terça-feira, 31 de maio de 2016

Curiosidades da Medicina da Antiga Roma

Patients and Healers in the High Roman Empire - Ido Israelowich


Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2015, 191p.



Em minha estadia nas proximidades de Chicago, durante o programa global de educação em Bioética do Center for Bioethics and Human Dignity, terei a chance de ler e pesquisar em diversas fontes relacionadas à História da Medicina, às Humanidades Médicas, à Filosofia da Medicina e à Bioética.

A participação na qualidade de Visiting Scholar propiciará uma excelente oportunidade de acessar inúmeros materiais de pesquisa que dificilmente encontraria no Brasil, além de promover um saudável intercâmbio cultural com colegas de outros países.

Como parte dos meus esforços de pesquisa, tentarei divulgar algumas informações curiosas que encontrei nas obras pesquisadas. 

Hoje trago algumas informações sobre a medicina romana antiga.

A Roma Antiga sofria uma importante influência cultural da Grécia Clássica. Na medicina, não somente os termos eram derivados da língua grega, mas Roma inclusive importava médicos, estimulando sua imigração ao oferecer cidadania romana e isenção de impostos. Tal política data do governo de Júlio César e Augusto César. Inclusive, em momento de grande crise, quando escravos e diversos membros da população eram expulsos da cidade, os médicos foram autorizados a permanecer, tamanha a importância que tinham. Não é exatamente um Mais Médicos (eles não mandavam dinheiro para um ditador numa ilha distante), mas há algumas curiosas semelhanças com o tempo presente.

É claro que esses eram médicos gregos da linhagem Hipocrática, famosos na antiguidade. Eram os médicos profissionais, que atendiam os mais favorecidos. De forma geral, qualquer um poderia se intitular médico e sair a tratar quem bem entendesse, algo que só valorizava a existência dos médicos profissionais vindos da Grécia, onde tal formação estava incluída nos esforços educativos tradicionais conhecidos como παιδεία

Do médico cobrava-se principalmente dois aspectos: probitas morum et peritias artis, isto é, uma vida de retidão e a perícia na arte. Também havia benefícios em ser médico reconhecido publicamente, já que tal profissional não seria punido em caso de insucesso, um detalhe que gerou reclamação em alguns textos do passado.

Além de tratar da identidade do médico romano antigo, o livro também trata de como o paciente percebia a medicina, de questões relacionadas à fertilidade feminina, da participação do médico e dos conhecimentos hipocráticos nos esforços militares de Roma e do turismo médico.

Sobre como as pessoas lidavam com a medicina, relatos históricos mostram que pessoas buscavam a cura apelando tanto a meios clínicos hipocráticos quanto a meios religiosos ligados à fé em Asklépio. Hoje todos buscam o médico, mas na hora do aperto, muitos apelam também a Deus.

Sobre o aborto, em geral era permitido na sociedade romana, a não ser quando comprometia a produção de descendência do chefe da família, o que era visto com maus olhos. O apreço pela vida humana era uma característica específica de somente alguns grupos como os hipocráticos. Hoje quando se luta pela legalização do abortamento voluntário, briga-se na verdade por um retorno ao passado remotíssimo, quando a vida humana nem valia tanto assim para algumas culturas.

Apesar da sociedade excluir a mulher de muitos cenários, havia mulheres médicas em Roma e algumas delas, inclusive, foram homenageadas por meio de relatos e estátuas. É claro que hoje há uma proporção incrivelmente maior de mulheres no mercado e no meio profissional, algo que só tornou-se possível após os esforços cristãos de dignificação da mulher.

Sobre os famosos acampamentos de guerra e campanha dos romanos (vocês lembram dos acampamentos ao redor da aldeia dos irredutíveis gauleses de Uderzo e Goscinny?), o livro demonstra que utilizavam conhecimentos derivados da escola hipocrática para evitar o adoecimento das tropas. E na tradição hipocrática há uma ampla gama de livros dedicados a considerar a influência do ambiente no adoecer e na manutenção da saúde.

Se hoje, quando alguém muito rico adoece, busca-se hospitais de luxo como Albert Einstein em São Paulo ou até mesmo se viaja para o exterior, no passado os doentes recorriam aos famosos centros de turismo médico da Antiguidade, como os templos de Asklépio em Atenas, Cós, Pérgamo e Epidauro. Se hoje existem os médicos "de grife", no passado existiram os famosos médicos de Alexandria, Éfeso e Roma.

E há muitas outras curiosidades, mas uma coisa salta à vista: ao ler detalhes históricos antigos não há como deixar de reconhecer naqueles habitantes do passado pessoas muito mais próximas de nós do que ousaríamos pensar no começo.

Prof. Dr. Hélio Angotti Neto é Coordenador do Curso de Medicina do UNESC, Diretor daMirabilia Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas) e criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina (SEFAM). Membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC e do Center for Bioethics and Human Dignity.