segunda-feira, 27 de junho de 2016

O INACREDITÁVEL BRASIL

O INACREDITÁVEL BRASIL


Durante este mês, tive a valiosa oportunidade de conviver com professores e pesquisadores da Bioética aqui dos Estados Unidos e da Holanda, e também tive a oportunidade de ouvir um pouco acerca da sua cultura e de expôr um pouco do nosso Brasil atual.
Alguns detalhes de nossa história soaram estranhíssimos aos ouvidos estrangeiros.
Quando contei o passado de nossa presidente reeleita e afastada, de como ela chefiava uma organização guerrilheira que sequestrava, assaltava e matava, inclusive pais de família na frente de suas duas filhas pequenas (como é o caso do Capitão Chandler, norte-americano), eles acharam estranhíssimo, quase inacreditável.
Quando falei das mentiras, das suspeitas de assassinatos (Celso Daniel?), da manipulação, da aliança com terroristas internacionais, do ódio profundo aos Estados Unidos, da corrupção sistêmica e de toda engenharia social explícita realizada pelo molusco-mor (Lulla) e seus asseclas, eles acharam estranhíssimo, pura loucura.
Quando falei de nossos problemas com violência (70.000 mortes violentas ao ano - o índice dos EUA é de 17.000 com uma população maior que a do Brasil em cerca de 100 milhões de pessoas), dengue, Rio Doce contaminado e descaso das autoridades, H1N1, Zika, estradas inseguras (quase morri três dias antes ao lado de minha esposa num acidente de carro) etc., eles acharam estranhíssimo, puro caos social.
Quando falei de vítimas de assaltos, estupros e assassinatos que mal recebem a atenção caridosa de nosso governo enquanto algozes assassinos, estupradores e bandidos de todas as espécies (incluindo as piores) ganham bolsas e são bravamente defendidos por nossa elite e enquanto terroristas e assassinos cruéis de um passado sangrento (porém, ainda menos sangrento que os dias de hoje) recebem homenagens nomeando avenidas, escolas e postos de saúde no Brasil, eles acharam estranhíssimo, pura contradição e inversão de valores.
Eles têm seus problemas, é claro. Muitos, aliás. De alguma forma, vivem realidades semelhantes às do Brasil: universidades infiltradas por ideólogos, exaltação e instrumentalização da marginalidade à moda de Herbert Marcuse, emprego difuso do politicamente correto, governos corruptos etc. Apesar de tudo, ainda estão bem longe de alcançarem a profundidade no abismo em que o Brasil se encontra, já imerso em trevas.
Quando vejo a exaltação das virtudes, a busca sincera pelo diálogo com quem pensa diferente, a religiosidade explícita e sincera em todos os aspectos da vida, a abertura acadêmica (por mais que eles reclamem de problemas parecidos com os nossos) e a capacidade de moverem tempo e recursos em obras de caridade (por mais que eles tenham abraçado o discurso de que são muito individualistas), só posso perguntar: quem transformou meu país nesse tenebroso hospício chefiado pelo Dr. Mabuse? Quem soltou as bestas apocalípticas e prendeu os bons? Que futuro meus filhos terão neste país? Aliás, que futuro todos nós teremos? Teremos um futuro?
Os piores tempos. Os melhores tempos.


sábado, 25 de junho de 2016

Um Mergulho nas Próprias Trevas

O Relato do Rei dos Abortos



Bernard Nathanson, o rei do aborto, descreve sua trajetória pessoal no livro “The Hand of God: A Journey from Death to Life by the Abortion doctor Who Changed His Mind”, publicado pela Regnery Publishing Inc.[1]

Como todas as melhores narrativas autobiográficas presentes em nossa civilização, Nathanson inicia olhando para as próprias trevas. Não foi diferente com o Apóstolo Paulo, Agostinho de Hipona ou Dante Alighieri. Estes estabeleceram modelos ao redor da mesma fórmula de sinceridade plena consigo mesmo, aquele foi capaz de identificar o mesmo modelo em sua própria vida. E profundas trevas de fato foram vasculhadas em seu livro.

Bernard foi um judeu secular filho de judeus seculares. Começou cedo sua história com o aborto, encaminhando com a ajuda de seu pai a sua namorada para que abortasse seu primeiro filho. Já adiante na carreira, ele mesmo fez o aborto de seu outro filho, de uma forma metódica e muita higiênica, quase como a dos proficientes médicos nazistas que exterminavam milhões.

Seu papel na legalização do aborto foi importante, e sua atuação chefiando clínicas de aborto ou fazendo ele mesmo os abortos impressiona. Mais de 75.000 vidas foram tiradas por Bernard Nathanson. Ele era eficiente no que fazia e se destacava, numa época onde os médicos mais desqualificados já migravam para as práticas abortistas.

É claro que por anos atraiu a fúria e o desprezo de muitos médicos de linhagem hipocrática e de defensores da vida humana.

Mas as coisas começaram a mudar quando surgiu um impressionante aparelho: a ultrassonografia! Ao observar as reações do feto no momento em que o mesmo era destruído pela sucção, Nathanson parou de viver na abstração de seu próprio mal e percebeu concretamente a extensão do mal que praticava. Ali estava uma vida sendo destruída, ao vivo, na televisão! E não somente ele, mas outros médicos abortistas nunca mais ousaram eliminar vidas humanas depois de assistir ao que realmente acontecia dentro do útero materno.

