segunda-feira, 28 de março de 2016

BIOÉTICA DA ELITE "ESCLARECIDA"

BIOÉTICA DA "ELITE ESCLARECIDA"

BIOÉTICA PARA O POVO, PELO POVO OU SOBRE O POVO? REFLEXÕES ACERCA DA BIOÉTICA COMO INSTRUMENTO DE ENGENHARIA SOCIAL


Em recente artigo publicado no Academia Médica, tratei acerca do aspecto de poder cultural ligado à Bioética. Neste, analiso algumas consequências e exemplos dessa realidade.

O discurso padrão nos informa que os jovens das décadas de 60 e 70, fomentados pela ideologia trazida pela famigerada Escola de Frankfurt, se ergueram contra as convenções, contra as tradições e contra o elitismo.

Nesse contexto surgiu a Bioética, justificada pelo anseio de democratizar o debate em saúde.

Segundo reza a lenda corrente na academia, deveríamos ter um debate de amplo acesso, diferente do debate enclausurado, elitista e opressor dos médicos, trancafiados em suas torres de marfim com seus códigos exclusivistas e seu Juramento antiquado e ineficaz para nos proteger de abusos horrendos.

O livro de Bioética mais lido no mundo inteiro, por exemplo, já começa anunciado placidamente, inexoravelmente, a derrota da moralidade hipocrática da medicina e a necessidade incontornável da adoção da nova Bioética. É o famigerado Mantra de Georgetown.[1]

Em todo esse cenário, parcialmente verdadeiro e, portanto, verossímil, há diversas mistificações e torções exageradas da realidade.

Não duvido que na raiz da Bioética estava o desejo saudável de transdisciplinaridade. Acredito sinceramente que os melhores bioeticistas ainda anseiam pelo contato com outras mentes e corações apaixonados pela vida humana, e querem realmente abrir o debate sincero em busca do melhor. Mas ao mesmo tempo vejo diversos estudiosos da Bioética que estão claramente dispostos a utilizá-la como arma de combate cultural, como instrumento de engenharia social e até mesmo de opressão contra discordantes.[2]

Quero convidar o leitor à reflexão acerca de quais usos tem sido atribuídos à Bioética em nossos dias.

Embora os médicos sejam acusados de paternalistas e elitistas, não é totalmente certo dizer que a ética denominada profissional é inadequada por não representar a sociedade. Médicos, enfermeiros, psicólogos e fisioterapeutas, entre tantos outros, são membros da sociedade e representam-na, acreditados como profissionais, em seus grêmios.

Mas é óbvio que, ao mesmo tempo, há que se buscar uma harmonia saudável entre os valores gerais da sociedade e os valores específicos de seus habitantes especializados em determinada área, neste caso a da saúde. É no mínimo suspeito ser instaurada uma medicina abortista num país cristão que é maciçamente contra o aborto, como está para acontecer no Brasil.

De certa forma, o debate democratizou, mas talvez não da forma que os mais otimistas esperavam.

Ao invés da participação da sociedade brasileira, muitas vezes observo a ingerência externa e a participação de agências e instituições internacionais totalmente contrárias aos valores brasileiros.[3]

É inegável que, hoje, profissionais de diversos ramos discutem assuntos arcanos onde antes médicos e enfermeiros dominavam. Porém, os assuntos ainda permanecem arcanos, dominados por “magos” diferentes.

Os temas especializados da Bioética ainda habitam o interior de suas torres de marfim e repetidamente revelam estar muito longe dos valores do público e de seu escrutínio.

Alguns bioeticistas, filósofos e formuladores de políticas públicas parecem repudiar o contato com a “plebe”. Plebe, esta, repleta daquilo que a Organização das Nações Unidas, por meio da UNESCO, chama de preconceitos familiares, isto é, religião e tradições herdadas.[4]

Descobri que a Bioética não era tão aberta quanto eu imaginava há algum tempo, quando encontrei o artigo que defendia chamar o assassinato de bebês pelo nome de Aborto Pós-Nascimento. Deparei-me com o artigo quase que aleatoriamente, ao passear pelo conteúdo do Journal of Medical Ethics. Levei-o ao Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina para discutir com os alunos e a reação foi quase que unânime: todos estavam chocados em saber como algo tão monstruoso quanto o homicídio infantil fora discutido de forma tão corriqueira, tão vã, no meio acadêmico especializado da Bioética.[5]

A reação na mídia também veio. Pessoas liam horrorizadas o que respeitáveis senhores e senhoras discutiam de cima de suas cátedras, com palavras elegantes e conceitos rigorosos. Era uma obscenidade, mas era uma obscenidade elegante e lógica, entenda bem.

