muito do que hoje
temos é fantástico, belo e bom. Ignorar as conquistas do presente é
inaceitável.
Conservar
também não é nutrir um sentimento de que no futuro teremos um destino perfeito
e paradisíaco aqui nesta terra, no qual todo o mal será exterminado pelo
esforço humano. O nome disso é progressismo utópico. O conservadorismo tampouco é o
inverso do progressismo, este papel cabe ao saudosismo utópico.
Conservar
não é a oposição sistemática à mudança. O nome disso é reacionarismo, uma forma
de estacionar no tempo e evitar progressos ou retrocessos. O Conservador
entende que retroceder e avançar fazem parte da vida.
Conservar
não é uma ideologia, é uma forma de sentimento, de apreço pelo que deu certo e
pelo que é seguro, sem trancar-se à realidade sempre mutável e, ao mesmo tempo,
imutável em certos aspectos.
As
Humanidades Médicas são conservadoras no sentido de que buscam recuperar e
utilizar o que há de melhor no legado cultural da humanidade sem abrir mão dos
aprimoramentos de cada dia. O antigo homem, de milênios anteriores, ainda é em
termos humanísticos o homem de hoje. Possui sentimentos e experiências semelhantes em
moldes novos. E o profissional da saúde deve compreender a essência humana se
deseja ajudar ao próximo.
Apreender
o passado é compreender o próximo de outras eras e de outras culturas, é
humanizar-se.
Embora
muitos liguem o projeto de humanização com base no legado cultural clássico com
a idéia de intolerância ou reacionarismo, devo alertar que essa é uma mentira
deslavada, pura difamação dos incompetentes e ignorantes que prefeririam morrer
a ter que ler mais de vinte livros num ano (o recomendável é mais de cinquenta
livros para quem deseja estudar as Humanidades Médicas).
Outros
dirão que esse projeto de Humanidades Médicas ligadas ao legado da Alta Cultura
pertence ao estudioso da torre de marfim, que se tranca longe do público em
meio a seus livros. Outra mentira sem vergonha. Aos livros soma-se a
experiência com o próximo. Todo profissional “humanizado” é um comunicador, um
ouvinte atento de histórias da vida alheia, um entusiasta apaixonado pela
experiência chamada de vida humana.
Com
base nesses conceitos, afirmo que não existem Humanidades Médicas sem o empenho
conservador corretamente compreendido. Pena que, no Brasil e em boa parte do
mundo, a “novafala orwelliana” tenha transformado o termo conservador em tudo
aquilo que ele realmente não é.
O
paciente idoso, sentindo-se incapaz e sofrido com a aproximação da morte,
ganhará muito mais de um profissional experiente que tenha lido Rei Lear de
Sheakespeare, O Velho e o Mar de Hemingway, A Morte de Ivan Illitch de Tolstói e
A Montanha Mágica de Thomas Mann do que ganharia com um ouvinte de funk carioca
e leitor assíduo de quadrinhos da Marvel. Nada contra os ícones da cultura pop,
mas nem tudo é uma simples questão de gosto, é uma questão de qualidade real e
aplicabilidade.
Literatura e Imaginação Empática
A
imaginação permite olhar para o paciente que veio em busca de auxílio e
enxergar o mundo através de seus olhos. O médico se coloca no lugar do paciente
e, de repente, está com câncer, será pai, encontra-se curado de uma doença
grave ou apresenta um transtorno psiquiátrico. A imaginação é, de fato, um
prodígio. Ela ergue pontes entre diferentes pessoas. Une mundos e enriquece
vidas.
O
médico, o enfermeiro ou o assistente social são capazes, por meio da
experiência, do diálogo e da imaginação, de entrar no mundo alheio e
compreender valores e perspectivas diferentes da sua. Como alguém ousa debater
Bioética e Humanidades Médicas sem ter uma boa experiência de vida e uma larga
intimidade com a cultura?
O
crítico literário canadense, Northrop Frye, oferece em sua coletânea de ensaios
preciosas observações sobre como a literatura enriquece nossa imaginação e
promove a participação positiva e qualificada na sociedade.
