segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Destruição de Memórias

Destruição de Memórias

Uma especulação, uma pergunta e uma resposta acerca da destruição de legados culturais.


Hélio: Prezado Prof. Ricardo da Costa,
Observo um fenômeno recorrente em alguns escritos de bioética: acusam insistentemente a tradição hipocrática de anacronismo, tornando-se incapazes de perceber (ou reconhecer) as intensas similaridades morais. Muitos afirmam sua completa inutilidade para a Ética Médica de nossos dias. 
Noto a incapacidade contemporânea de ter empatia com os antigos e a completa indisposição em encontrar pontos de conexão. 
Seriam esses os frutos da herança nominalista de Ockham e de uma reação exagerada ao intenso poder de tecer analogias dos medievos? Qual é seu parecer acerca da dificuldade de muitos em "conectar" com o passado? Má-fé, nominalismo exagerado, preguiça, etc?

Ricardo: Dr. Hélio Angotti Neto,
O genuíno estudo do passado, o interesse pelo passado não é algo natural. O máximo que penso pertencer à Humanidade é um desejo de conhecer a história de seus pais, de sua família. Mas isso costumeiramente se restringe aos avós, paternos ou maternos. Em outras palavras, alguém estudar a história para além de 50 anos antes da data de seu nascimento não é algo comum.

O estudo do passado que ultrapassa o âmbito de sua família, de seu estado, de seu país, de seu próprio século, é fruto do pertencimento a uma cultura, a uma tradição cultural. É algo incomum. A cada vez maior incapacidade contemporânea de estabelecer uma empatia com os antigos é, creio, consequência da cada vez maior e mais ampla crise da Educação e da disseminação de um “presentismo” que só se interessa culturalmente, no máximo, a até o início do século XX. Esse último aspecto não é gratuito, mas o resultado de uma articulada e deliberada política cultural revolucionária, dona de uma visão de mundo estreita, míope e pragmática que pretende “apagar” a História da Civilização por entender que seu ensino obstaculiza transformações quaisquer. Talvez o nominalismo de Guilherme de Ockham (1285-1347) seja, de fato, uma de suas raízes filosóficas. Mas entendo que essa forma restrita de se pensar o mundo e a vida no mundo sempre existiu. A diferença é que hoje, cada vez mais, há um projeto político explícito, repito, revolucionário, que alicerça essa destruição do passado.