sábado, 14 de janeiro de 2017

A MEDIOCRIDADE MORAL DO HEDONISMO ABORTISTA



Um fato chamou minha atenção nestas últimas semanas: o Conselho Francês de Estado manteve a censura feita previamente a um vídeo pelo Conselho Francês de Radiodifusão.

O subversivo vídeo mostra crianças com Síndrome de Down sorrindo enquanto comunicam às mães, que descobriram que seus filhos nascerão com a trissomia do cromossomo 21 – nome científico desse problema -, que o mundo não acabou e que, apesar das dificuldades, a felicidade é possível.[1]

Apesar da solicitação de que o vídeo fosse novamente exibido na televisão francesa, feita por pessoas com Trissomia do 21 e suas famílias, o Conselho de Estado julgou que ver crianças com Down, inteligentes e sorrindo enquanto mostravam ao mundo que eram pessoas, consistia em algo profundamente ultrajante para aquelas mães que tinham legalmente exterminado seus filhos deficientes, e que as pobres matadoras da própria prole com a alteração genética não poderiam ser submetidas ao terrível sentimento de culpa potencialmente despertado pelos sorridentes e amabilíssimos jovens do vídeo, muito comovente e bem feito por sinal.[2]

Isso é um fato que salta aos olhos de quem vê. É um exemplo de uma série de eventos que se somam continuamente para compor o triste cenário da época contemporânea. Todos esses fatos apontam na direção de uma crise civilizacional.

Calma, não estou fazendo alarde e nem tecendo uma escabrosa teoria da conspiração. A pedra já foi cantada por tantos filósofos, historiadores e pensadores de estatura tão maior que a minha que nem ouso tentar algum ar de novidade. Nossa civilização está em crise, e afundamos rapidamente na lama do barbarismo, motivados pelo secularismo, pelo hedonismo, pelo relativismo e pela ação destruidora de pensadores anticristãos e antiocidentais.

Os bioeticistas iluminados que se prestam a fazer o desmonte cultural por meio da bioética – ou disbioética, como eu gosto de chamar - incutem na cabeça do povo que matar bebês e fetos é coisa boa ou, pelo menos, indiferente. Ainda mais, coisa de gente boa.

Mostre que você é legal, que você pode decidir, que você está “empoderado” (que termo ridículo!), que você manda no pedaço, ou melhor, no seu próprio corpo.

Vamos lá, exercite sua independência, sua autonomia, sua vontade de poder.

Basta expulsar um pequeno feto de dentro da barriga de sua mãe e tudo ficará bem. Basta destrinchar o corpo do feto que nem um frango na véspera do almoço de domingo e esmagar sua cabeça enquanto os miolos saem pelo canal vaginal que tudo dará certo.

Mas não fica bem e não dá certo.

Mulheres que abortam cometem suicídio, entram em depressão, aumentam o risco de infertilidade e, caso alguém acredite no que diz a religião, vão arder no inferno a não ser que um milagre aconteça em suas vidas (e às vezes acontecem sim). Aliás, antes que revoltados apareçam por todos os lados, por que alguém se revoltaria com o anúncio de almas indo para o inferno por matar inocentes já que não acreditam mesmo nessa história de céu e inferno?

Diante da engenharia social - enfiada ao custo de muita propaganda, de muitos documentários politicamente corretos, de atores e atrizes mandando abortar seus filhos - muitos se convencem de que isso pode e até deve ser feito. E fazem.

Mas há um mal objetivo em se sacrificar filhos. Há um elemento real que eu duvido que seja relativo. Destruir um ser humano inocente em seu maior momento de fragilidade – indefeso no útero materno – é de uma covardia maligna.

A consciência ataca então a mãe e, às vezes, até o pai e os demais familiares. A consciência pode atacar o próprio médico, se ainda nele subsistir alguma consciência.

E qual é a solução proposta pelos maravilhosos burocratas da moral alheia? Qual a solução imposta pela Intelligentsia progressista?

Proibamos imagens, histórias e filmes que lembrem às mães que assassinaram seres humanos, pessoas capazes um dia de felicidade, tanto de receber quanto de oferecer alegria e experiências de vida.

