OS DEZ MANDAMENTO DA ESCRAVIDÃO MORAL
O USO DA BIOÉTICA PARA OBRIGAR O EXTERMÍNIO DA VIDA HUMANA
Em Genebra, na Suíça, entre os dias 7 e 9 de junho de 2016,
um punhado de quinze filósofos e bioeticistas se reuniu para instituir um
consenso de 10 pontos para aconselhar governos e instituições profissionais
sobre como lidar com objeção de consciência.[1]
Entre os nomes constam nomes já conhecidos, como Alberto Giubilini e Francesca Minerva,
que publicaram o infame artigo sobre o Aborto Pós-Nascimento,[2]
e Ingmar Perrson e Julian Savulescu, os famosos transumanistas que ambicionam
um futuro distópico de maior controle sobre a consciência alheia. É claro que o
controle, nesse futuro hipotético de super seres humanos adestrados e
maleáveis, será regido pela tecnocracia da qual os iluminados bioeticistas fazem
parte.[3]
Segundo tais estudiosos[4],
eis os 10 mandamentos de como escravizar a consciência dos médicos:
1.
As obrigações primárias dos profissionais da saúde são com seus pacientes e não
com suas próprias consciências. Quando o bem-estar (ou o interesse, ou a saúde)
do paciente está em jogo, as obrigações primárias dos profissionais da saúde
normalmente deveriam ter prioridade sobre suas perspectivas morais ou
religiosas.[5]
Sentir-se obrigado com o paciente é uma forma de estar
obrigado pela própria consciência, que nos motiva a nos preocuparmos com o
paciente. Esse dualismo entre cuidar da própria consciência ou cuidar do
paciente é um jogo de palavras que força sobre nossa percepção um dilema
completamente equivocado e abstrato, muito distante da realidade concreta do
laço terapêutico entre médicos e pacientes.
Outra imprecisão é o uso da palavra bem estar do paciente. Sem moralidade médica objetiva, que bem estar ou interesse deveria o médico prezar? A coisa toda é de uma imprecisão insuportável.
Como tantas vezes acontece em nossa academia, tudo parece um
tenebroso jogo de figuras de linguagem que expressam muito mais sentimentos,
espantalhos e alertas de perigo do que verdades reais e concretas.
2.
Caso haja conflito entre a consciência do profissional e o desejo do paciente
por um serviço médico, legalizado e profissionalmente sancionado, o
profissional deve se assegurar de que o paciente receberá o cuidado o quanto
antes. Quando ocorrer objeção de consciência, deverá encaminhar o paciente a
outro profissional que esteja apto a realizar o procedimento. Em situações de
emergência, quando o encaminhamento não for possível, ou quando representar um
grande fardo para o paciente ou para o Sistema de saúde, os profissionais devem
prover o serviço eles mesmos.[6]
Há de concordar que “grande fardo” é um termo um tanto
subjetivo e, portanto, sujeito a abusos e distorções. E encaminhar o paciente a
alguém que cometerá um ato imoral guarda em si um aspecto de imoralidade.
Imagina um médico que se negue a tomar parte no suicídio assistido encaminhando
o paciente ao seu executor, com nome e endereço! Se o Estado ou os iluminados
tecnocratas desejam colaborar na morte de seus “súditos”, que providenciem uma
lista de executores ou carrascos. O ofício é muito antigo, e é muito mais
sincero evidenciar o desejo da elite em prover o extermínio daqueles que
deveriam proteger do que corromper toda uma classe profissional destinada à
defesa da vida e da dignidade humana.
3.
Profissionais do cuidado com a saúde que desejarem fazer objeção de consciência
quanto à disponibilização de tratamento médico deveriam explicar a lógica por
trás de sua decisão.[7]
Fala-se como se um profissional que fizesse objeção de
consciência não devesse explicar sempre sua lógica! Mesmo nas condutas mais
simples e pouco controversas o médico sempre deve se explicar ao paciente.
Elencar isso como objetivo pode passar a impressão falsa e infame de que
pessoas que fazem objeção de consciência são irracionais ou não conseguiriam se
explicar. É um insulto sutil.
4.
No tocante à objeção de consciência, a situação no Reino Unido e em vários
outros países ocidentais é indefensável. Praticantes da assistência à saúde
podem negar conscientemente o acesso aos serviços seguros, legalmente
disponíveis, socialmente aceitos e prescritos por médicos que são exigidos por
seus pacientes por qualquer razão que seja. Isso se deve em parte ao ambiente
público no qual o profissional escolhe atuar, onde não há cobrança sobre ele
para que se demonstre a razoabilidade e a sinceridade da sua objeção de
consciência, o que deveria ser cobrado do profissional.[8]
A acusação de que médicos e demais profissionais da saúde
tomam decisões arbitrárias, irracionais e inexplicáveis é, na esmagadora
maioria dos casos, completamente falsa. Os autores do manifesto falam como se
profissionais da saúde fossem criaturas imbecis e arrogantes, que passam o seu tempo
a enganar o próximo e criar desculpas esfarrapadas para não trabalhar. É lamentável
que este seja o nível de ausência empática que serve de base para criticar o
posicionamento favorável à defesa da vida humana. Ainda mais lamentável é que
tal discurso seja feito no cerne da bioética que, teoricamente, foi criada
para o diálogo empático.