O rei do aborto começara a questionar a si mesmo. Abandonou suas práticas anteriores e tornou-se membro do movimento Pró-Vida americano, angariando para si o ódio e a inimizade de incontáveis médicos e pessoas que agora defendiam o “Direito de Escolha”. 

Produziu dois documentários impactantes que, obviamente, nunca chegaram à grande mídia, mas que transformaram a forma pela qual muitas pessoas enxergavam essa questão: The Silent Scream (O Grito Silencioso) e The Eclipse of Reason (O Eclipse da Razão).

Em 1987, Bernard recebeu uma carta de uma defensora do direito de escolher o aborto que trabalhara para ele no passado. Ela contava que algo muito tenebroso se passava na clínica onde ela trabalhava. Pedaços de bebês estavam sendo vendidos! Hoje observamos quase que descrentes a Planned Parenthood vendendo órgãos de bebês abortados num verdadeiro açougue humano e nos perguntamos como chegamos aqui. Mas não há novidade na história. As promessas de tratamentos milagrosos já abundavam à época, e ainda abundam, com efeitos colaterais e decepções igualmente presentes em larga escala.

Nathanson faz os cálculos macabros do que seria preciso para efetivar terapias com células fetais, e o resultado impressiona pela quantidade de sangue humano necessário para ações em larga escala realmente efetivas à sociedade.

E a guerra entre abortistas e defensores da vida seguiu acirrada nos Estados Unidos, incluindo alguns casos de tiroteio e violência contra médicos e funcionários de clínicas de aborto. Foram poucos, mas trágicos. Porém, o que mais impactou Bernard foi o exemplo da pacífica maioria que tinha a coragem de suportar as piores humilhações e agressões dos radicais pelo direito de decidir; a maioria que mantinha a resiliência ao lutar por algo que considerava sagrado.

Movido pelo exemplo ele se aprofundou no estudo da fé que movia aquelas pessoas, e ao fim de uma longa e trágica vida encontrou seu caminho dentro do Cristianismo.

Das profundezes do mais tenebroso inferno, repetindo o holocausto em diferentes vítimas, Bernard Nathanson foi alçado a um diferente patamar e sofreu uma impressionante virada em sua visão de mundo. Sua história culminando em sua sofrida transformação é um testemunho real do poder e do efeito do perdão na vida de alguém.




[1] NATHANSON, Bernard N. The Hand of God: A Journey from Death to Life by the Abortion Doctor Who Changed His Mind. Washington, DC: Regnery Publishing, Inc., 1996.

Origens da Eugenia e Ameaça à Dignidade Humana

Origens Ideológicas de Crimes Antigos


A idéia mais perigosa do mundo é, como diria Margaret Somerville, a de que não há nada de especial em ser humano. Reduzidos a máquinas utilitárias devotadas ao prazer sensorial, nada resta de digno ou sagrado. Resta somente um monte de carne e o triunfo da vontade e do relativismo.

Tais idéias permitiram a esterilização forçada de centenas de milhares mundo afora e o genocídio friamente programado de milhões de "comedores inúteis". E tais idéias tantas vezes foram premiadas com prêmios internacionais ou reputadas como poderosas imagens do progresso científico da humanidade.



Nas palavras de Charles Darwin:

Entre os selvagens, os fracos de corpo ou mente são logo eliminados; e os sobreviventes geralmente exibem um vigoroso estado de saúde. Nós, civilizados, por nosso lado, fazemos o melhor que podemos para deter o processo de eliminação: construímos asilos para os imbecis, os aleijados e os doentes; instituímos leis para proteger os pobres; e nossos médicos empenham o máximo da sua habilidade para salvar a vida de cada um até o último momento... Assim os membros fracos da sociedade civilizada propagam a sua espécie. Ninguém que tenha observado a criação de animais domésticos porá em dúvida que isso deve ser altamente prejudicial à raça humana. É surpreendente ver o quão rapidamente a falta de cuidados, ou os cuidados erroneamente conduzidos, levam à degenerescência de uma raça doméstica; mas, exceto no caso do próprio ser humano, ninguém jamais foi ignorante ao ponto de permitir que seus piores animais se reproduzissem. 

Saiba mais:

WIKER, Benjamim. Darwinismo Moral: Como nos tornamos hedonistas. São Paulo: Editora Paulus, 2011.

CARVALHO, Olavo de. Por que não sou fã de Charles Darwin. Diário do Comércio, 20 de fevereiro de 2009, Internet, http://olavodecarvalho.org/semana/090220dc.html



sexta-feira, 24 de junho de 2016

SUGESTÃO DE LEITURA: A VIDA DE UM EX-ABORTISTA

THE HAND OF GOD

Bernard Nathanson




"Tornou-se chique nos círculos dos bioeticistas bien-pensants que se denigra o Juramento (de Hipócrates). Pontua-se com escárnio suas falhas como, por exemplo, a omissão a qualquer referência ao consentimento informado do paciente. Mesmo assim, num mundo selvagem e primitivo como era a Ilha de Cós no ano 450 antes de Cristo, a expressão de compaixão, de respeito ao mestre e de respeito à vida em si foi e ainda permanece um monumento à beleza da alma humana e à dignidade da pessoa humana. Tais monumentos não deveriam ser abandonados com tanta pressa."

NATHANSON, Bernard. The hand of God: A Journey from Death to Life by the Abortion Doctor Who Changed His Mind. Washington. DC: Regnery Publishing Inc., 1996, p. 53-54.