É o cúmulo da estupidificação humana e da destruição de nossas consciências.

Pecaste? Esquece que o fizeste. Retrocede, e peca mais!

É o evangelho caricatural, diabólico e invertido.

Impedir o arrependimento e impedir a reflexão.

Abaixo o desconforto, pois só podemos absorver o prazer.

Essa expectativa hedonista de livrar a pessoa do desconforto, mesmo que ao custo da vida alheia e da impossibilidade de ter empatia ou de imaginar o que é uma vida alheia, nos levará ao fim de nossa civilização.

Muitos já apontaram para a guerra cultural que se desenvolve por estas terras.

Benjamin Wiker, em sua magnífica obra “Darwinismo Moral: Como Nos Tornamos Hedonistas”[3], mostra que a guerra entre hedonistas e aqueles que assumem uma postura transcendental de vida é antiga, é pré-cristã.

A religião e a filosofia pareciam ter se livrado da onda hedonista e niilista, mas desde as catastróficas revoluções do século XX, ninguém mais está autorizado a ficar tranquilo achando que venceu a guerra.[4]

Mário Ferreira dos Santos, em uma de suas grandes obras, trata da invasão vertical dos bárbaros, de como os valores e a inteligência na civilização ocidental estão se desmanchando por uma destruição intencional vinda por meio da cultura, instalada dentro de cátedras, espalhadas por uma elite insensível que, assim como o sociopata, manipula a sensibilidade alheia sem sofrimento algum, sem consciência da monstruosidade que provoca.

Michel Henry fala da barbárie de nossos tempos; José Ortega y Gasset fala da massificação e do fim do sentimento de nobreza e dever; Olavo de Carvalho fala das inversões revolucionárias que embrutecem e tornam em coisas desejáveis as podridões mais cruéis; José Ingenieros fala do aspecto medíocre que tomou conta de nossas consciências, da incapacidade de o homem moderno ascender a um padrão elevado de caráter e conduta; Zygmut Baumman – para não dizer que deixei de citar a esquerda - fala do imediatismo e da falta de perenidade em nossa civilização - a liquidez - na qual tudo vale nada, e a toda hora se reconstrói após sucessivas perdas; Eugen Rosenstock-Huessy fala dos processos de crise da linguagem, nos quais os significados podem ser destruídos e uma língua artificial pode ser imposta à sociedade, impedindo a comunicação de verdades profundas e belas; Theodore Dalrymple, ou Antony Daniels, fala da destruição de tudo o que é belo, justo e bom em uma sociedade que ressalta somente seus piores aspectos, sua maior vileza; Mário Vargas Llosa fala da fútil civilização do espetáculo.

Eu poderia continuar citando dezenas, centenas de autores, de diversos espectros políticos e cosmovisões, que apontam para uma mesma situação: estamos decaindo.

O hedonismo e a elevação do prazer imediato subjetivista acima de fatos e seres concretos, por meio da relativização de nossos valores mais profundos e centrais, estão destruindo tudo.

Agora, estamos sacrificando nossos filhos e fingindo que nada está acontecendo. Em breve, todos nós seremos sacrificados, e ninguém se lembrará do quanto valemos. Pois, afinal de contas, será que sobrará algo de valioso em nós e legado por nós?

Será o prazeroso e anestésico fim...

Hélio Angotti Neto
26 de dezembro de 2016
Colatina - ES




[2] DEAR FUTURE MOM | March 21 - World Down Syndrome Day. Internet, https://www.youtube.com/watch?v=Ju-q4OnBtNU

[3] WIKER, Benjamin. Darwisnimo Moral: Como nos tornamos hedonistas. São Paulo: Paulus, 2012

[4] As guerras mundiais e as revoluções foram gestadas pela decadência cultural, como mostram muito bem Eric Voegelin e Modris Eksteins em “Hitler e os Alemães” e “Sagração da Primavera”, respectivamente. EKSTEINS, Modris. Rites of Spring: The Great War and The Birth of the Modern Age. Boston: Mariner Books, 2000; VOEGELIN, Eric. Hitler e os Alemães. São Paulo: É Realizações, 2008.