Do outro lado, editores e pesquisadores reclamaram da violência verbal daqueles “populares” que leram o artigo e responderam horrorizados à proposta ali contida: matar bebês.

Eram os terríveis “reacionários incultos” que se erguiam escandalizados para censurar o debate iluminado dos acadêmicos.

De um lado havia o choque à sensibilidade moral de milhões de pessoas que mal podiam acreditar no que se propagava num respeitado periódico de ética médica e que reagiam com acusações verbais altamente agressivas; porém, do outro, estava uma elegante e erudita elite universitária que propunha, com termos mui chiques e técnicos – é tudo lógica, afinal – o extermínio de vidas humanas negando-lhes a condição de pessoa digna.

E isso chamou minha atenção.

Vive-se uma guerra cultural, isto não é novidade.

Mas o curioso é que de um lado está a elite política, a elite empresarial e a elite midiática com suas tropas de choque: artistas, professores, repórteres e cantores. Também desse lado está boa parte da elite universitária mundial. Uma privilegiada minoria, sem dúvida. Seus valores, de regra, são justamente o contrário do que o povo brasileiro maciçamente defende.

O povo é contra o aborto? Reúna atores e cantores para convencer a turba acéfala – ou assim devem achar ao querer manipular a massa de forma tão tosca – de que matar fetos e bebês é a coisa mais linda e progressista do universo.
O povo é religioso? Contrate milhares de professores para ensiná-los que esse negócio de religião é “coisa do capeta” ou, na melhor das hipóteses, é só uma superstição boba de gente burra.

O povo gosta de uma vida pacífica, ordeira e segura? Convença-os de que isso é coisa de burguês acomodado, e que o bom mesmo é exaltar a marginalidade, como Herbert Marcuse já ensinou quando percebeu que os proletários estavam enriquecendo e virando burgueses.

A atual elite que se diz progressista e seus aliados complacentes, interessados mesmo é na grana dos pagadores de impostos, estão aí para ensinar os jovens a rebelarem-se contra os valores de suas famílias, enquanto os domesticam e os preparam a entregar toda sua moral e sua cosmovisão aos iluminados que nunca os viram, ou, se os viram, pouco se importam com seu destino.

A Bioética, nesse contexto de elite praticante da ardilosa engenharia social, tocando ao som dos conselhos maquiavélicos de Gramsci, é mais uma arma do que um canal pelo qual a voz do povo pode se manifestar.

Se determinada escola de bioética convence as pessoas de certos interesses, de certas necessidades de mudanças sociais, a bioética é boa, é excelente, é maravilhosa. Se não, o povo é que é retrógrado e precisa de mais doses de bioética, intratecais, quem sabe?

Mas o que defendo é o seguinte: o povo deve ter acesso à ética médica e à bioética, e estas devem respeitar os valores do povo que as suporta, ao invés de ansiar por uma tosca e desrespeitosa engenharia social. Defender isso não é desestimular o debate, pelo contrário, é respeitar a bioética que respeita os valores do povo e colocar todos os conflitos às claras. O que vejo muitas vezes é a supressão daqueles que discordam de determinada elite.

Só para citar um breve exemplo, fui testemunha pessoal do bloqueio autoritário da participação de um filósofo num evento de Direitos Humanos por causa de seu espectro político de direita. Veja bem, debate só parece ser bom para essas mentes tacanhas quando os dois lados concordam.

E cabe lembrar, aqui no fim, que há muitas bioéticas, e várias respeitam os valores do povo brasileiro sim.

O que não suporto é a bioética ideológica da torre de marfim (ou de rubi, no caso do Brasil), que ao chocar o cidadão comum com seu sangrento pensamento de vanguarda, ataca a moralidade alheia com a pose de iluminada ditadora de parâmetros civilizacionais e guia confiável do povo, suprimindo outras visões e utilizando rótulos odiosos.

Não posso concordar com a utilização de jovens médicos como bucha de canhão e massa de manobra para o ataque aos valores da sociedade no contexto de guerra cultural em que vivemos.