Original:

"It has become fashionable in the circles of the bien-pensants bioethicists to denigrate the Oath: to point with derision at its failures - for examples, the omission of any reference to informed consent of the patient. Nevertheless, in a world as savage and primitive as was the island of Cos in the year 450 B.C., the expression of compassion, of respect for one's teachers, for life itself was and remains a monument to the beauty of the human soul and the dignity of the human person. Such monuments should not be hastily abandoned."

quinta-feira, 23 de junho de 2016

A TRADIÇÃO DA MEDICINA - EXCERTO

Excerto do livro "A Tradição da Medicina", a ser lançado em breve.

Não se cobra heroísmo do próximo, assim como não se cobra que alguém seja médico. Só há validade moral no heroísmo se houver ato voluntário por trás do mesmo.

Não é de se estranhar que a Medicina seja malvista e mal falada quando os médicos fogem de atos heroicos e se acomodam a um estado burocrático de mediocridade.

Ou o médico transforma-se no senhorzinho satisfeito de Ortega y Gasset[1], ou arregaça as mangas e assume sua vocação de nobreza profissional. Ou nivela por baixo, ou busca excelência.

Hélio Angotti Neto




[1] ORTEGA y GASSET, Ortega. A Rebelião das Massas. Lisboa, Portugal: Relógio D’Água.

terça-feira, 21 de junho de 2016

The Legacy of Medicine; A Tradição da Medicina.

A TRADIÇÃO DA MEDICINA - THE LEGACY OF MEDICINE

Trecho do livro a ser lançado em breve. Excerpt from the book to be published


"Os ideais defendidos ao longo do Juramento não podem ser atacados com base na existência de tantos médicos que os ignoram. É como defender que não se ame nada nem a ninguém porque muitos tolos não sabem amar. São tais ideais que nutrem o espírito da Medicina e a passagem de sua nobre tradição através das gerações. O Juramento de Hipócrates é um símbolo precioso de uma tradição a ser guardada e respeitada."

"The existence of so many Doctors who ignore the Hippocratic Oath is not a reason for atacking the ideals comprehended in the Oath. It would be just the same as the denial of love's reality because there are those who cannot love anyone. The ideals from the Oath are the ones which nurture the spirit of Medicine and protect such tradition through generations. The Hippocratic Oath is a precious symbol of an ancient tradition which should be remembered and respected."

Hélio Angotti Neto



SUGESTÃO DE LEITURA: IMAGINING THE FUTURE - YUVAL LEVIN

Imaginando o Futuro: Ciência e a Democracia Americana

Yuval Levin




Yuval Levin é membro do Centro de Ética e Políticas Públicas, onde atua como diretor do Programa de Bioética e Democracia Americana. É o Editor Sênior do Periódico New Atlantis, que trata de biotecnologia e bioética. Serviu como Diretor Associado da Casa Branca para o Conselho de Política Interna e Diretor Executivo do Comitê Presidencial de Bioética. Escreve para diversas publicações de grande porte como o New York Times, o Wall Street Journal, Commentary, National Review e outros.

Em seu livro, Yuval trata da pretensão Baconiana de controlar a natureza e de como tal anseio subsiste dentro do espectro político dos Estados Unidos. Mostra que a classificação desejada pelos liberais (esquerda), na qual progressistas apoiam a ciência e conservadores caminham contra seu desenvolvimento é uma simplificação grosseira.


Seu argumento revela algumas realidades que negam a pretensão de aliar determinado espectro político com o atraso ou o progresso da ciência, e exibe alguns problemas que tanto a direita quanto a esquerda deverão resolver.

No primeiro capítulo o autor fala do desafio moral representado pela ciência e da responsabilidade que temos diante do passado, do presente e do futuro em avançarmos com cautela.

No segundo capítulo, o autor trata de como essas tecnologias se inserem e dizem respeito à vida cotidiana de todos nós, e mostra questões de grande importância que definirão toda a civilização e direcionarão nosso futuro, como a clonagem e a manipulação genética de nossos filhos.

No terceiro capítulo, o autor reflete sobre a divisão entre as humanidades e a ciência, e de como essas duas culturas não podem ser vistas em separado, mas devem colaborar uma com a outra a permitir um progresso seguro e, portanto, responsável.

No quarto capítulo, Yuval fala de algumas visões de como nosso futuro poderá ser, abordando os temas relacionados ao Transumanismo e ao progresso imprevisível perante o qual avançamos.

No quinto e sexto capítulos o autor trata de como a direita e a esquerda enxergam e lidam com a ciência nos Estados Unidos, traçando um cenário muito mais complexo do que a maioria das pessoas ousa pensar.

A esquerda americana, sempre defendendo ocupar a posição de promotora da ciência e do projeto baconiano de controle sobre a natureza para aumentar a liberdade do ser humano, agora está em um embate interno ao querer abraçar um ambientalismo que, de regra, busca limitar a ação do homem sobre a natureza. 

A direita americana, defensora dos costumes e do decoro, vê-se numa posição de crítica à ciência baseada no exercício de uma agressiva análise do discurso e dos pressupostos dos cientistas, trazendo à tona os mais desconfortáveis e escandalosos assuntos com uma metodologia desenvolvida e aplicada inúmeras vezes pela mais questionadora e agressiva parte da esquerda.

Este é um livro de grande importância para os estudiosos da Biopolítica, e possui interessantes descrições que podem auxiliar numa interpretação de nossa realidade brasileira.