Uma das utilidades mais óbvias (de se estudar o mundo da
imaginação), penso eu, é o incentivo à tolerância: na imaginação as nossas
próprias crenças são simples possibilidades, e ainda enxergamos as crenças das
possibilidades alheias. Fanáticos e preconceituosos raramente tentam tirar
algum proveito da arte – estão obcecados demais por suas crenças e ações para
enxergá-las como talvez simples possibilidades.
O que produz a tolerância é o poder do distanciamento
imaginativo, que nos permite tirar as coisas do alcance da ação e da crença. [1]
O
médico que mergulha nas Humanidades vê muitas vidas nas páginas dos livros, nos
lares e nos leitos das enfermarias hospitalares. Atende a um rico burguês ou a
um presidiário escoltado com dedicação e excelência. Sabe que está lá para
servir, não para julgar. Consegue imaginar-se na pele de um santo ou de um
pecador, pois sabe que guarda elementos de ambos em sua alma, nutrida pela vida
e pela Alta Cultura.
As construções da imaginação contam-nos coisas sobre a vida
humana que não poderíamos saber de nenhum outro jeito.[2]
Hoje,
no Brasil, as cadeiras relacionadas às humanidades parecem remar contra a maré milenar da Alta Cultura,
censurando opiniões divergentes, apelando para o autoritarismo acadêmico e para
a espiral do silêncio, proibindo certos nomes e obras, transformando o discurso
erudito numa monótona cacofonia de poucos tons. Pessoas são divididas em
classes ou grupos abstratos enquanto suas identidades, sua individualidade, são
desacreditadas por sociólogos do Gulag.
Nos
consultórios, postos de saúde e hospitais estão pacientes sofridos, ameaçados
em sua integridade, gritando por socorro àqueles que verão um indivíduo, jamais um
número numa pauta ou um objeto numa casuística. Pessoas sofridas não querem
ser, de regra, burgueses, proletários ou revolucionários, eles querem ser a
Dona Maria, o Seu João ou o Arthurzinho.
Como
compreender uma individualidade sem imergir em incontáveis individualidades,
pensamentos e emoções? Tais experiências são providas pela boa formação
humanística, incluindo a boa literatura.
E,
tantas vezes, fica a comunicação impedida ou restrita, pois a carência cultural
omite significados, emudece sofrimentos. O médico precisa compensar a
dificuldade de comunicação de seu paciente por meio do próprio crescimento
cultural e imaginativo.
Ninguém é capaz de manifestar liberdade de expressão a menos
que saiba usar a linguagem, e este conhecimento não é uma dádiva: precisa ser
aprendido e trabalhado.
Não se pode cultivar o discurso para além de certo ponto a
menos que se tenha algo a dizer, e o fundamento do que temos a dizer é a nossa
visão da sociedade.[3]
A
propaganda enganosa que tenta convencer o jovem de que liberdade é abandonar a
“cultura ocidental” nada mais é do que oferecer as correntes espirituais que
subjugarão a juventude, a imaginação e a verdadeira liberdade de seus corações.
As Humanidades Médicas bem aplicadas oferecerão os recursos culturais mais
elaborados de todas as eras com o intuito de permitir a livre e qualificada
ação da imaginação.
Mas a
tentação de ceder ao discurso mesmerizante dos ideólogos é grande.
Há em todos nós algo que quer se deixar levar ao encontro de
uma turba, onde podemos todos dizer a mesma coisa sem precisar pensar no
assunto, porque ali somos todos iguais, exceto aqueles que podemos odiar ou
perseguir. A cada vez que usamos as palavras, estamos enfrentando essa
tendência ou cedendo a ela. Ao enfrentá-la, tomamos partido da genuína e
permanente civilização humana.[4]
A
verdadeira liberdade das Humanidades Médicas é poder falar como um pobre
nordestino do agreste, Fabiano em Vidas Secas de Graciliano Ramos, ou como
Mário, médico de A Mulher que Fugiu de Sodoma de José Geraldo Vieira. É poder
ser irônico e sutil como Machado de Assis, divertido e culto como Monteiro
Lobato ou hiperbólico e veemente como Nelson Rodrigues.
Só
quem busca e mergulha na alta cultura pode realmente pensar com qualidade e
compreender o próximo com a verdadeira empatia compassiva, tão necessária para
a medicina e para a convivência em sociedade, hoje e sempre.
