segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Artigo Publicado: Políticas de Interiorização do Médico Brasileiro - Revista Ibérica



Apresentação do pano de fundo histórico, cultural e filosófico da política brasileira para aprimorar a capacidade crítica e reflexiva acerca das atuais políticas de saúde pública no Brasil. O Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (PROVAB) será utilizado como exemplo de política governamental, mas a análise irá transcender o programa em questão, abrangendo outras medidas governamentais como o Mais Médicos.

Presentation of philosophical, historical and cultural backgrounds of brazilian politics to promote and develop critical and reflexive capacity in addressing public health in Brazil. The PROVAB (Program for Basic Health Professional Valorization) is used as an initial example of government policy, advancing to other policies like “Mais Médicos” (Importation of foreign physicians by brazilian government).

- See more at: http://www.estudosibericos.com/index.php/article/interiorizacao-medico-angotti



domingo, 28 de setembro de 2014

Obra Publicada: A Morte da Medicina

O livro que foi fruto de estudos e debates realizados no SEFAM durante 2012 e 2013.


Segundo o autor, este livro surgiu do espanto, do choque em constatar os caminhos que as ideologias estão a arrastar a tudo e a todos. A Medicina, como ciência, deveria estar de fora de quaisquer tentativas de manipulação político-ideológica, que são sempre justificadas através de argumentações absurdas e totalmente anti-científicas. No entanto, as próprias ciências parecem ter sido seqüestradas por um discurso obscuro, mas muitas vezes sofisticado, que consagra o relativismo como uma regra geral.

O Dr. Angotti Neto, em face dos desvios conceituais em relação ao valor da vida humana, um princípio essencial à Medicina, propõe uma reflexão acerca dos preceitos éticos que a fundamentam. Seu diagnóstico é que a Medicina corre sério perigo de se tornar apenas um instrumento de engenharia social para atender às demandas puramente ideológicas de uma revolução cultural e ética destinada a modificar valores, atitudes e comportamentos.

É urgente, portanto, uma séria reflexão sobre o papel do médico na sociedade. Pois, segundo o Dr. Angotti Neto, “ser médico subentende não apenas uma forma de agir, mas também uma forma de agir como reflexo de uma forma de pensar, uma forma de ser, na busca de um ideal. No entanto, sob qualquer aspecto, essa causa formal do médico está intrinsecamente ligada ao respeito pela vida humana”.

Ficha Técnica:

Número de Páginas: 156
Editora: Vide Editorial
Idioma: Português
ISBN: 978-85-673-940-15
Dimensões do Livro: 14 x 21 cm

Link para adquirir o livro: http://www.videeditorial.com.br/index.php?page=shop.product_details&flypage=flypage.tpl&product_id=4303&category_id=40&option=com_virtuemart&Itemid=55

sábado, 27 de setembro de 2014

II SEMINÁRIO DE HUMANIDADES MÉDICAS


Dia 24 de outubro de 2014 ocorrerá o II Seminário de Humanidades do UNESC. O tema central será Tanatologia, isto é, o estudo da Morte do ser humano, aspecto essencial dos cuidados com a saúde.

Promovido pelo Centro Universitário do Espírito Santo, pela Revista Mirabilia e pelo Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina.

Convidados de nível internacional.

Em outubro a capital da Bioética e das Humanidades Médicas no Espírito Santo será Colatina!

Acesse a programação em: http://www.unesc.br/website/backend/uploads/imagem/d664df0eeb04f2aa345cdece0d272eca.pdf


Palestra: Os Cristãos e os Desafios Éticos


Palestra proferida na III Igreja Presbiteriana de Colatina
Temas abordados: Academia Brasileira, valores da sociedade brasileira, cristianismo e sociedade, valores da elite intelectual brasileira, sociedade laica, ateísmo militante, eugenia, etc.

PARTE 1

PARTE 2

PARTE 3


A MORTE DA MEDICINA - Palestra de Lançamento do Livro


Uma palestra seguida por uma série de perguntas e respostas sobre ameaças à Medicina e sobre como ser médico e fazer Medicina com qualidade e ética.