Prof. Dr. Hélio Angotti Neto é Coordenador do Curso de Medicina do UNESC, Diretor da Mirabilia Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas), Membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, Visiting Scholar da Global Bioethics Education Initiative do Center for Bioethics and Human Dignity (2016), Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC e criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina (SEFAM).



quinta-feira, 16 de junho de 2016

O Transumanismo e a Distopia Revisitada

Você sabe quais as propostas políticas que passam pela cabeça de pesquisadores da Academia Internacional?

A Engenharia Social entra em uma nova era!

Confira no Portal do Academia Médica: https://academiamedica.com.br/distopia-revisitada/ 


quarta-feira, 15 de junho de 2016

A MEDICINA COMUNISTA

A Medicina Comunista


O Horror e a Repressão de uma Medicina que se Transformou em Arma Estatal


O Estado - enquanto organização de pessoas que naturalmente tende à própria perpetuação e ao aumento do seu poder e de suas funções - pode transformar-se num perigoso elemento de totalitarismo numa sociedade. O Estado também pode instrumentalizar todas as instituições e grupos da sociedade para o propósito final de crescer cada vez mais, drenando tudo e todos.

Já a medicina, que detém grande autoridade científica e social, pode ser um eficaz instrumento de controle e manipulação da sociedade, para o bem ou para o mal. O médico tem o poder para remover alguém do trabalho, aposentá-lo, abrir seu corpo causando um dano controlado chamado cirurgia, declarar alguém morto e, talvez o mais assombroso, nomear uma doença e determinar parcialmente o futuro de um paciente. Talvez este último seja o mais sutil e poderoso elemento da profissão médica.

Quando estamos diante de uma doença claramente identificável, como um carcinoma basocelular na pele de um paciente, não há muito que duvidar. Pode chamá-lo por outro nome, pode tratá-lo de diferentes formas, mas a evolução e as repercussões físicas são bem objetivas e previsíveis. O problema começa quando estamos diante da doença psiquiátrica. Há, obviamente, um espaço muito maior para elementos subjetivos de comportamento que podem alterar radicalmente o prognóstico do paciente, e é justamente aí que um grande perigo pode surgir.

A mistura é explosiva. De um lado, um Estado ocupado por perigosos psicopatas[1], sedentos de poder e controle. Do outro, a medicina, capaz de gerar gigantesca influência na sociedade. Una tudo isso a um governo do tipo revolucionário e totalitário[2] e voilá! A máquina de moer carne humana está pronta. E qualquer um que se oponha poderá ser denominado louco ou doente. A racionalidade por trás de tudo isso é cruel: “nós temos a perfeição encarnada no sistema, qualquer um que avance contra nós é louco e perigoso.”

Nenhum regime encarnou tão bem o ideal do totalitarismo político e espiritual – no sentido de domínio sobre a mente do sujeito – do que o Comunismo em suas diversas encarnações.

Os maiores crimes contra a vida humana podem simplesmente ser cobertos pela desculpa de que pessoas precisam de tratamento psiquiátrico. Ainda hoje alguns manifestantes e oposicionistas dos regimes de esquerda (Rússia, China e tantos outros) desaparecem da sociedade quando adentram um hospital psiquiátrico para que sejam “tratados”. É uma solução muito cômoda, porque muitas explicações seriam necessárias se simplesmente matassem o indivíduo, certo?[3]

Conforme o que o próprio Nikita Khrushchev disse em 1959:

“Um crime é um desvio dos padrões geralmente reconhecidos de comportamento, frequentemente causado por problemas mentais. É possível que existam doenças, problemas mentais, entre certas pessoas da sociedade comunista? É evidente que sim. Se é assim, logo existirão ofensas características de pessoas com mentes anormais... Para aqueles que comecem a erigir oposição ao Comunismo de tal forma, nós podemos dizer que... claramente seu estado mental não é normal.”[4]
Não é surpresa o intenso trabalho vindo de terras socialistas e comunistas a leste investido na pesquisa dos processos psicológicos e psiquiátricos, muitos buscando a chave de como manipular o comportamento humano. O bom e velho Pavlov, e toda uma hoste de pesquisadores da psicologia social e da manipulação não me deixam mentir.

Aliado ao uso da medicina psiquiátrica para fins totalitários, basta misturar a manipulação da cultura conforme os ditames de Antônio Gramsci e de toda a Escola de Frankfurt[5] e teremos o caminho para a escravidão perfeitamente pavimentado.

E novamente voltamos ao problema da medicina que perdeu sua identidade. Uma vez que a proteção da vida e da integridade do paciente movida por um compromisso inegociável com a beneficência for trocada por qualquer outra coisa ou qualquer outra fidelidade, está encerrada a medicina tradicional hipocrática e cristã.

Ao invés de direcionar-se ao paciente como objetivo concreto e imediato da prática médica, o juramento médico soviético, por exemplo, se direcionava à abstrata humanidade e à sociedade, demonstrando o predomínio do utilitarismo social contra a beneficência direta ao ser humano. Ao invés de apelar para uma lei universal, apela-se à moralidade comunista – isso é assustador para qualquer um que tenha lido o mínimo de história soviética – e à obediência ao Estado. Sem dúvida nenhuma é o juramento que todos os Estados com tendência totalitarista gostariam de impor aos seus médicos.[6]

Voltando aos dias de hoje, longe no tempo e na geografia, não estranho nem um pouco a insistente atenção dada aos médicos e à educação – ou deseducação – pelos governos da esquerda radical no Brasil. O constante desmanche da autoridade médica, substituída é claro pela autoridade ideológica radical que ocupa o vácuo deixado, e o trabalho de hegemonia cultural sempre presente nas universidades e escolas, onde temos ideólogos manipuladores aliados aos piores índices educacionais internacionais, deixam bem claro a tendência entrópica de nossa elite.

