domingo, 21 de dezembro de 2014

A VIRTUDE MÉDICA DA COMPAIXÃO

Artigo originalmente publicado no site Academia Médica, disponível em: http://academiamedica.com.br/compaixao-como-uma-das-virtudes-medico/


Edmund Pellegrino lembra em seu livro sobre virtudes médicas que muitos criticam o médico contemporâneo justamente por sua falta de compaixão, por sua insensibilidade[1].

Diariamente, ao tratar um paciente com cordialidade (de cordis – coração), escuto algumas exclamações de surpresa. Hoje mesmo escutei algo que me deixou triste ao cumprimentar um paciente da rede pública: “Doutor, você dá a mão?”

Acredito sinceramente que a maioria dos médicos brasileiros trata bem seus pacientes, mas os maus exemplos gritam enquanto os bons exemplos sussurram. Além dessa característica típica em se julgar assimetricamente bons e maus exemplos, há o fato de que existe uma campanha maciça de difamação profissional movida pelo governo brasileiro, sempre à busca do bode expiatório da hora[2].

Mas voltemos à compaixão, palavra que significa “sofrer junto”. Para compreender melhor, podemos também apelar para as definições de palavras que não são sinônimas de compaixão.

Misericórdia e Piedade, por exemplo, denotam atos de caridade e graça de alguém em posição superior a alguém de posição inferior. Compaixão denota uma simetria maior entre o que sofre e o que acompanha o sofrimento. Há uma assimetria óbvia na relação médico-paciente, mas cabe ao médico trabalhar também para que a integridade de seu paciente seja preservada ou restituída o quanto antes. Na reconstrução dessa integridade, o médico precisa “sentir” o que o paciente sente.

Simpatia é mais abrangente, denotando participação em sentimentos positivos ou negativos, sem a especificidade da compaixão, muito mais característica do médico que vive uma situação de sofrimento ao lado do paciente.

Já a empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro, imaginando como seria uma determinada resposta frente a uma determinada situação. Também é mais abrangente que a compaixão, que é a compreensão participativa do sofrimento alheio. A empatia seria uma habilidade que possibilitaria uma compaixão adequada à prática médica.
A compaixão não é somente uma necessidade moral, mas também é uma necessidade intelectual da atividade médica.

Sem a adequada compreensão do sofrimento alheio, o diagnóstico pode ser comprometido, assim como o plano terapêutico. O médico pode “sofrer” de forma ineficaz, e julgar mal a situação de seu paciente.

O médico precisa sentir como o paciente sente, porém não pode ser emocionalmente envolvido a ponto de nublar sua capacidade de raciocínio clínico e sua objetividade, denotando a qualidade que Sir William Osler exaltava como Aequanimitas (autocontrole e constante “presença de espírito”)[3].

Também não há necessidade de que o médico sofra “na carne” o mal de seu paciente, ou teríamos uma inescapável falta de oncologistas! E nenhum homem poderia ser ginecologista. Viver de fato a doença oferece uma perspectiva única e proveitosa para o médico sábio o suficiente, mas não é pré-requisito.

Há sim a necessidade de que o médico exerça sua compaixão com a verdadeira postura de um amigo, compreendendo o sofrimento do paciente e comprometendo-se com a sua cura, com o alívio do mal que o acomete e com o tratamento respeitoso devido à pessoa querida.



[1] PELLEGRINO, Edmund D.; THOMASMA, David. The Virtues in Medical Practice. New York, Oxford: Oxford University Press, 1993.

[2] É pública e notória a difamação que o Partido dos Trabalhadores e seus aliados movem contra os médicos, rotulados de inimigos convenientemente no momento em que o governo é cobrado em relação à qualidade da saúde.

[3] OSLER, William. AEQUANIMITAS: With Other Addresses to Medical Students, Nurses and Practioners of Medicine. Philadelphia: P. Blakiston’s Son & Co., 1910.