Edmund Pellegrino lembra em seu livro sobre virtudes médicas
que muitos criticam o médico contemporâneo justamente por sua falta de
compaixão, por sua insensibilidade[1].
Diariamente, ao tratar um paciente com cordialidade (de cordis – coração), escuto algumas
exclamações de surpresa. Hoje mesmo escutei algo que me deixou triste ao
cumprimentar um paciente da rede pública: “Doutor, você dá a mão?”
Acredito sinceramente que a maioria dos médicos brasileiros
trata bem seus pacientes, mas os maus exemplos gritam enquanto os bons exemplos
sussurram. Além dessa característica típica em se julgar assimetricamente bons
e maus exemplos, há o fato de que existe uma campanha maciça de difamação
profissional movida pelo governo brasileiro, sempre à busca do bode expiatório
da hora[2].
Mas voltemos à compaixão, palavra que significa “sofrer
junto”. Para compreender melhor, podemos também apelar para as definições de
palavras que não são sinônimas de compaixão.
Misericórdia e Piedade, por exemplo, denotam atos de caridade
e graça de alguém em posição superior a alguém de posição inferior. Compaixão
denota uma simetria maior entre o que sofre e o que acompanha o sofrimento. Há
uma assimetria óbvia na relação médico-paciente, mas cabe ao médico trabalhar
também para que a integridade de seu paciente seja preservada ou restituída o
quanto antes. Na reconstrução dessa integridade, o médico precisa “sentir” o
que o paciente sente.
Simpatia é mais abrangente, denotando participação em sentimentos
positivos ou negativos, sem a especificidade da compaixão, muito mais
característica do médico que vive uma situação de sofrimento ao lado do
paciente.
Já a empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro,
imaginando como seria uma determinada resposta frente a uma determinada
situação. Também é mais abrangente que a compaixão, que é a compreensão
participativa do sofrimento alheio. A empatia seria uma habilidade que
possibilitaria uma compaixão adequada à prática médica.
A compaixão não é somente uma necessidade moral, mas também é
uma necessidade intelectual da atividade médica.
Sem a adequada compreensão do sofrimento alheio, o
diagnóstico pode ser comprometido, assim como o plano terapêutico. O médico
pode “sofrer” de forma ineficaz, e julgar mal a situação de seu paciente.
O médico precisa sentir como o paciente sente, porém não pode
ser emocionalmente envolvido a ponto de nublar sua capacidade de raciocínio
clínico e sua objetividade, denotando a qualidade que Sir William Osler
exaltava como Aequanimitas
(autocontrole e constante “presença de espírito”)[3].
Também não há necessidade de que o médico sofra “na carne” o
mal de seu paciente, ou teríamos uma inescapável falta de oncologistas! E
nenhum homem poderia ser ginecologista. Viver de fato a doença oferece uma
perspectiva única e proveitosa para o médico sábio o suficiente, mas não é
pré-requisito.
Há sim a necessidade de que o médico exerça sua compaixão com
a verdadeira postura de um amigo, compreendendo o sofrimento do paciente e
comprometendo-se com a sua cura, com o alívio do mal que o acomete e com o
tratamento respeitoso devido à pessoa querida.
[1] PELLEGRINO, Edmund
D.; THOMASMA, David. The Virtues in Medical Practice. New York, Oxford: Oxford
University Press, 1993.
[2] É pública e notória
a difamação que o Partido dos Trabalhadores e seus aliados movem contra os
médicos, rotulados de inimigos convenientemente no momento em que o governo é cobrado
em relação à qualidade da saúde.
[3] OSLER, William. AEQUANIMITAS: With Other
Addresses to Medical Students, Nurses and Practioners of Medicine.
Philadelphia: P. Blakiston’s Son & Co., 1910.