A progressiva substituição do perfil médico brasileiro, saindo de uma classe profissional altamente científica e técnica, com padrões de qualidade reconhecidos internacionalmente, porém quase que completamente destituída de formação política, para uma classe subserviente ao Estado, menos qualificada e muito mais ideologizada, claramente remete a uma intensa medida de engenharia social. Pessoalmente, considero os dois modelos errados e distantes da identidade tradicional da medicina, que deve ansiar por excelência em termos científicos, técnicos e morais, incluindo a política.

Junto com a destruição da identidade médica, atos frontalmente contrários à vida humana - e à opinião majoritária do provo brasileiro, diga-se de passagem - são cotidianamente instituídos. Prega-se o abortamento voluntário e a eutanásia, por exemplo, e a vida humana deixa de ser sagrada.

Cartaz educativo sobre o aborto seguro na União Soviética.

Realmente sagrado deve ser o Estado - esse Leviatã insaciável - e a vontade de nossa elite política esquerdista, certo?

Não. Certo é o compromisso mais que milenar de nossa Medicina com a vida humana e com o ser humano concreto, de carne e osso, que todos os dias senta-se à frente de seu médico e pede auxílio, socorro e compreensão. Certo é defender a vida humana, pressuposto de qualquer atividade médica. Certo é defender nossa própria identidade moral contra os enxertos desumanos que ideologias monstruosas tentam empurrar à força sobre a sociedade.

A boa medicina, de raiz cultural hipocrática e cristã, tem sua própria escala de valores a ser defendida.



[1] LOBACEWSKI, Andrew. Ponerologia Política. Campinas: VIDE Editorial, 2015.

[2] Na concepção de Olavo de Carvalho, revolução é a concentração de poder mediante a promessa de um futuro melhor, justificando a inversão moral, isto é, desculpando atos imorais para se alcançar um distante fim desejável.

[3] VAN NOREN, Robert. Ending political abuse of psychiatry: where we are at and what needs to be done. BJPsych Bulletin (2016), 40, 30-33, doi: 10.1192/pb.bp.114.049494

[4] Ibid.; KNAPP, M. Mental Health Policy and Practice Across Europe: The Future Direction of Mental Health Care. McGraw-Hill, 2007.

[5] CARVALHO, Olavo de. A Nova Era e a Revolução Cultural. Campinas: VIDe Editorial, 2015.

[6] Association of American Physicians and Surgeons. Comparison between Oath of Hippocrates and Other Oaths. Internet, http://www.aapsonline.org/ethics/oathcomp.htm

sábado, 11 de junho de 2016

The Bioethical Subversion / A Subversão Bioética - John Keown




"Traditional common morality, as its name suggests, comprises ethical principles common to civilized cultures. The notion that there are certain objective principles which societies must respect if they are to qualify as civilized, has been expressed in the West in the Hippocratic Oath, in Judeo-Christian morality, the prohibition against killing the innocent, and the common law... [But] much of modern bioethics is clearly subversive of this tradition of common morality. Rather than promoting respect for universal human values and rights, it systematically seeks to subvert them. In modern bioethics, nothing is, in itself, either valuable or inviolable, except utility."

"A moralidade comum tradicional, como seu nome sugere, compreende princípios éticos comuns às culturas civilizadas. A noção de que há certos princípios objetivos, os quais devem ser respeitados pelas sociedades qualificáveis como civilizadas, tem sido expressada por meio do Juramento de Hipócrates, da moralidade Judaico-Cristã, da proibição contra o assassinato do inocente e da lei comum... [Mas] boa parte da bioética moderna é claramente subversiva em relação a essa tradição de moralidade comum. Ao invés de promover o respeito pelos valores e direitos humanos universais, a bioética moderna busca subvertê-los sistematicamente. Na bioética moderna, nada é, em si mesmo, valioso ou inviolável, a não ser a utilidade."

Entrevista cedida a Wesley Smith reproduzida em: SMITH, Wesley J. Culture of Death: The Assault on Medical Ethics in America. San Francisco: Encounter Books, 2000.


John Keown, DPhil, PhD, DCL

Senior Research Scholar
Dr. Keown is the Rose F. Kennedy Professor of Christian Ethics at the Kennedy Institute of Ethics. Having graduated in law from Cambridge, he took a doctorate at Oxford, after which he was called to the Bar of England and Wales. He soon became the first holder of a newly-created lectureship in the law and ethics of medicine at Cambridge, where he was elected to a Fellowship at Queens' College and, later, a Senior Research Fellowship at Churchill College.
Dr. Keown has published widely in the law and ethics of medicine, specializing on issues at the beginning and end of life. His research has been cited by distinguished bodies worldwide, including the United States Supreme Court, the Law Lords, the Court of Appeal, the House of Commons, the House of Lords Select Committee on Medical Ethics, and the Australian Senate, before which he was invited to testify. In 2011 he testified as an expert witness for the Attorney-General of Canada in a leading case concerning Canada's law against euthanasia. He has served as a member of the Ethics Committee of the British Medical Association and has been regularly consulted, not least by politicians and the media, on legal and ethical aspects of medicine. His latest article 'A Right to Voluntary Euthanasia? Confusion in Canada in Carter' was recently published in the Notre Dame Journal of Law, Ethics and Public Policy (2014).
Dr. Keown has written a play based on one of the classic cases in bioethics: the trial of Dr. Leonard Arthur for the attempted murder of a newborn baby with Down's syndrome. He has also developed an interest in the ethics of war. His 2009 paper in the Journal of Catholic Social Thought was the first to consider whether America's War for Independence satisfied the criteria laid down by the 'just war' tradition.

