domingo, 9 de abril de 2017

OS DEZ MANDAMENTOS DA ESCRAVIDÃO MORAL

OS DEZ MANDAMENTO DA ESCRAVIDÃO MORAL


O USO DA BIOÉTICA PARA OBRIGAR O EXTERMÍNIO DA VIDA HUMANA


Em Genebra, na Suíça, entre os dias 7 e 9 de junho de 2016, um punhado de quinze filósofos e bioeticistas se reuniu para instituir um consenso de 10 pontos para aconselhar governos e instituições profissionais sobre como lidar com objeção de consciência.[1] Entre os nomes constam nomes já conhecidos, como Alberto Giubilini e Francesca Minerva, que publicaram o infame artigo sobre o Aborto Pós-Nascimento,[2] e Ingmar Perrson e Julian Savulescu, os famosos transumanistas que ambicionam um futuro distópico de maior controle sobre a consciência alheia. É claro que o controle, nesse futuro hipotético de super seres humanos adestrados e maleáveis, será regido pela tecnocracia da qual os iluminados bioeticistas fazem parte.[3]

Segundo tais estudiosos[4], eis os 10 mandamentos de como escravizar a consciência dos médicos:

1. As obrigações primárias dos profissionais da saúde são com seus pacientes e não com suas próprias consciências. Quando o bem-estar (ou o interesse, ou a saúde) do paciente está em jogo, as obrigações primárias dos profissionais da saúde normalmente deveriam ter prioridade sobre suas perspectivas morais ou religiosas.[5] 

Sentir-se obrigado com o paciente é uma forma de estar obrigado pela própria consciência, que nos motiva a nos preocuparmos com o paciente. Esse dualismo entre cuidar da própria consciência ou cuidar do paciente é um jogo de palavras que força sobre nossa percepção um dilema completamente equivocado e abstrato, muito distante da realidade concreta do laço terapêutico entre médicos e pacientes.

Outra imprecisão é o uso da palavra bem estar do paciente. Sem moralidade médica objetiva, que bem estar ou interesse deveria o médico prezar? A coisa toda é de uma imprecisão insuportável.

Como tantas vezes acontece em nossa academia, tudo parece um tenebroso jogo de figuras de linguagem que expressam muito mais sentimentos, espantalhos e alertas de perigo do que verdades reais e concretas.

2. Caso haja conflito entre a consciência do profissional e o desejo do paciente por um serviço médico, legalizado e profissionalmente sancionado, o profissional deve se assegurar de que o paciente receberá o cuidado o quanto antes. Quando ocorrer objeção de consciência, deverá encaminhar o paciente a outro profissional que esteja apto a realizar o procedimento. Em situações de emergência, quando o encaminhamento não for possível, ou quando representar um grande fardo para o paciente ou para o Sistema de saúde, os profissionais devem prover o serviço eles mesmos.[6]

Há de concordar que “grande fardo” é um termo um tanto subjetivo e, portanto, sujeito a abusos e distorções. E encaminhar o paciente a alguém que cometerá um ato imoral guarda em si um aspecto de imoralidade. Imagina um médico que se negue a tomar parte no suicídio assistido encaminhando o paciente ao seu executor, com nome e endereço! Se o Estado ou os iluminados tecnocratas desejam colaborar na morte de seus “súditos”, que providenciem uma lista de executores ou carrascos. O ofício é muito antigo, e é muito mais sincero evidenciar o desejo da elite em prover o extermínio daqueles que deveriam proteger do que corromper toda uma classe profissional destinada à defesa da vida e da dignidade humana.

3. Profissionais do cuidado com a saúde que desejarem fazer objeção de consciência quanto à disponibilização de tratamento médico deveriam explicar a lógica por trás de sua decisão.[7]

Fala-se como se um profissional que fizesse objeção de consciência não devesse explicar sempre sua lógica! Mesmo nas condutas mais simples e pouco controversas o médico sempre deve se explicar ao paciente. Elencar isso como objetivo pode passar a impressão falsa e infame de que pessoas que fazem objeção de consciência são irracionais ou não conseguiriam se explicar. É um insulto sutil.

4. No tocante à objeção de consciência, a situação no Reino Unido e em vários outros países ocidentais é indefensável. Praticantes da assistência à saúde podem negar conscientemente o acesso aos serviços seguros, legalmente disponíveis, socialmente aceitos e prescritos por médicos que são exigidos por seus pacientes por qualquer razão que seja. Isso se deve em parte ao ambiente público no qual o profissional escolhe atuar, onde não há cobrança sobre ele para que se demonstre a razoabilidade e a sinceridade da sua objeção de consciência, o que deveria ser cobrado do profissional.[8]

A acusação de que médicos e demais profissionais da saúde tomam decisões arbitrárias, irracionais e inexplicáveis é, na esmagadora maioria dos casos, completamente falsa. Os autores do manifesto falam como se profissionais da saúde fossem criaturas imbecis e arrogantes, que passam o seu tempo a enganar o próximo e criar desculpas esfarrapadas para não trabalhar. É lamentável que este seja o nível de ausência empática que serve de base para criticar o posicionamento favorável à defesa da vida humana. Ainda mais lamentável é que tal discurso seja feito no cerne da bioética que, teoricamente, foi criada para o diálogo empático.