5.
Em tais países, as razões oferecidas por profissionais da saúde para objeção de
consciência devem ser verificadas por tribunais, que poderiam atestar sua
sinceridade, força e razoabilidade em relação a determinados serviços médicos.[9]
A solução proposta do tribunal da consciência é digna de um
Estado Orwelliano, característico dos mais terríveis pesadelos distópicos. É um
caminho aberto à perseguição ideológica e religiosa, um excelente instrumento
para o controle tirânico do cidadão comum. Que grupos de pessoas instruídas
proponham isso abertamente parece a mim um assustador sinal de como pessoas
inteligentes e professores podem propor as mais estapafúrdias ideias.
6.
Legisladores devem assegurar um número suficiente de profissionais sem objeção
de consciência em cada região geográfica, para que os pacientes obtenham os
serviços desejados em tempo adequado, mesmo que alguns profissionais apresentem
objeção de consciência contras prestar tais serviços. Isso implica em que
autoridades locais sejam autorizadas a contratar com base no fato de que certos
profissionais não farão objeção de consciência.[10]
Se algum país optar por fazer uma lista de executores com o
intuito de exterminar seus habitantes, paciência. Chamar isso de assistência
médica ou medicina, por outro lado, é altamente questionável desde os tempos de
Hipócrates. Outro ponto assustador é a varredura ideológica geográfica,
identificando crenças na população e tabulando pessoas conforme sua
concordância ou discordância ideológica com a política da elite governante. É
um poderoso instrumento de controle das massas com um monstruoso potencial para
causar danos.
7.
Profissionais da saúde que se recusam a realizar certos atos por objeção de
consciência devem ser obrigados a compensar a sociedade e ao sistema de saúde
por sua falha em cumprir suas obrigações profissionais em prover serviços
benéficos ao público.[11]
Não bastasse o tribunal de consciência proposto, ainda há a
sugestão de trabalho comunitário forçado por alegar objeção de consciência,
tratando o médico consciente como um tipo de contraventor ou criminoso. A
dicotomia entre servir ao Estado ou servir aos ditames da própria consciência
em busca da realização profissional também guarda potencial de forte
autoritarismo.
8.
Estudantes de medicina não devem ser liberados da aprendizagem de procedimentos
básicos que considerem moralmente errados. Mesmo que venham a fazer objeção de
consciência, ainda deverá ser obrigatório que façam os procedimentos que
geraram a objeção em situações de emergência ou em situações nos quais o
encaminhamento é impossível ou implica em um grande fardo sobre os pacientes ou
o sistema de saúde.[12]
Obrigar alguém a fazer um ato que considera moralmente
errado é uma antiga técnica de manipulação mental que leva à dissonância
cognitiva. A participação em um ato imoral leva invariavelmente à
racionalização do ato mediante a culpa sentida pelo indivíduo. Para proteger
sua integridade psíquica, o recurso encontrado muitas vezes é alterar sua forma
de enxergar o mundo e suprimir sua moralidade, adaptando-se à imposição
externa.[13] A
proposta apela para eventos que, se concretizados, realizarão uma verdadeira lavagem
cerebral na população, dobrando todos perante o deus Estado.
9.Profissionais
da saúde deverão ser educados a utilizar formas padronizadas de argumentos
legais, éticos e profissionais para identificar e fundamentar suas objeções.[14]
À primeira vista, parece uma singela e resignada concessão.
Mas impor uma linguagem vai muito além de fornecer meios para se justificar, é
a mais útil forma de manipular a realidade subjetiva daquele que utiliza os
símbolos verbais propostos. Toda a sequencia de obrigações nada mais é do que
um perigoso instrumento de controle travestido de boas intenções bioéticas em
relação às pobres pessoas que querem morrer ou abortar seus filhos e são
cruelmente impedidas pelos médicos malvados que defendem essa coisa obsoleta
chamada vida humana.
10.
Profissionais de saúde também devem ser educados para que reflitam sobre a
influência de erros cognitivos em suas objeções.[15]
O que esses iluminados querem dizer com a palavra educação e
com a proposta de mostrar erros de pensamento é algo provavelmente mais
assustador do que reconfortante. Todos esses dez mandamentos cheiram a nada
mais do que uma tosca manipulação social e intelectual maquiada com a agradável
tinta da tolerância sobre a frágil casca do bom mocismo.
Nossos iluminados engenheiros sociais da Bioética faturam
pesado para descobrir novos meios pelos quais nos tornaremos seus escravos.
Estou falando de centenas de milhares de dólares para pequenos grupos
discutirem o que devemos ser e pensar.[16]
Como já dizia Tom Koch, alguns vivem de deliberar sobre o trabalho e a virtude
alheia,[17]
produzindo pouca coisa de real valor, no fim das contas, se é que não induzem a
perigosos erros. Acrescento um velho adágio às deliberações acadêmicas desses
iluminados tecnocratas que brincam com os valores e com a liberdade: por que,
ao invés de encherem a cabeça alheia de besteiras perigosas, não vão capinar um
bom terreno para serem realmente úteis à humanidade?