POLÍTICAS DE INTERIORIZAÇÃO DO MÉDICO BRASILEIRO: O PROVAB E A POLÍTICA NACIONAL E INTERNACIONAL


Vídeo da apresentação do dia 06 de novembro de 2013 no Fórum da AEMED-ES. Uma pequena correção, o trecho da República de Platão citado é uma fala de Polemarco, e não de Trasímaco. Para acessar o artigo sobre a palestra acesse: http://www.ecsbdefesa.com.br/defesa/fts/PIMB.pdf


Bioética e guerra cultural III: o escotoma negativo abstrativo

Publicado originalmente no Mídia sem Máscara em 13 de junho de 2014.


Lembro de uma vez na qual Olavo de Carvalho utilizou o termo escotoma para se referir à ausência perceptiva de certo ponto numa questão. Em oftalmologia dizemos que o escotoma é uma mancha no campo visual do paciente, uma ausência localizada de percepção visual. Quando o paciente percebe que a mancha está lá, chama-se o escotoma de positivo; por outro lado, quando a mancha não é percebida pelo paciente, estamos diante do escotoma negativo.
A analogia possível em termos de apreensão da realidade ao se abordar uma questão bioética é interessante, e exemplifica um erro constante em nosso meio. Teríamos um escotoma negativo abstrativo quando recortes da realidade passam ao largo da intelecção ou do raciocínio humano, sendo estes os reféns de determinados aspectos abstratos pré-estabelecidos numa discussão ou na análise de uma situação. É um tipo de armadilha lógica.
Uma busca de limpeza de tais escotomas foi feita no livro “A Morte da Medicina”, a ser lançado pela Vide Editorial em breve (1). Mas um breve exemplo aqui pode ser esclarecedor.
Talvez o escotoma negativo abstrativo mais usado, e abusado, seja aquele utilizado pelo grupo chamado de “pró-escolha”.
Na questão de se liberar ou não o abortamento voluntário, o aspecto ressaltado é o da autonomia materna para decidir livremente acerca de seu corpo, tomado como sua propriedade.(2)
Concentra-se a atenção em determinado aspecto retirado da realidade, recusando-se a perceber, ou dar percepção, a outros aspectos igualmente reais. É uma abstração que leva irremediavelmente ao reducionismo quando se analisa um problema, erro imperdoável na filosofia.
E se removermos o escotoma? O que veremos, ou por onde seremos obrigados a abordar a questão?
Ainda na perspectiva do princípio da autonomia (3), será necessário avaliar a autonomia biológica, ontológica e social do feto, assim como a do médico, capaz de tecer objeção de consciência, por exemplo. Por fim, porque não falar da autonomia paterna, coparticipante na gestação, mesmo que de forma menos direta?
Se tomarmos os princípios da beneficência e da não maleficência, será necessário abordar o problema sob o aspecto dos benefícios e malefícios esperados para todos os envolvidos. Ao abordar a questão do aborto somente da perspectiva da autonomia da mãe, deixa-se de falar quais as consequências físicas e psicológicas do aborto para o organismo materno, incluindo depressão, infertilidade, hemorragia e outras complicações diversas. Também é necessário falar do feto ou do bebê, inevitavelmente o mais prejudicado. E por que não falar do médico e de quais consequências psicológicas e morais ele sofrerá?
Finalmente, ainda dentro dos princípios clássicos da Bioética, teremos que falar da Justiça, e será necessário questionar se o ato de matar fetos e bebês, por definição seres humanos inocentes e indefesos, provocará ou promoverá justiça ou injustiça na sociedade. Quais as consequências civilizacionais e culturais da institucionalização do aborto?
Poderíamos ainda falar de aspectos econômicos, transcendentais, biológicos em larga escala, geopolíticos, emocionais e tantos outros numa lista que é virtualmente ilimitada. O que não se pode fazer é reduzir tudo a uma questão pura e simples de escolha, e esta de uma pessoa somente.
No fim das contas, o escotoma abstrativo não passa de um empobrecimento da apreensão da realidade e da inteligência humana, um artifício antidialético que só pode resultar numa opinião muito mal fundamentada.
Outros exemplos são fáceis de achar, não somente na Bioética, mas em todos os campos de estudo.
A abordagem historicista do Juramento de Hipócrates, as críticas governistas à medicina brasileira, as soluções simplistas e propagandistas às vésperas da eleição... Escolha você mesmo um item da imensa lista de escotomas imbecilizantes para treinar, e limpe seu intelecto dessas manchas num esforço sadio.