sexta-feira, 10 de junho de 2016

A DIFERENÇA ENTRE ÉTICA MÉDICA E BIOÉTICA



"... Há pouca percepção pública ou profissional (ou política) acerca do fato de que a função de boa parte do trabalho atual da Bioética é totalmente diferente do que tradicionalmente se associa com a palavra "Ética" na medicina - o julgamento de práticas e propostas em acordo com os princípios estabelecidos de conduta. Em contraste, um papel central da Bioética tem sido a criação de novos princípios de conduta que permitirão a prática de coisas que antes eram proibidas."



Nigel M. de S. Cameron. The New Medicine: Life and Death after Hippocrates. Chicago & London: Bioethics Press, 1991, p. 47.

Mais sobre o Autor: https://cbhd.org/content/nigel-m-de-s-cameron-phd

quinta-feira, 9 de junho de 2016

REFLEXÕES DO INÍCIO DE UMA CARREIRA

REFLEXÕES DIVERSAS DO INÍCIO DE UMA CARREIRA

Entrevista cedida ao Jornal Raio-X do DAMUFES


Volto ao Jornal Raio-X depois de um longo tempo. Entrei no curso de Medicina da UFES em 1997 e graduei no início de 2003.

Lembro de minha passagem pelo Diretório Acadêmico e pela redação do Raio-X, na qualidade de assessor de comunicação.

Da UFES levei o grande exemplo de professores que marcaram o início de minha carreira e motivaram a escolha de minha especialidade. O carinho e a dedicação da Professora Diusete aos pacientes e alunos, a entrega e a caridade do Professor Abraão e o profissionalismo e a sempre presente busca pela ciência do Professor Ângelo.

Embora eu tenha sido agraciado com excelentes exemplos, pouco vi, se algo vi, acerca das Humanidades Médicas. Mas na turbulência da Residência Médica em Oftalmologia na USP, com rotinas de 14 horas de trabalho a 36 horas ininterruptas, quando escalado para os plantões, percebi que os pacientes esperavam muito mais de um médico.

Lá na USP também tive a sorte de ter grandes exemplos. Marcaram minha carreira e motivaram a realização de meu Doutorado em Ciências Médicas, na área de Oftalmologia. Yoshitaka Nakashima, Milton Ruiz Alves e Mário Luiz Monteiro, na USP, foram também meus modelos de amizade, caridade, profissionalismo, respeito e busca pela ciência.

Ressalto o papel dos médicos que motivaram minhas decisões e meu comportamento enquanto profissional por acreditar de coração que médicos qualificados formam novos médicos, não somente em termos científicos, mas também humanísticos.

Mas percebi que algo faltava. Se tinha a técnica e a ciência a meu dispor, faltava-se o componente humanístico sistematizado.

Busquei o rigor da Filosofia ainda nos primeiros anos de residência e fui lançado no estudo das Humanidades Médicas. Não eram as falsas humanidades da doutrinação vulgar ideológica sofrida em tantas graduações no Brasil, eram as verdadeiras Humanidades.

Busquei na História da Medicina as raízes de minha Arte. Lancei-me ao estudo da Filosofia e de seus diferentes ramos, incluindo a Filosofia da Ciência. Imergi na Literatura, na Retórica, na Gramática, no estudo do Grego e do Latim, no Francês, no Inglês, na Filosofia Política e na Teoria da Argumentação. Conheci nomes como o de Carlos Alberto da Costa Nunes, melhor tradutor do Grego Ático de Platão e dos clássicos homéricos para nosso português, médico da Universidade Federal do Pará.

Na medicina, busquei influências incluindo Hipócrates, Galeno, William Osler, Edmund Pellegrino, Pedro Laín-Entralgo, Diego Gracia, Viktor Frankl e José Ingenieros.

Na Filosofia um universo se abriu com as obras de Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino, Herman Dooyeweerd, Xavier Zubiri, Eugen Rosenstock-Huessy, Eric Voegelin, Olavo de Carvalho, Mário Ferreira dos Santos, Edmund Husserl e Louis Lavelle.

Na literatura, passei pelas histórias e crônicas de Machado de Assis, Graciliano Ramos, Herberto Sales, Ernest Hemingway, Leon Tolstói e médicos como Nuno Lobo Antunes e José Geraldo Vieira. Busquei sabedoria nas Escrituras, e provei de Homero, Sófocles e Dante.

E decidi devotar meu tempo à assistência, ao ensino e à pesquisa das Humanidades Médicas. Compreendi que a vocação humanística do médico abarca a experiência universal do ser humano, vivida pessoalmente ao lidar com a vida de inúmeros pacientes, e vivida também ao absorver e integrar em si as infinitas possibilidades de crescimento pessoal contidas nas Humanidades.

Ao contemplar a cultura – e a Alta Cultura – a nós legada, percebi a experiência universal do ser humano: sofrimento, alegria, dor, prazer, tristeza, realização, derrota e sublimação. Porém, ao ver o panorama que a atual medicina vive - sentindo na pele enquanto médico, às vezes paciente, porém sempre humano -, concluí que o problema, ou a crise, não é política ou econômica, é cultural.