[1] CONSENSUS STATEMENT ON CONSCIENTIOUS OBJECTION IN
HEALTHCARE. Practical Ethics. Ethics in
the News. University of Oxford. 29 de Agosto de 2016. Internet, http://blog.practicalethics.ox.ac.uk/2016/08/consensus-statement-on-conscientious-objection-in-healthcare/
[2]
Como já tratei em meu livro: ANGOTTI-NETO, Helio. A Morte da Medicina. Campinas: Vide Editorial, 2014.
[3]
Como já discutido em artigo publicado no Academia Médica: ANGOTTI NETO, Helio. O Transumanismo e a Revisão do Conceito de
Distopia. Academia Médica. 13 de junho de 2016. Internet, https://academiamedica.com.br/distopia-revisitada/
[4] Angela Ballantyne (Otago University), Robert Card
(State University of New York, Oswego and University of Rochester Medical
Center), Steve Clarke (Charles Sturt University), Katrien Devolder (University
of Oxford), Thomas Douglas (University of Oxford), Alberto Giubilini
(University of Oxford), Jeanette Kennett (Macquarie University), Sharyn Milnes
(Deakin University), Francesca Minerva (University of Ghent), Maurizio Mori
(University of Turin), Christian Munthe (University of Gothenburg), Justin
Oakley (Monash University), Ingmar Persson (University of Gothenburg), Julian
Savulescu (University of Oxford), Dominic Wilkinson (University of Oxford).
[5] Healthcare practitioners’ primary
obligations are towards their patients, not towards their own personal
conscience. When the patient’s wellbeing (or best interest, or health) is at
stake, healthcare practitioners’ professional obligations should normally take
priority over their personal moral or religious views.
[6] In the event of a conflict between practitioners’
conscience and a patient’s desire for a legal, professionally sanctioned
medical service, healthcare practitioners should always ensure that patients
receive timely medical care. When they have a conscientious objection, they
ought to refer their patients to another practitioner who is willing to perform
the treatment. In emergency situations, when referral is not possible, or when
it poses too great a burden on patients or on the healthcare system, health practitioners
should perform the treatment themselves.
[7] Healthcare practitioners who wish to conscientiously
object to providing medical treatment should be required to explain the
rationale for their decision.
[8] The status quo regarding conscientious objection in
healthcare in the UK and several other modern Western countries is
indefensible. Healthcare practitioners can conscientiously refuse access to
legally available, societally accepted, medically indicated and safe services
requested by patients in practice for any reason. This is in part due to the
cost-free environment in which practitioner choice of service occurs, and in
which the practitioner bears no substantive burden of proof. The burden of
proof to demonstrate the reasonability and the sincerity of the objection
should be on the healthcare practitioners.
[9] Accordingly, in such countries, the reasons healthcare practitioners
offer for their conscientious objection could be assessed by tribunals, which
could test the sincerity, strength and the reasonability of healthcare
practitioners’ moral objections to certain medical services.
[10] Policy makers should ensure that in any geographical region there is
a sufficient number of non-conscientious objectors for patients to obtain the
medical services they need in a timely manner even if some healthcare
practitioners conscientiously object to providing that service. This implies
that regional authorities, in order to be able to provide medical services in a
timely manner, should be allowed to make hiring decisions on the basis of
whether possible employees are willing to perform medical procedures to which
other healthcare practitioners have a conscientious objection.
[11] Healthcare practitioners who are exempted from performing certain
medical procedures on conscientious grounds should be required to compensate
society and the health system for their failure to fulfil their professional
obligations by providing public-benefitting services.
[12] Medical students should not be exempted from learning how to perform
basic medical procedures they consider to be morally wrong. Even if they become
conscientious objectors, they will still be required to perform the procedure
to which they object in emergency situations or when referral is not possible
or poses too great a burden on patients or on the healthcare system.
[14] Healthcare practitioners should be educated to use a framework of
decision-making incorporating legal, ethical and professional arguments to
identify the basis of their objection.
[15] Healthcare practitioners should also be educated to reflect on the
influence of cognitive bias in their objections.
[16] Como pode ser checado no portal do “Centre
for Applied Philosophy and Public Ethics: An Australian Research Council
Special Research Centre.” Sob o título “Research Grants: Current National and
International Competitive Research Grants Awarded To Centre Members.” Lá
consta a verba de US$333.300,00 destinada ao estudo da consciência e da objeção
de consciência nos cuidados com a saúde, cedida pela ARC Discovery Grant para
os bioeticistas S. Clarke; J. Kennett e J. Savulescu, entre 2015 e 2017.
Internet, http://www.cappe.edu.au/research/research-grants.htm
e http://www.cappe.edu.au/research/conscience-and-conscientious-objection-in-health-care.htm
[17] KOCH, Tom. Thieves of Virtue: When Bioethics Stole Virtue.Cambridge,
Massachussets; London, England: The MIT Press, 2012.