E como
buscar a Alta Cultura sem recorrer aos blocos fundamentais, já prescritos há
eras? O próprio William Osler já recomendava a mesma leitura aos seus alunos de
medicina, assim como recomenda também Northrop Frye:
Se não conhecemos a Bíblia e as histórias centrais da literatura
grega e romana, por mais que leiamos livros e frequentemos o teatro, o nosso
conhecimento da literatura não cresce, assim como não cresce o nosso
conhecimento da matemática se não aprendemos a tabuada da multiplicação.
Esbarramos aqui num problema educacional – o que se deve ler e quando.[5]
O Aspecto Conservador das Humanidades Médicas
Utilizarei
alguns trechos do conservador Roger Scruton para tratar do aspecto conservador
das Humanidades Médicas.
Na
natureza tudo tende ao caos, à desorganização. Contudo, há a possibilidade de
inserir um elemento regenerador na realidade.
A entropia está sempre crescendo e qualquer organismo,
qualquer sistema ou qualquer ordem espontânea irá no longo prazo sofrer a
dissolução. No entanto, mesmo se isso for verdade, tal fato não torna o
conservadorismo fútil como prática política, assim como não se torna fútil a
medicina simplesmente porque no longo prazo todos morreremos, como Keynes
sabidamente colocava a questão. Ao invés disso, devemos reconhecer o conciso
resumo da filosofia de Lorde Salisbury e aceitarmos que “procrastinar é viver”.
O conservadorismo é a política da procrastinação, cujo propósito é manter a
existência, por tanto tempo quanto seja possível, da vida e da saúde de um
organismo social.
Além do mais, a termodinâmica também nos ensina que a
entropia pode indefinidamente ser resistida no nível local, injetando nova
energia e excluindo a dissolução (o caos).
Enquanto o socialismo e o liberalismo são inerentemente
globais em seus objetivos, o conservadorismo é essencialmente local: uma defesa
de um capital social recôndito contra as forças da mudança anárquica.[6]
Fala-se
muito em multiculturalismo no ambiente das humanidades e jovens estudantes são
treinados dia após dia a exercerem uma crítica destrutiva contra a civilização
ocidental e a cultura da própria sociedade como se isso fosse sinal de grande inteligência e capacidade de
independência. Como papagaios, destinam as mesmas críticas a autores que nunca
foram lidos ou a textos que mal foram compreendidos. É como se todos fossem
pequenos Nietzsches com analfabetismo
funcional.
Como
entender a perspectiva do próximo se alguém não é capaz de entender nem mesmo a
civilização em que vive? Se alguém não entende sua comunidade e seu passado, como
deseja entender o paciente à sua frente? Como ambiciona entender seus
antecedentes, sua biografia? Ou até mesmo o próprio passado?
Essa
reconstrução cordial do passado e da cultura é elemento essencial ao esforço de
humanização não só em saúde, mas em todas as áreas da sociedade.
Criticar a própria sociedade com bons olhos somente para o que vem de fora é como
comparar um Shopping ocidental com uma belíssima mesquita oriental. Por que não
comparar o elemento religioso da cultura oriental com uma majestosa catedral
gótica em sua plena glória?
Sobre
a postura diante do próximo, a tradição conservadora também tem muito a
oferecer em termos de cordialidade e compreensão.
O entendimento conservador da ação política é formulado, portanto,
como uma regra em termos de confiança ao invés de empreendimento, de
conversação ao invés de comando, de amizade ao invés de solidariedade.[7]
Nesse contexto,
como não visualizar uma relação médico-paciente saudável?
Também
é típica do conservador uma atitude cautelosa diante da realidade e do
inesperado, tão bem demonstrada pelo pensador Hans Jonas em sua obra Princípio
Responsabilidade. Há que se temer a capacidade humana diante de certas
perspectivas e utilizar de prudência ao avançar.[8]
Um
grande avanço social hoje apregoado, se avanço for tomado por modificação
somente, é a tentativa de liberar a eutanásia e o abortamento voluntário.
É
claro que tais práticas são antiquíssimas, e poder-se-ia muito bem acusá-las de
retrógradas ao invés de alardear sua pretensa vanguarda.