Notas:1 - ANGOTTI-NETO, Hélio. A Morte da Medicina. Campinas, SP: VIDE Editorial, 2014. Disponível em: <http://www.videeditorial.com.br/VIDE-Editorial/A-Morte-da-Medicina/flypage.tpl.html>.
2 - Como pode ser visto em: JURKEWICZ, Regina. A escolha sobre o corpo. Le Monde Diplomatique Brasil, 2010. Disponível em: <http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=619>. Acesso em: 10 jun. 2014.
3 - Os Princípios da Bioética, conforme a obra clássica “Princípios de Ética Biomédica”, são a beneficência, a não maleficência, a autonomia e a justiça. Cf. BEAUCHAMP, Tom; CHILDRESS James. Princípios da Ética biomédica. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

Bioética e guerra cultural II: assassinando legados culturais

Originalmente publicado no Mídia sem Máscara em 04 de junho de 2014.


Uma das formas mais discutidas, porém nem sempre percebidas, de se alterar os valores de uma sociedade é, sem dúvida nenhuma, a manipulação histórica e cultural.
Exemplos literários não saem de nossa cabeça. Quem não se lembra da distopia de Orwell, 1984? O Ministério da Verdade era aquele que cuidava justamente da reescrita da história, num paralelo interessante com as atuais comissões de busca ideológica da verdade.
Uma das absurdidades de nossos dias de analfabetismo funcional é a proposta de vulgarizar Machado de Assis, na qual uma estudiosa irá assassinar Machado, na prática, com dinheiro público, já que conseguiu apoio da Lei Rouanet, do Ministério da Cultura.[1] Ao invés de elevar a capacidade compreensiva e expressiva de nossas crianças e jovens, o que se propõe é destruir o legado de Machado de Assis sob a desculpa de torná-lo acessível. Por fim, o que se alcança é a acessibilidade de um texto reinventado por outra pessoa.
Além de tornar idéias complexas e sutis em realidades distantes, quase alienígenas, idéias estas anteriormente comunicadas por meio do esforço árduo dos grandes escritores, essa vulgarização acabará por alterar o próprio significado do que Machado desejou transmitir. É, literalmente, a destruição da nossa agonizante cultura, daquele resto que nos alcançou depois de décadas de massacre e mediocrização intelectual.
Mas neste caso, há um precedente importantíssimo na medicina. Hipócrates, um antepassado muito mais distante, já sofreu nas mãos desses reinventores da cultura. A comparação entre o texto original e o que hoje em dia se oferece em códigos de ética pelos próprios conselhos de classe falará por si mesma:
Juramento de Hipócrates Original
Juro por Apolo médico, Asclépio, Hígia, Panacéia (3) e todos os deuses e deusas,fazendo-os testemunhas de que conforme minha capacidade e discernimento cumprireieste juramento e compromisso escrito:
Considerar aquele que me ensinou esta arte igual a meus pais, compartilhar com elemeus recursos e se necessário prover o que lhe faltar; considerar seus filhos meus irmãos, e aos do sexo masculino ensinarei esta arte, se desejarem aprendê-la, sem remuneraçãoou compromisso escrito; compartilhar os preceitos, ensinamentos e todas as demais instruções com os meus filhos, os filhos daquele que me ensinou, os discípulosque assumiram compromisso por escrito e prestaram juramento conforme a leimédica, e com ninguém mais;utilizarei a dieta para benefício dos que sofrem, conforme minha capacidade e discernimento,e além disso evitarei o mal e a injustiça;não darei a quem pedir nenhuma droga mortal e nem darei esse tipo de instrução; domesmo modo, não darei a mulher alguma pessário para abortar; com pureza e santidade conservarei minha vida e minha arte;não operarei ninguém que tenha a doença da pedra, e cederei o lugar aos homensque fazem isso;em quantas casas eu entrar, entrarei para benefício dos que sofrem, evitando todainjustiça voluntária ou outra forma de corrupção, e também atos libidinosos no corpode mulheres e homens, livres ou escravos;o que vir e ouvir durante o tratamento sobre a vida dos homens, sem relação com otratamento e que não for necessário divulgar, calarei, considerando tais coisas segredo.
Se cumprir e não violar este juramento, que eu possa desfrutar minha vida e minhaarte afamado junto a todos os homens, para sempre; mas se eu o transgredir e nãocumprir, o contrário dessas coisas aconteça.[2]