Podem discordar dos valores que eu defendo, e é claro que muitos discordam. Mas que o façam conscientes de seus atos e de suas influências ideológicas, em respeito à própria integridade e à sanidade, e que não tenham a ousadia irresponsável de silenciar um dos lados e chamar isso de debate.



[1] BEAUCHAMP, Tom L.; CHILDRESS, James F. Principles of Biomedical Ethics, Seventh Edition. New York: Oxford University Press, 2013, p. 1.

[2] Exemplos bem conhecidos são os dos bioeticistas internacionalmente famosos, como Giani Vattimo e Julian Savulescu que defendem ser obrigatório para um médico realizar o aborto, independente de seus valores pessoais, e Udo Schüklenk, que escreve contra a objeção de consciência de médicos canadenses que não desejam praticar a eutanásia.

[3] A Organização Mundial da Saúde, claramente favorável ao projeto abortista em países “subdesenvolvidos” ou “em desenvolvimento”, distribui material educativo e pressiona diversos países com sua agenda ideológica específica.

[4] Como denunciado por Pascal Bernardin em seu livro Maquiavel Pedagogo. BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo. Campinas: Vide Editorial, 2010.

[5] GIUBILINI, Alberto; MINERVA, Francesca. After-birth abortion: why should the baby live? Journal of Medical Ethics, (2012). doi:10.1136/medethics-2011-100411 Internet, http://jme.bmj.com/content/early/2012/03/01/medethics-2011-100411.full.pdf+html

sexta-feira, 25 de março de 2016

Pérolas da Medicina: Mortais - Atul Gawande

Mortais - Atul Gawande




"O problema com a medicina moderna e as instituições por ela geradas para cuidar dos doentes e dos idosos não é o fato de terem uma visão incorreta daquilo que dá sentido à vida. O problema é que praticamente não têm visão nenhuma. O foco da medicina é estreito. Os profissionais da área médica concentram-se na reparação da saúde, não no sustento da alma. Porém - e esse é o doloroso paradoxo -, decidimos que são esses os profissionais que devem definir a maneira como vivemos nossos últimos dias. Por mais de meio século, tratamos as provações da doença, do envelhecimento e da mortalidade como questões médicas. Tem sido um experimento de engenharia social, colocando nossos destinos nas mãos de pessoas valorizadas mais por suas capacidades técnicas do que por sua compreensão das necessidades humanas. 

Esse experimento vem fracassando. Se a segurança e a proteção fossem tudo o que buscamos na vida, talvez pudéssemos chegar a uma conclusão diferente. Porém, como buscamos uma vida de valor e propósito, mas ainda assim somos rotineiramente privados das condições que poderiam torná-la possível, não há outra maneira de enxergar o que a sociedade moderna fez."

GAWANDE, Atul. Mortais: Nós, a Medicina e o que realmente importa no final. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2014, p. 124.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Iniciativa Global de Educação em Bioética

Global Bioethics Education Initiative



No final de maio parto para Illinois com o objetivo de passar um mês estudando, pesquisando e apresentando temas ligados à Bioética na Universidade Internacional Trinity. Fui escolhido para integrar a Iniciativa Global de Educação em Bioética do Centro para a Bioética e para a Dignidade Humana.

Anteriormente, foram escolhidos pesquisadores de diversos locais: Polônia, Filipinas, Índia, Camarões, Finlândia e Austrália.



Meu tema principal de pesquisa será o Juramento de Hipócrates e sua interpretação literária, simbólica e moral. 

Lá terei a oportunidade de pesquisar, além do Juramento, outros temas ligados a minhas pesquisas: Bioética Comparativa (estudos em bioética judaica, cristã, transumanista, islâmica, etc) e a obra de Edmund Pellegrino. 

Participarei também da Conferência Anual do CBHD, apresentando meu trabalho sobre o Juramento.



No Brasil, o trabalho de alguns membros do CBHD foi trazido pela Editora Cultura Cristã, que publicou a série sobre Bioética. Atualmente, o CBHD está atuando fortemente na questão da venda de pedaços de bebês e fetos pela multinacional abortista Planned Parenthood.


Será uma excelente oportunidade de ampliar contatos internacionais, aprofundar os conhecimentos e as práticas em Bioética e trazer novidades para o SEFAM aqui no Brasil.