Quando
o assunto é bioética, modificações no cuidado com a saúde podem anteceder ou
sinalizar grandes mutações civilizacionais, como alerta o
conservador Sir Roger:
Abolir a lei contra eutanásia poderá trazer benefícios
àqueles que sofrem com doenças dolorosas e incuráveis, assim como poderá trazer
benefícios aos que cuidam desses pacientes. Mas também irá mudar nossa
percepção coletiva acerca da morte. Isso irá diminuir o espanto com o qual é
visto o extermínio deliberado do ser humano; irá instilar um hábito calculista
onde antes somente os absolutos guiavam nossas condutas; e, de forma geral,
isso fará com que seja mais fácil lidar com a morte e que também seja mais
fácil providenciá-la.[9]
Ter
essa cautela acerca das possíveis mutações de grande porte na cultura de nossa
civilização e ter a imaginação necessária para compreender onde isso pode nos
levar é algo oferecido pelas Humanidades Médicas.
Excelente
literatura está disponível para nos alertar, ou fazer-nos sonhar, a respeito
das incríveis possibilidades do ser humano. Do Admirável Mundo Novo de Huxley
ao terrível 1984 de Orwell, a riqueza imaginativa ofertada parece inesgotável.
Assim
como a eutanásia, muita coisa do que nossa civilização representará depende das
escolhas feitas sobre como valorizamos a vida de nossos filhos atuais ou
futuros.
Logo, quando as pessoas pressionam para que haja uma reforma
na lei concernente ao aborto, de forma a legalizar o abortamento nas três
primeiras semanas da gravidez, nenhuma tentativa para alcançar um entendimento
consensual acerca de nossos deveres em relação às crianças nos úteros foi
feita; nenhuma tentativa foi realizada para verificar qual o impacto da
legalização do abortamento durante os três primeiros meses sobre nossas
atitudes concernentes a abortamentos posteriores na gravidez; nenhuma tentativa
foi feita de verificar as mudanças de longo prazo nas atitudes das pessoas em
relação às crianças, atitudes essas induzidas pela prática de livrar-se das
mesmas crianças de forma tão fácil antes mesmo de ter a chance de olhá-las nos
olhos. Todas as questões profundas, difíceis e importantes foram deixadas de
lado.[10]
A
falta da consciência dessas delicadas questões pode culminar num dos problemas
mais graves para os atuais cuidados médicos: a falta de respeito e valorização
em relação ao ser humano.
Para
respeitar verdadeiramente, é preciso compreender com compaixão. Para
compreender, é necessária imaginação. Para imaginar, é preciso ter experiência
de vida e cultura de altíssima qualidade. Para ganhar essa cultura, um dos
requisitos primários é o diálogo entre gerações distantes, é a compreensão do
passado e de nossa biografia, de muitas biografias.
A crença essencial ao conservadorismo moderno é a crença no
contrato Burkeano entre os vivos, os mortos e os ainda não nascidos. E, como
Burke afirma, somente aqueles que podem ouvir os mortos são capazes de proteger
os não nascidos. A teoria complexa de tradição de Eliot fornece sentido e forma
a essa idéia. Pois ele deixa claro que o mais importante legado que as futuras
gerações podem herdar de nós é o cultural. A cultura é o depositário de uma
experiência que é ao mesmo tempo local e que permeia todos os locais, presente
e atemporal, é a experiência de uma comunidade santificada pelo tempo. Só passaremos
isso adiante se nós também herdarmos essa cultura. Para isso, deveremos escutar
as vozes dos mortos e apreender seu sentido (...)[11]
Considerando
esses aspectos, posso afirmar que o projeto adequado de humanização da medicina
e das demais áreas da saúde precisa de uma perspectiva conservadora no melhor
sentido da expressão.
Hélio Angotti Neto, 15 de junho de 2017.
[1]
FRYE, Northrop. A Imaginação Educada.
Campinas, SP: Vide Editorial, 2017, p. 68.
[2] Ibidem.
[3] Ibidem, p. 128.
[4] Ibidem, p. 132.
[5] Ibidem, p. 61.