Juramento de Hipócrates amputado
Prometo que ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência.
Penetrando no interior dos lares, meus olhos serão cegos, minha língua calará os segredos que me forem revelados, os quais terei como preceito de honra.
Nunca me servirei da profissão para corromper os costumes e favorecer o crime.
Se eu cumprir este juramento com fidelidade, goze eu, para sempre, a minha vida e a minha arte de boa reputação entre os homens.
Se o infringir ou dele me afastar, suceda-me o contrario.[3]


O médico deixou de ser um herói ou santo, eterno buscador da excelência e da virtude, deixou de ser um professo, um vocacionado, e tornou-se um honrado burguês preocupado com sua reputação entre os homens. E, de forma bem escancarada, simplesmente não se menciona o valor da vida ao proibir a eutanásia, o suicídio assistido e o abortamento voluntário.
E o que veio depois ainda foi mais chocante: o Conselho Federal de Medicina tentou emplacar uma resolução para liberação do abortamento até a 12ª semana!
Numa brincadeira boba com as palavras, o documento justifica-se da seguinte forma: 


É importante frisar que não se decidiu serem os Conselhos de Medicina favoráveis ao aborto, mas, sim, à autonomia da mulher e do médico. É como falar que cebola não faz com que ardam nossos olhos, ela tempera a comida simplesmente! O documento declara, com todas as palavras, que seria feito o abortamento por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação.[4]
Felizmente nem todos os conselhos concordaram.[5]
Isso tudo num país majoritariamente contra o aborto e que adota a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) como Norma Constitucional! No pacto está descrito quepessoa é todo ser humano, e que toda vida do ser humano deve ser protegida desde sua concepção.[6]
Mas voltemos ao Juramento.
É óbvio que o mesmo, assim como a obra de Machado de Assis, deve ser interpretado após o estudo adequado. Leitores incultos – e, às vezes, mal intencionados - enxergam no Juramento o machismo grego como se fosse machismo médico, ou o respeito aos mestres como corporativismo, obviamente uma deturpação inaceitável para alguém que domine o mínimo de metodologia necessária ao ler um documento antigo.
A solução não é destruir o Juramento criando uma versão falsificada e inodora, ou distorcer a interpretação e a correta contextualização do original. Da mesma forma a solução não é destruir Machado de Assis em sua originalidade e genialidade.
A solução também não é proibir a versão original como tentaram fazer com o Monteiro Lobato, enxergando em suas brincadeiras literárias infantis um racismo cruel com a personagem de Tia Anastácia.[7]
A solução, ou a tentativa de evitar a criação de um grande problema, é resgatar a cultura e adquirir os significados e a expressividade de nosso legado. É estudar de forma adequada, respeitosa e prudente. É imperativo saber que essas “pequenas” mudanças culturais podem degenerar em assombrosas mutações civilizacionais.[8]
Destrua a cultura da vida e o legado da medicina hipocrática e cristã, e a sociedade é quem pagará o preço. A medicina no Brasil já sente a decadência cultural, política e moral em suas fileiras, e já é escorraçada e desmoralizada pelo partido governante. Se o médico brasileiro não aprender direito o que é ser médico e qual o valor da alta cultura (a verdadeira e única digna do nome, diga-se de passagem), provavelmente será o pequeno burguês de boas aparências do Juramento de Hipócrates adulterado.[9] Destrua a verdadeira cultura e a memória da medicina, e nossos médicos alcançarão a irrelevância frente à sociedade, tornando-se meros burocratas da saúde.