A Medicina possui uma enorme tradição cultural, ética e filosófica, quase toda relegada ao esquecimento. Nos rendemos à manipulação psicológica e emocional barata das ideologias desses últimos dois sofridos séculos e talvez estejamos quase cegos, ofuscados pelas maravilhas da revolução tecnológica e dos milagres obtidos na saúde humana. Esquecemos muitas vezes que nós também somos terapia, verdadeiras medicações humanas, e que não podemos oferecer aquilo que não somos.

Aceitamos a condição de militantes, reprodutores de esquemas simplificados e vulgarizações a serviço de governos, instituições e interesses privados. E a vocação verdadeira da Medicina, o paciente, parece ficar ao lado, perdida em coletivos e estatísticas, soterrado por políticas e projetos de lei.

Para mim as Humanidades Médicas nos dão identidade e confirmam quem o médico foi, é e deve ser para o bem do paciente. Abrem-se os olhos para a riqueza infinita da experiência humana. São desveladas novas possibilidades diagnósticas e terapêuticas. Torna-se o médico a cura, o alívio, o conforto e o respeito para o paciente, aquele amigo que surge nos piores momentos.

A busca pelas Humanidades Médicas é a busca por um ideal de vida.

Hoje continuo a busca, próximo às minhas raízes médicas, no Espírito Santo de onde saí médico e para onde retornei professor. Mas se há algo que o estudo das Humanidades provoca é o sentimento de surpresa, de descoberta, de estar sempre buscando em meio a um tesouro que ultrapassa o horizonte que a vista alcança.
Sigo adiante feliz, pois vejo muitos médicos novos e antigos – e é sempre bom ser antigo e ter lições para oferecer, e ser jovem para recebê-las – caminharem ao meu lado na busca pelas Humanidades Médicas, de dentro e de fora do Brasil.

Sigo com esperança. Com a cultura, novas transformações virão e, quem sabe, nossa Medicina não consegue reunir o melhor de todos os mundos? Da Ciência, da Técnica e da Cultura?


Encerro o texto cumprindo o título da seção. Todo médico deveria almejar ser um bom contador de histórias, de casos e de buscas. Espero ter muito mais para contar em breve...

CONFIRA A ENTREVISTA E MUITO MAIS EM: https://issuu.com/jornalraio-x/docs/raio-x__17__jun_2016_ 

Prof. Dr. Hélio Angotti Neto é Colunista do Academia Médica, Coordenador do Curso de Medicina do UNESC, Diretor da Mirabilia Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas), Membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, Visiting Scholar da Global Bioethics Education Initiative do Center for Bioethics and Human Dignity, Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC e criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina (SEFAM).

QUANDO A MEDICINA ENLOUQUECEU

Ensaios sobre a perda da identidade da Medicina e a necessidade de compreender o modelo hipocrático e cristão do ocidente


Copio a idéia deste título do livro When Medicine Went Mad, editado por Arthur Caplan[1], um grande bioeticista norte-americano. E se a Medicina pode enlouquecer, a conclusão é que há um padrão de sanidade a ser reconhecido.



Muitas vezes sou questionado sobre meu trabalho e minhas pesquisas. Por que se preocupar com o que médicos mortos há mais de mil ou dois mil anos disseram? Por que buscar os escritos desatualizados da tradição hipocrática e cristã?

É claro que os escritos antigos estão cientificamente desatualizados, mas guardam o aspecto eterno que repousa nos valores e na experiência humana. Remexo tanto no passado, e no presente, da Ética Médica e da Bioética porque trabalho com a essência da Medicina, com a nossa identidade enquanto profissionais da área da saúde.

Num antigo seminário promovido pela Associação dos Estudantes de Medicina em Vitória, no Espírito Santo, lembro-me de um colega que defendeu a possibilidade de a Medicina ser compatível com qualquer ideologia política que você tenha. O que defendi à época, e ainda defendo, é que essa idéia é errada e perigosa. Aliás, perigosíssima!

Enquanto os médicos não adquirirem a cultura e a bagagem humanística necessária, poderemos ser sempre alvos das piores monstruosidades e distorções da prática médica.

Basta uma pequena mudança de foco, um pequeno resultado de engenharia social, e pronto! O estrago está feito.

Se por algum momento o médico acreditar que seu principal objetivo não é beneficiar o paciente e sim, promover o progresso ou avanço da ciência, tudo estará perdido. Se por algum momento o médico acreditar que seu principal objetivo é promover um tipo de visão social coletivista e revolucionária, crimes inconfessáveis serão perpetuados.

Estes são os exemplos da medicina nazista e comunista. Adiante, oferecerei algumas passagens perturbadoras daqueles que viveram na carne o resultado da medicina que se esqueceu da própria identidade.

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Após aceitar uma pequena idéia - a de que o principal dever do médico não é com seu paciente - tudo muda.

Sara Seiler Vigorito relata que, aparentemente, os médicos nazistas eram normais, tinham suas famílias, atendiam em hospitais e trabalhavam com diligência. A única exceção era a de que se dedicavam a um propósito alternativo.[2] Haviam de fato se desligado da tradição hipocrática e cristã da medicina.

