terça-feira, 1 de maio de 2018

Crítica e Autocrítica da Classe Médica

CRÍTICA E AUTOCRÍTICA DA CLASSE MÉDICA


Todos sabem que sou ferrenho crítico das tentativas de legalização do aborto no Brasil, assim como sou diretamente e explicitamente contrário à instrumentalização das tentativas de humanização em saúde pela ideologia política mais rasteira e oportunista.
Acredito que nosso dever é criticar, com certeza, e deixar nossa posição bem clara, cobrando uma posição adequada do próximo.
Critiquei e ainda critico abertamente a gestão anterior do Conselho Federal de Medicina pelo posicionamento tomado a favor da legalização do aborto até a décima segunda semana e a favor de estranhos dispositivos de eutanásia infantil ao estilo do Protocolo Groningen.[1]
Estamos agora cada vez mais pertos de uma audiência pública sobre a legalização do aborto proposta pelo PSOL e pela ANIS – Instituto de Bioética.[2]Ainda tenho a esperança, talvez ingênua, de que nosso Conselho mude a trajetória que nossa representação vinha demonstrando. Vamos aguardar os fatos para concluir melhor.
Como já afirmei em outros lugares, o Conselho Federal de Medicina representa a classe médica frente ao governo e é responsável pela fiscalização da profissão. Contudo, questiono quem eles representam de fato quando defendem o aborto – ou a escolha da mulher, de acordo com o viés ideológico e o jogo de palavras adotado. Não é o povo brasileiro, que em sua maioria é claramente pró-vida; ou pelo menos ainda é pró-vida enquanto os frutos da intensa engenharia social imposta por certas elites não venham à luz do dia. Também não é a classe médica como um todo que representam, pois a maioria dos médicos ainda é contra o aborto, assim como a maioria dos obstetras ainda realiza objeção de consciência.
Vou aguardar a audiência pública e torcer para estar errado. Torcer para que a nossa geração de médicos não seja justamente aquela que jogará a herança hipocrática e cristã que sustenta nossa civilização no lixo, e pague o preço por tamanha falta de responsabilidade.
Contudo, parto agora para um outro tema em paralelo.
Quando fiz críticas ao Conselho Federal de Medicina, muitos colegas também se enfureceram com a falta de posicionamento em favor da vida humana. Posicionamento este que deve ser embasado nas evidências que existem, sem conflitos de interesse das organizações abortistas, e em uma moralidade compatível com a tradição e o propósito de nossa profissão. Porém, outros levantaram pontos que julgo merecerem melhor análise.
Muitos outros colegas lançaram diversas acusações contra o gasto dos conselheiros em diárias, que é bem alto, de fato, e nunca foi escondido de ninguém. O que poucos param para refletir é que os conselheiros de regra são colegas já bem estabelecidos, que poderiam ganhar muito mais em suas práticas privadas e que abandonam consultórios e famílias para viajar Brasil afora debatendo temas éticos e promovendo educação continuada – eu mesmo já recebi um representante do Conselho Federal de Medicina no interior do Espírito Santo e participei de diversas atividades promovidas pelo meu conselho regional também no interior. Poucos param para refletir o desgaste sofrido por eles e o quanto abrem mão de ganhar com a medicina. 
Posso ser um crítico feroz de alguns posicionamentos, mas para ser justo, preciso reconhecer o sacrifício e a dedicação de nossos colegas que participam da atividade ética da carreira médica. 
Chego ao ponto específico dessa observação: a necessidade de quem critica em fazer algo além da mera crítica negativa e destrutiva, a necessidade de fugir dos velhos moldes da crítica social frankfurtiana (feita pela New Lefte pelos membros da antiga Escola de Frankfurt) que apela para o desmonte cultural sem ser propositiva de fato.[3]
Muitos reclamam sobre os posicionamentos passados do Conselho Federal de Medicina a favor do aborto e a atual indefinição da gestão presente. Mas o que fazem a respeito? 