Notas:

[1] AZEVEDO, Reinaldo. Em vez de uma escola brasileira à altura de Machado, um “Machado” à baixura da escola brasileira. Blog Reinaldo Azevedo. Veja, 2014. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/em-vez-de-uma-escola-brasileira-a-altura-de-machado-um-machado-a-baixura-da-escola-brasileira/>. Acesso em: 03 jun. 2014.
[2] RIBEIRO JR., W.A. Juramento de Hipócrates. Modelo 19, Araraquara, v. 4, n. 9, p. 69-72,1999. Disponível em: <http://warj.med.br/pub/pdf/juramento.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2014.
[3]CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO DISTRITO FEDERAL. Código de Ética do Estudante de Medicina 3ª Edição. Brasília, DF, 2004.
[4] CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Circular CFM N° 46/2013. Brasília, DF, 2013. Disponível em: <http://waldircardoso.files.wordpress.com/2013/03/ofc3adcio-circular-cfm-46-2013.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2014.
[5] PEREIRA, Sandra Helena. Posição do Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES) e do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre o abortamento voluntário. Mirabilia (Medicinae), 2013,vol. 1, pp. 7-12.
[6] MINISTÉRIO DAS RELAÇÔES EXTERIORES. Convenção Americana Sobre Direitos Humanos. Em vigor no Brasil desde 1992, conforme o Decreto 678, de 06 nov. 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em: 03 jun. 2014.
[7] MENDES, Priscilla. Mais uma obra de Monteiro Lobato é questionada por suposto racismo. Brasília: G1 Educação. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/09/mais-uma-obra-de-monteiro-lobato-e-questionada-por-suposto-racismo.html>. Acesso em: 03 jun. 2014.
[8] Indico as seguintes obras para começar a entender o perigo que uma alteração de idéias pode representar: WEAVER, Richard. Idéias têm Consequências. São Paulo: Vide Editorial, 2012; JONAS, Hans. O Princípio da Responsabilidade. Rio de Janeiro: Editora PUC Rio, 2011.
[9] Para compreender melhor o que é ser médico no contexto histórico e filosófico, e como a benevolência e a busca pela excelência atuam num contexto de amizade com o paciente para estabelecer a Relação Médico-Paciente de forma adequada, sugiro a leitura das obras de Diego Gracia e Edmund Pellegrino. GRACIA-Guillén, Diego. Fundamentos de Bioética. Madrid: Editorial Triacastela, 2011; PELLEGRINO, Edmund. The Philosophy of Medicine Reborn: A Pellegrino Reader. Notre Dame, Indiana: University of Notre Dame Press, 2011.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Bioética e guerra cultural: manipulação semântica - aborto e infanticídio

Artigo publicado originalmente no portal Mídia Sem Máscara em 22 de maio de 2014: http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/15208-2014-05-22-21-49-39.html

O aborto pode ser chamado de infanticídio porque tanto o feto quanto o bebê recém-nascido não são pessoas.[1]
 
Se você é um médico ginecologista e não quer fazer abortamentos, é como um policial que não usa armas, e deve parar de exercer sua profissão.[2]
 
Num serviço público, de acordo com a norma técnica, o médico responsável é obrigado a fornecer o abortamento.[3]


Há uma guerra cultural pelo coração do Ocidente.[4] E, puxados para o centro dessa guerra, estão conceitos cardinais à vida humana e à forma como as pessoas enxergam o mundo e a si mesmas. Tais conceitos e formas de enxergar o mundo são tratados diretamente pela medicina e pelas profissões que lidam com a vida, a morte e o sofrimento humano, daí a importância das práticas de saúde neste cenário belicoso de nossos dias.
 