[6] SCRUTON, Roger. A Political Philosophy. Arguments for Conservatism. London; New
Delhi; New York; Sydney: Bloomsbury, 2006, p. ix.
[7] Confiança
está associada com Burke, Moser e Gierke; conversação com Oakeshott; amizade
com Aristóteles. Ibidem, p. 34.
[8]
JONAS, Hans. O princípio responsabilidade.
Ensaios de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Editora
PUC-Rio & Contraponto, 2011.
[9] SCRUTON, Roger. A Political Philosophy. Arguments for Conservatism. London; New
Delhi; New York; Sydney: Bloomsbury, 2006, p. 68.
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Sugestão de Leitura
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017
O ABORTO ENQUANTO TRAIÇÃO
ABORTO ENQUANTO TRAIÇÃO DA VOCAÇÃO MÉDICA
Se o governo e a elite maravilhosa querem matar fetos e bebês, que criem uma escola de carrascos e executores e deixem a profissão médica em paz. Que não corrompam os médicos.
Da obra Faith & Wellness, de Rushdoony.
"The pro-life and the pro-abortion people both have strong convictions on the question of abortion, but they are agreed on one thing. They do not trust “most doctors.” It took me a while to realize this, and it came out only accidentally and/or unconsciously from pro-abortion people, but abortion has affected their view of doctors. Such a person will go to a doctor for an abortion, but can you trust a man with your life who takes life for money? (...) Psychologically, this has taken a fearful toll on the public image of doctors."
"Abortion is murder, and it is murder of a particularly repulsive sort. Many nurses report on the horrors which are commonplace in the medical practice of abortionists. Any pro-life group can give us a vivid account of what these are. These horror stories, however, are not necessary when it comes to assessing these doctors. A doctor’s calling is healing and health. The word for salvation in the Latin is salve, “health,” and both Old and New Testaments speak of salvation as the total health and restoration of man, in all his being, into the fullness of life in the Lord."
"For a doctor to become a murderer is to turn his vocation upside down. It involves, not failure or incompetence, but a reversal of all moral order. It turns his calling into a perversion."
"It thereby alters the relationship of the patient to the doctor. That relationship, with all its privacy and privilege, is intended to be a healing one. It is a medical form of the confessional, and its purpose and goal is healing. A false confessor, whether in the church or in medical practice, is a great evil, and a menace to the life of the one who seeks healing."
"Our world today is marked by a love of death and a hatred for life, and hence its anti-Christianity, and hence abortion."
"One nurse once described abortion to me as “the biggest financial bonanza ever to hit medicine.”
domingo, 29 de janeiro de 2017
SUGESTÃO DE LEITURA: VIKTOR FRANKL
A BUSCA EXISTENCIAL DE VIKTOR FRANKL
Em seu livro “O Que Não Está Escrito Nos Meus Livros”, Viktor Frankl conta breves trechos de sua história repleta de grandes acontecimentos e conquistas. Suas memórias, ditadas ao fim de sua vida, na décima década, são breves, porém selecionadas por sua significação, trazendo eventos singelos e prosaicos ao lado de momentos aparentemente simples e desinteressantes, que revelam um ominoso sentimento de gratidão e significação diante da realidade.
Um capítulo que trata do ano anterior à deportação para um campo de concentração, narra eventos capazes de demonstrar de quem falamos.
O nazismo avançara sobre a Áustria. Todos sabiam o destino dos deportados. Todos sabiam que tudo era uma questão de tempo. Por enquanto os “úteis” ainda permaneciam prestando serviços, enquanto os “comedores inúteis” eram sistematicamente massacrados. O próprio Frankl permanecera um ano a mais sem deportação ao tratar um agente da Gestapo de sua agorafobia. Eis que o psiquiatra recebe um visto para palestrar no exterior, nos Estados Unidos. Era a chance de se salvar! Mas deixaria seus pais para trás, destinados ao extermínio. Chegando em casa, após um passeio em que meditava e pedia a Deus orientação sobre qual caminho seguir (um sinal dos céus), viu um pequeno pedaço de mármore sobre a mesa, retirado das ruínas de uma sinagoga destruída, onde se lia o começo de um mandamento: “honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os seus dias na terra”.