5. Em tais países, as razões oferecidas por profissionais da saúde para objeção de consciência devem ser verificadas por tribunais, que poderiam atestar sua sinceridade, força e razoabilidade em relação a determinados serviços médicos.[9]

A solução proposta do tribunal da consciência é digna de um Estado Orwelliano, característico dos mais terríveis pesadelos distópicos. É um caminho aberto à perseguição ideológica e religiosa, um excelente instrumento para o controle tirânico do cidadão comum. Que grupos de pessoas instruídas proponham isso abertamente parece a mim um assustador sinal de como pessoas inteligentes e professores podem propor as mais estapafúrdias ideias.

6. Legisladores devem assegurar um número suficiente de profissionais sem objeção de consciência em cada região geográfica, para que os pacientes obtenham os serviços desejados em tempo adequado, mesmo que alguns profissionais apresentem objeção de consciência contras prestar tais serviços. Isso implica em que autoridades locais sejam autorizadas a contratar com base no fato de que certos profissionais não farão objeção de consciência.[10]

Se algum país optar por fazer uma lista de executores com o intuito de exterminar seus habitantes, paciência. Chamar isso de assistência médica ou medicina, por outro lado, é altamente questionável desde os tempos de Hipócrates. Outro ponto assustador é a varredura ideológica geográfica, identificando crenças na população e tabulando pessoas conforme sua concordância ou discordância ideológica com a política da elite governante. É um poderoso instrumento de controle das massas com um monstruoso potencial para causar danos.

7. Profissionais da saúde que se recusam a realizar certos atos por objeção de consciência devem ser obrigados a compensar a sociedade e ao sistema de saúde por sua falha em cumprir suas obrigações profissionais em prover serviços benéficos ao público.[11]

Não bastasse o tribunal de consciência proposto, ainda há a sugestão de trabalho comunitário forçado por alegar objeção de consciência, tratando o médico consciente como um tipo de contraventor ou criminoso. A dicotomia entre servir ao Estado ou servir aos ditames da própria consciência em busca da realização profissional também guarda potencial de forte autoritarismo.

8. Estudantes de medicina não devem ser liberados da aprendizagem de procedimentos básicos que considerem moralmente errados. Mesmo que venham a fazer objeção de consciência, ainda deverá ser obrigatório que façam os procedimentos que geraram a objeção em situações de emergência ou em situações nos quais o encaminhamento é impossível ou implica em um grande fardo sobre os pacientes ou o sistema de saúde.[12]

Obrigar alguém a fazer um ato que considera moralmente errado é uma antiga técnica de manipulação mental que leva à dissonância cognitiva. A participação em um ato imoral leva invariavelmente à racionalização do ato mediante a culpa sentida pelo indivíduo. Para proteger sua integridade psíquica, o recurso encontrado muitas vezes é alterar sua forma de enxergar o mundo e suprimir sua moralidade, adaptando-se à imposição externa.[13] A proposta apela para eventos que, se concretizados, realizarão uma verdadeira lavagem cerebral na população, dobrando todos perante o deus Estado.

9.Profissionais da saúde deverão ser educados a utilizar formas padronizadas de argumentos legais, éticos e profissionais para identificar e fundamentar suas objeções.[14]

À primeira vista, parece uma singela e resignada concessão. Mas impor uma linguagem vai muito além de fornecer meios para se justificar, é a mais útil forma de manipular a realidade subjetiva daquele que utiliza os símbolos verbais propostos. Toda a sequencia de obrigações nada mais é do que um perigoso instrumento de controle travestido de boas intenções bioéticas em relação às pobres pessoas que querem morrer ou abortar seus filhos e são cruelmente impedidas pelos médicos malvados que defendem essa coisa obsoleta chamada vida humana.

10. Profissionais de saúde também devem ser educados para que reflitam sobre a influência de erros cognitivos em suas objeções.[15]

O que esses iluminados querem dizer com a palavra educação e com a proposta de mostrar erros de pensamento é algo provavelmente mais assustador do que reconfortante. Todos esses dez mandamentos cheiram a nada mais do que uma tosca manipulação social e intelectual maquiada com a agradável tinta da tolerância sobre a frágil casca do bom mocismo.