A medicina, obviamente, está no olho do furacão, justamente pelo fato de que ela pode ser instrumentalizada para outros fins que não a saúde do ser humano. Uma das formas mais insidiosas e perigosas dessa instrumentalização, sem dúvida nenhuma, é por meio da engenharia social movida pela troca de palavras e de idéias.

Trocando-se palavras, por exemplo, trocam-se conceitos e formas de pensamento, como já avisava George Orwell em sua distópica obra “1984”. Alguns conceitos importantes são suprimidos e outros, de menor importância, são elevados à categoria de princípios de grande destaque. Isso acontece no dia a dia quando somos submetidos à propaganda ou a campanhas diversas, porém quando tais “termos manipulados” lidam diretamente com nossa vida e com os parâmetros pelos quais julgamos tudo o que nos cerca, estamos mexendo perigosamente com as fundações de nossa civilização.
 
Os exemplos no início deste texto ilustram bem um processo que poderia ser chamado de engenharia social das palavras.
 
O simples expediente de chamar uma coisa pelo nome de outra pode gerar alterações profundas na percepção e na prática da medicina e na sociedade como um todo. O exemplo aqui citado é o da troca da palavra “infanticídio” (ou assassinato de bebês, se preferir) pelo termo “aborto pós-nascimento”.
 
Uma breve análise dessa troca, utilizando as ferramentas, descritas de forma sintética por Pascal Bernardin em seu livro Maquiavel Pedagogo [5], pode chocar pela obviedade de tal operação e pelos possíveis resultados, mesmo que não intencionados pelos autores de tal proposta.
 
A troca de nomes (infanticídio por aborto) foi proposta por membros da comunidade acadêmica, que discutem em círculo discreto há cerca de quarenta anos. Em suas discussões, recortes abstratos de conceitos importantes, amplos e, muitas vezes escorregadios, como o de “pessoa”, dão origem a uma série de conclusões que aos poucos ganham força e projeção em meios especializados.
 
Os fatos de que tais discussões são geradas e mantidas por autoridades acadêmicas, e que tais autoridades circulam em meio à comunidade de estudantes e pesquisadores com grande destaque, já bastam para que haja um forte contexto de convencimento acerca de sua razoabilidade. Adicione isto a um periódico bem qualificado internacionalmente - onde autores se esforçam para publicar e ganhar notoriedade científica - e o palco está armado.
 
Juntando isso ao eufemismo proposto, completa-se um importante conjunto de atividades com alto potencial de mudança social. O eufemismo de um ato extremamente repudiado pelas pessoas comunsconfigura ao mesmo tempo dois recursos psicológicos básicos na arte de convencer. Chamar uma coisa grotesca como matar um bebê por um nome de algo menos repudiado, como um abortamento, pode ser considerado um recurso do tipo “pé-na-porta”, onde o ouvinte corre o risco de aceitar 12 escutando meia dúzia. Por outro lado, o mero fato de se discutir infanticídio como algo racional já pode induzir o efeito “porta-na-cara”, no qual um repúdio imediato pode dessensibilizar aqueles menos perceptivos e gerar uma maior aceitação de atos aparentemente menos grotescos como o de abortar um feto.
 
Tudo isso ao lado de medidas governamentais - obrigando médicos a realizar o abortamento - pode levar inevitavelmente ao que se chama de dissonância cognitiva, onde há uma mudança de pensamento e de valores após realizar um ato do qual se discordava previamente, mudança esta causada pela racionalização e introjeção do comportamento realizado. O comportamento alterado pode ser simples como chamar uma coisa por outro nome, e complexo como executar um ato cirúrgico imoral.
 
Falar contra essa impostura psicológica e intelectual é tido por muitos como “fundamentalismo[6]”, mas há que se falar na “intolerância dos tolerantes”, que proíbem ao médico realizar uma simples, e essencial, objeção de consciência!
 