O ser humano, uma vez destituído de sua posição de prioridade, virou simples mercadoria. Enquanto vivos, prisioneiros em campos de concentração nazistas eram utilizados como cobaias em experimentos desumanos. Uma vez sacrificados, seu cabelo serviria para fazer o estofo dos colchões, a gordura serviria para fazer o sabão (produzido pelos próprios prisioneiros e futuras fontes de “matéria prima”), a pele ofereceria tecido para produção de abajures e os dentes de ouro iriam para os cofres nazistas.[3]

Eva Kor e sua irmã sobreviveram aos horrores do campo de concentração nazista sob os cuidados do terrível Joseph Mengele.

Relatos especialmente assustadores nos alcançam daqueles que sobreviveram à experiência nos campos de estudos “científicos” em gêmeos, coordenados pelo médico Joseph Mengele, doutor em Antropologia, o mais famoso carniceiro entre os médicos nazistas. Eva Mozes Kor foi presa junto com sua irmã gêmea, e relata que gêmeos idênticos eram “preciosos” para Mengele.



Richard Baer, Josef Mengele e Rudolf Hoess

Havia de tudo. Desde vivissecções, passando por sutura corporal entre dois gêmeos para testar rejeição, até experimentos de injeção de microrganismos para testar eficiência de armas biológicas e a verificação de quanto sangue alguém poderia perder antes de morrer. E a sensação era a de que o ser humano se tornara um pedaço de carne.[4]



Gêmeos eram especialmente selecionados para as pesquisas de Mengele

Posso compreender por que Margaret Somerville afirma que a idéia mais perigosa do mundo é acreditar que o ser humano nada tem de especial.[5] E também confirmo minha percepção inicial de que a medicina não é compatível com qualquer ideologia. Eu diria que ela é frontalmente oposta a determinadas ideologias.[6]

***

O tão famoso mantra de Georgetown, presente na abertura do livro mais famoso nos círculos de estudo da Bioética, proclama que os grandes problemas éticos do presente e a evolução tecnológica promovem desafios que precisam de uma nova ética. Citam a medicina nazista como exemplo.[7] Eu ouso dizer diferente: foi a insensibilidade moral de uma geração de médicos que optaram por ignorar a moralidade cristã e hipocrática que fundamentou a nossa medicina que permitiu tais atrocidades.

Muitos poderiam alegar que os médicos foram forçados a fazer isso por causa de um governo tirânico. Porém, evidências fortes indicam que médicos destituídos da identidade profissional adequada não somente se voluntariaram para processos de eugenia e pesquisa desumana, eles lideraram o establishment acadêmico, ocupando um alto percentual de reitorias, publicando centenas de periódicos científicos e integrando as fileiras nazistas.[8]

Qual foi o grande erro? Os médicos esqueceram quem eles eram e quem eles deviam buscar ser. Acreditaram que a nova racionalidade e a nova moralidade deveriam ascender em detrimento da moralidade de escravos que imperava anteriormente, como já dizia Nietzsche ao se referir à moralidade cristã.

Hoje a Bioética novamente parece sonhar uma libertação da antiga moralidade. Projetos fantásticos de libertação moral nos empurram para futuros mais eficazes, de alta tecnologia, de aprimoramento, de contenção de desperdícios, de uma visão nova sobre o que é o ser humano. E ao que parece, ainda não aprendemos as velhas lições, positivas ou negativas.

Mas assim é o crescimento moral do ser humano: a cada nova vida, um novo desafio para reconquistar e encarnar tudo aquilo que provou ser bom ao longo de nossa história. A medicina tem sua identidade e, portanto, tem um modelo bem específico a ser seguido em termos éticos. É claro que cada tempo exige novos arranjos, pois as situações específicas sempre mudarão trazendo novidades. Todavia, as regras gerais e fundamentais permanecem, e sempre permaneceram ao longo das eras entre os mais diferentes povos capazes do esforço civilizacional.[9]


Prof. Dr. Hélio Angotti Neto é Coordenador do Curso de Medicina do UNESC, Diretor da Mirabilia Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas), Membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, Visiting Scholar da Global Bioethics Education Initiative do Center for Bioethics and Human Dignity em 2016, Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC e criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina (SEFAM).





[1] CAPLAN, Arthur L. When Medicine Went Mad: Bioethics and the Holocaust. Totowa, New Jersey: Humana Press, 1999

[2] VIGORITO, Sara Seiler. A Profile of Nazi Medicine: The Nazi Doctor – His Methods and Goals. In: CAPLAN, Arthur L. When Medicine Went Mad: Bioethics and the Holocaust. Totowa, New Jersey: Humana Press, 1999, p. 9-13.

[3] KOR, Eva Mozes. Nazi Experiments as Viwed by a Survivor of Mengele’s Experiments. In: Ibid., p. 3-8.

[4] Ibid.

[5] SOMERVILLE, Margaret. Bird on an Ethics Wire: Battles about Values in the Culture Wars. Chicago: McGill-Queen’s University Press, 2015.

[6] Como já acredito que ficou claro em: ANGOTTI NETO, Hélio. A Morte da Medicina. Campinas: VIDE Editorial, 2014.

[7] BEAUCHAMP, Tom; CHILDRESS, James. Principles of Biomedical Ethics. 7th edition. Baltimore: Oxford University Press, 2012.

[8] PROCTOR, Robert N. Nazi Biomedical Policies. In: CAPLAN, Arthur L. When Medicine Went Mad: Bioethics and the Holocaust. Totowa, New Jersey: Humana Press, 1999, p.23-42.

[9] LEWIS, Clive Staple. A Abolição do Homem. Rio de Janeiro: Editora MArtins Fontes, 2012.