Eu já dedico mais de quinze anos de minha vida ao estudo das questões éticas e da filosofia da medicina para tecer algo mais construtivo e mudar, nem que seja um pouco, a cultura ao meu redor. Já sei de dois colegas que se inscreveram para participar da Audiência Pública contra a proposta de legalizar o aborto até a 12ª semana, abrindo mão da convivência familiar e da renda de seus consultórios por alguns dias preciosos para ir a Brasília. Vocês ouvirão em breve o nome deles e das instituições que chancelaram sua participação. Sei também de diversos outros espalhados pelo Brasil que se aprofundam nos estudos humanísticos da medicina, pessoas bem-sucedidas e satisfeitas com sua carreira que se sentiram obrigados a aprofundar em conhecimentos mais amplos. Os nomes deles também surgirão com o devido tempo, é inevitável.
Muitos reclamam das atividades dos Conselhos, mas nunca participaram de uma destas atividades sequer! Fui convidado a participar como Delegado de meu Conselho Regional, um serviço voluntário, e lá vou eu ajudar no que for possível. 
Muitos reclamam da educação médica e de como o Conselho Federal de Medicina deveria se posicionar melhor. Só posso dizer que fui além. Estudei sobre Educação Médica, tornei-me professor e até fui convidado a ser Coordenador de Curso, e agora participo há dois anos como avaliador do Sistema de Avaliação das Escolas Médicas (SAEME), promovido e viabilizado pelo CFM e pela Associação Brasileira de Educação Médica.
Muitos reclamam das escolas médicas que abrem em cascata, uma após a outra. Julgam que não há critério no processo de abertura. Concordo com as críticas em grande parte. Mas fiz o que julguei ser o mais correto. Inscrevi-me como avaliador do Ministério da Educação e Cultura e fui aprovado como avaliador para abertura de novos cursos (deve sair em breve no Diário Oficial da União se tudo der certo). Estudei os critérios de avaliação de curso e vou fazer o melhor para ser justo em busca de real qualidade.
Muitos reclamam da ideologização das cadeiras médicas ligadas às ciências sociais. Concordo também com a crítica de aparelhamento ideológico completamente inadequado e até mesmo danoso para os propósitos da Medicina. Criei o Seminário de Filosofa Aplicada à Medicina, promovendo pesquisa e atividades de extensão junto aos alunos, oferecendo uma possibilidade diferente de visualizar a importância das Humanidades Médicas em sua vida profissional.
E você, colega médico, o que você faz?
Quantas horas de seu consultório e do convívio familiar você cedeu para dedicar-se de fato, de corpo e alma, ao trabalho de honrar sua profissão e melhorar o que você percebe que está errado? Qual o preço que você pagou e ainda paga?
Alguns podem dizer que não são professores, que nada podem fazer para mudar o panorama educacional. Mas poderiam muito bem receber alunos em suas práticas como estagiários voluntários e ensinar pelo exemplo, que pressuponho ser muito bom. Até hoje lembro-me com carinho dos mestres informais que tive, dos plantões que acompanhei fora da escola em busca de aumentar meu aprendizado.
Você reclama da educação médica, mas já participou de quantos eventos dedicados ao assunto? 
É preciso realmente sair da inércia, do pessimismo suicida que se tranca num pequeno paraíso de segurança provisória enquanto o mundo lá fora cai em chamas. Acredito que os médicos perceberam claramente que os bárbaros chegaram e que estão rompendo as muralhas, mas ainda não entenderam que não vai haver batalha se não houver quem lute. Ainda não entenderam que não se deve lutar para criticar ou atacar algo, tampouco alguém, mas para defender algo valioso que se encontra atrás de nós, protegido e sustentado por nossos ombros.
Discorda ou concorda? Independente da sua reposta, mãos à obra.


[3]Sobre a New Left, recomendo a obra: SCRUTON, Roger. Pensadores da Nova Esquerda. Coleção Abertura Cultural. São Paulo: É Realizações, 2014; SCRUTON, Roger. Fools, Frauds and Firebrands. Thinkers of the New Left. London: Bloomsbury, 2015.