Resumindo: junte a Submissão à Autoridade, o Conformismo Grupal, o Pé-na-Porta, o Porta-na-Cara, a Dissonância Cognitiva, a Imposição Governamental e o reforço de tudo isso por “formadores de opinião”, e você obterá um forte elemento de guerra cultural em ação.
 
Quando os autores do artigo que propunha a troca do termo "infanticídio" por "abortamento pós-nascimento" foram respondidos por centenas de protestos e mensagens de repúdio, muitas vezes com alto teor de agressividade, o estrago já estava feito. Eles, de certa forma, se desculparam dizendo que tudo não passa de um debate de idéias. Mas quantos crimes horrendos e democídios não começaram com simples debates de idéia?
 
Em uma carta aberta na qual Giubilini e Minerva declaram-se surpresos pela ojeriza coletiva, e afirmam que “ninguém deveria ser hostilizado por um artigo acadêmico num tema controverso”, uma resposta muito óbvia é dada por um leitor: “Suponhamos que vocês argumentem acerca da morte de uma minoria étnica numa sociedade acometida pelo racismo, vocês esperariam aplausos?” [7] Outro ponto é a percepção direta e clara da postura hostil ao se defender a ausência de status moral de fetos e crianças, mesmo que tal defesa seja executada sob o manto de uma linguagem acadêmica.
 
O leite está derramado e incontáveis atos de manipulação semântica chegam aos nossos ouvidos a cada dia, trocando valores, camuflando intenções e propondo novas cosmovisões. O mínimo que se pode fazer é permitir um espaço para uma verdadeira altercação intelectual, onde tais venenos sutis possam se transformar em poderosas vacinas, e onde propostas agressivas com palavras suaves possam ser respondidas de forma clara e direta.
 
Com satisfação, encontro alguns desses espaços em atividade. Um exemplo é o próprio portal Mídia sem Máscara. Outro espaço para o debate franco e aberto de idéias e o oferecimento de um contraponto verdadeiro é a Vide Editorial, onde o esforço pessoal de responder a tais manipulações semânticas materializou-se no livro “A Morte da Medicina” [8]. Por fim, uma resposta acadêmica foi publicada recentemente [9].
 
Na sequência deste artigo, tratarei de outros elementos abordados de forma mais minuciosa no livro “Morte da Medicina” e expandirei a análise em outros temas contemporâneos da Bioética.


Notas:

[1] Cf. GIUBILINI A, MINERVA F. After-birth abortion: why should the Baby live? J Med Ethics 2013; 39:261-263.
[2] Cf. VATTIMO G. Nihilism and Emancipation. New York: Columbia University Press, 2004. SAVULESCU J. ConscientiousObjection in Medicine. Brittish Medical Journal 2006; 332: 294-7.
[3] PENITENTE LS. Aspectos Jurídicos, Sociais e Éticos do Aborto. Mirabilia Medicinae 2013; 1: 13-24. PENITENTE LS et. al. Debate sobre o Abortamento Voluntário. Mirabilia Medicinae 2013; 1: 25-39.
[4]Países que nasceram com a junção da filosofia grega, do direito romano e da religião judaica sob a ascensão do Cristianismo.
[5] BERNARDIN P. Maquiavel Pedagogo. Campinas (SP): Vide Editorial, 2012.
[6] JURKEWICZ RS. A sscolha sobre o corpo. Publicado no Jornal “Le Monde Diplomatique Brasil em 03 de fevereiro de 2010. Disponível em: <http://www.diplomatique.org.br/artiho.php?id=619>. Acessado em 19 mai. 2014.
[7]BRASSINGTON I. An Open Letter from Giubilini and Minerva. Journal of Medical Ethics Blog 2Mar 2012.
[8] Lançamento pela VIDE Editorial previsto para20 de Junho de 2014.
[9] ANGOTTI-NETO H. Abordagem crítica filosófica, científica e pragmática ao abortamento pós-nascimento. Revista Bioética 2014; 22(1): 57-65.

1984: A PROFECIA MODERNA DE GEORGE ORWELL

 
A segunda Guerra terminou!