Frankl decidiu ficar, se casou, viu seu filho ser abortado pelas forças de ocupação, já que nenhum judeu poderia nascer a partir de certa data, e nem poderiam se casar. Essa destruição das crianças judias dentro do útero materno, incluindo seu filho, o levou a escrever a obra “The Unheard Cry for Meaning”, traduzida no Brasil pelo nome de “Um sentido para a vida: psicoterapia e humanismo”.
A história de Viktor Emil Frank é um relato de amor e busca de sentido existencial em confronto com uma época repleta de violência, irracionalismo e niilismo. É o testemunho dos males que geraram as maiores tragédias de nossa história.
sexta-feira, 25 de março de 2016
Pérolas da Medicina: Mortais - Atul Gawande
Mortais - Atul Gawande
"O problema com a medicina moderna e as instituições por ela geradas para cuidar dos doentes e dos idosos não é o fato de terem uma visão incorreta daquilo que dá sentido à vida. O problema é que praticamente não têm visão nenhuma. O foco da medicina é estreito. Os profissionais da área médica concentram-se na reparação da saúde, não no sustento da alma. Porém - e esse é o doloroso paradoxo -, decidimos que são esses os profissionais que devem definir a maneira como vivemos nossos últimos dias. Por mais de meio século, tratamos as provações da doença, do envelhecimento e da mortalidade como questões médicas. Tem sido um experimento de engenharia social, colocando nossos destinos nas mãos de pessoas valorizadas mais por suas capacidades técnicas do que por sua compreensão das necessidades humanas.
Esse experimento vem fracassando. Se a segurança e a proteção fossem tudo o que buscamos na vida, talvez pudéssemos chegar a uma conclusão diferente. Porém, como buscamos uma vida de valor e propósito, mas ainda assim somos rotineiramente privados das condições que poderiam torná-la possível, não há outra maneira de enxergar o que a sociedade moderna fez."
GAWANDE, Atul. Mortais: Nós, a Medicina e o que realmente importa no final. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2014, p. 124.
quinta-feira, 3 de março de 2016
segunda-feira, 4 de janeiro de 2016
sexta-feira, 18 de setembro de 2015
A Dimensão Espiritual na Psicologia
A Dimensão Espiritual na Psicologia
"Foi (Viktor) Frankl quem reintroduziu a dimensão espiritual do homem na psicologia, ocasionando uma revisão fundamental da concepção do homem. O espírito não busca o prazer; busca o sentido. O espírito não busca a satisfação de suas necessidades; procura no mundo tarefas e objetivos que tenham sentido. E justamente neste ponto surge o mundo exterior com suas inúmeras possibilidades de sentido e seus valores subjetivos, que precisam ser concretizados. Unicamente uma imagem do homem, que inclua a dimensão espiritual, pode transcender o mundo interior do eu, regulado homeostaticamente, e reconhecer o homem como um ser que, além de seu equilíbrio interno de necessidades, tem a motivação singular e suprema de encontrar e realizar um sentido no mundo externo; este sentido pode significar-lhe tanto que, se necessário, consagraria até sua vida a ele. Pascal, o grande filósofo, já disse: 'O homem transcende infinitamente a si mesmo'."
Assistência Logoterapêutica
Elisabeth Lukas
terça-feira, 25 de agosto de 2015
Pérolas da Medicina: Lisa Rosenbaum
"Os médicos que eu mais admiro não são caracterizados pelo quanto sabem, mas sim, por uma sofisticada intuição sobre como compartilhar melhor o que sabem. Algumas vezes eles dizem ao paciente o que fazer; algumas vezes eles oferecem uma escolha. Algumas vezes, quando discutem o tratamento, podem cobrir todos os sete princípios do consentimento informado. Outras vezes, vendo o terror e a incerteza no rosto de seus pacientes, poderão oferecer recomendações e dizer: 'Eu não sei como tudo irá acabar, mas eu prometo que estarei aqui com você todo o caminho'. "
Dra. Lisa Rosenbaum, Cardiologista
Correspondente Nacional do New England Journal of Medicine
"The Paternalism Preference - Choosing Unshared Decision Making"
Perspective, August 13, 2015. The New England Journal of Medicine
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