O totalitarismo se expande e é levado até suas últimas consequências. Assim acontece no livro de George Orwell, ficção feita como aviso ao futuro sobre os males que o autor identificara na sua ideologia prévia, no momento de sua desilusão com o comunismo.

Lá no livro está o Partido Socialista Inglês, o superpartido que é a razão última da existência e agente coletivo do poder. Gramsci se sentiria em casa, pois o seu príncipe partidário e maquiavélico é facilmente reconhecível no Grande Irmão Orwelliano. Não se honra o país, a família, a religião; se vive e se honra somente o partido. O partido de 1984 é eterno, onisciente, onipotente e onipresente numa caricatura porca da Divindade renegada pelos homens. É o fechamento do ser humano à transcendência como Voegelin bem notara em sua época.

Lá está o duplipensar, caracterizado por aceitar contradições óbvias e acabar num emburrecimento completo, tornando-se incapaz de enxergar o óbvio perante o nariz. O Estado laico proíbe cristianismo nas escolas, mas ao mesmo tempo estimula o ensino das religiões africanas. O Estado não permite pena de morte, mas estimula a morte maciça de crianças no abortamento. O Estado prega a igualdade de direitos, mas favorece minorias declaradamente.
O Estado prega a distribuição de renda, mas na verdade acumula poder num partido que engloba e afunda a noção de país soberano. O Estado proíbe drogas, mas está aliado a narcotraficantes terroristas de outros países.

Em 1984 encontramos o controle dos pensamentos, um politicamente correto de nossos dias
levado às últimas consequências. Lá o indivíduo é uma ilusão, e somente o coletivo do partido
existe e é eterno.

Lá está a novafala (ou novilíngua), com seus conceitos que proíbem pensamentos. E aqui temos as palavras que são imbuídas de preconceitos paralisantes e dementes. O reacionário, a direita, o católico, o crente, o religioso, o certinho, e tantas outras palavras que são muitas vezes assumidas ou ditas com um pedido encoberto e covarde de desculpas.
 
Lá está o subjetivismo moderno e a recusa de uma realidade objetiva, subjetivismo este que motiva nossa política e nossa iletrada classe letrada.
 
O'Brien, o terrível agente da Polícia das Idéias e carrasco do Ministério do Amor (onde se encontram os presos políticos), hoje é visto nos nossos intelectuais subjetivistas e niilistas, que apóiam partidos e desconstroem o passado e a realidade. Como Viktor Frankl dizia, a culpa dos campos de concentração está nos filósofos niilistas ganhadores de prêmios internacionais.
 
O passado no 1984 inclemente de Orwell é um brinquedo na mão do partido. Fatos são reescritos e a memória se perde num emaranhado de anseios políticos de dominação. Hoje nossos livros de história são porcamente escritos com propagandas descaradas que elogiam genocidas brutais e desumanos como Stalin e Mao.
 
Orwell captou bem o objetivo da elite pensante por trás das ideologias de massa: acumulação do poder, da força. Criar uma nova elite brutalmente poderosa. Controlar não só a economia, mas a mente e o coração.

O núcleo do partido deixou de ser composto por guerreiros e nobres, tornando-se uma elite de burocratas intelectuais. O resto do partido se enquadra no que Lênin chamava de inocentes úteis, passíveis de serem eliminados uma vez que se tornassem inconvenientes. O proletário continua proletário, mais pobre e mais oprimido, achando que melhorou, manobrado pelas idéias de seus governantes. Os inocentes úteis são os nossos intelectuais de segunda ordem, os professores e sociólogos que acham fazer um bem ao pregar suas ideologias ultrapassadas.

Ainda bem que Orwell não viveu para ver o Brasil de hoje! Ele morreria muito preocupado, percebendo que suas palavras foram jogadas ao vento.
 
E no fim, o herói morre aprendendo uma severa lição: quando finalmente o ser humano se dobrar de corpo e alma à tirania, seu prêmio irremediavelmente será a aniquilação...