Nossos iluminados engenheiros sociais da Bioética faturam pesado para descobrir novos meios pelos quais nos tornaremos seus escravos. Estou falando de centenas de milhares de dólares para pequenos grupos discutirem o que devemos ser e pensar.[16] Como já dizia Tom Koch, alguns vivem de deliberar sobre o trabalho e a virtude alheia,[17] produzindo pouca coisa de real valor, no fim das contas, se é que não induzem a perigosos erros. Acrescento um velho adágio às deliberações acadêmicas desses iluminados tecnocratas que brincam com os valores e com a liberdade: por que, ao invés de encherem a cabeça alheia de besteiras perigosas, não vão capinar um bom terreno para serem realmente úteis à humanidade?





[1] CONSENSUS STATEMENT ON CONSCIENTIOUS OBJECTION IN HEALTHCARE. Practical Ethics. Ethics in the News. University of Oxford. 29 de Agosto de 2016. Internet, http://blog.practicalethics.ox.ac.uk/2016/08/consensus-statement-on-conscientious-objection-in-healthcare/

[2] Como já tratei em meu livro: ANGOTTI-NETO, Helio. A Morte da Medicina. Campinas: Vide Editorial, 2014.

[3] Como já discutido em artigo publicado no Academia Médica: ANGOTTI NETO, Helio. O Transumanismo e a Revisão do Conceito de Distopia. Academia Médica. 13 de junho de 2016. Internet, https://academiamedica.com.br/distopia-revisitada/

[4] Angela Ballantyne (Otago University), Robert Card (State University of New York, Oswego and University of Rochester Medical Center), Steve Clarke (Charles Sturt University), Katrien Devolder (University of Oxford), Thomas Douglas (University of Oxford), Alberto Giubilini (University of Oxford), Jeanette Kennett (Macquarie University), Sharyn Milnes (Deakin University), Francesca Minerva (University of Ghent), Maurizio Mori (University of Turin), Christian Munthe (University of Gothenburg), Justin Oakley (Monash University), Ingmar Persson (University of Gothenburg), Julian Savulescu (University of Oxford), Dominic Wilkinson (University of Oxford).

[5] Healthcare practitioners’ primary obligations are towards their patients, not towards their own personal conscience. When the patient’s wellbeing (or best interest, or health) is at stake, healthcare practitioners’ professional obligations should normally take priority over their personal moral or religious views.

[6] In the event of a conflict between practitioners’ conscience and a patient’s desire for a legal, professionally sanctioned medical service, healthcare practitioners should always ensure that patients receive timely medical care. When they have a conscientious objection, they ought to refer their patients to another practitioner who is willing to perform the treatment. In emergency situations, when referral is not possible, or when it poses too great a burden on patients or on the healthcare system, health practitioners should perform the treatment themselves.

[7] Healthcare practitioners who wish to conscientiously object to providing medical treatment should be required to explain the rationale for their decision.

[8] The status quo regarding conscientious objection in healthcare in the UK and several other modern Western countries is indefensible. Healthcare practitioners can conscientiously refuse access to legally available, societally accepted, medically indicated and safe services requested by patients in practice for any reason. This is in part due to the cost-free environment in which practitioner choice of service occurs, and in which the practitioner bears no substantive burden of proof. The burden of proof to demonstrate the reasonability and the sincerity of the objection should be on the healthcare practitioners.

[9] Accordingly, in such countries, the reasons healthcare practitioners offer for their conscientious objection could be assessed by tribunals, which could test the sincerity, strength and the reasonability of healthcare practitioners’ moral objections to certain medical services.

[10] Policy makers should ensure that in any geographical region there is a sufficient number of non-conscientious objectors for patients to obtain the medical services they need in a timely manner even if some healthcare practitioners conscientiously object to providing that service. This implies that regional authorities, in order to be able to provide medical services in a timely manner, should be allowed to make hiring decisions on the basis of whether possible employees are willing to perform medical procedures to which other healthcare practitioners have a conscientious objection.

[11] Healthcare practitioners who are exempted from performing certain medical procedures on conscientious grounds should be required to compensate society and the health system for their failure to fulfil their professional obligations by providing public-benefitting services.

[12] Medical students should not be exempted from learning how to perform basic medical procedures they consider to be morally wrong. Even if they become conscientious objectors, they will still be required to perform the procedure to which they object in emergency situations or when referral is not possible or poses too great a burden on patients or on the healthcare system.

[13] BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo. Campinas, SP: Vide Editorial, 2013.

[14] Healthcare practitioners should be educated to use a framework of decision-making incorporating legal, ethical and professional arguments to identify the basis of their objection.

[15] Healthcare practitioners should also be educated to reflect on the influence of cognitive bias in their objections.

[16] Como pode ser checado no portal do “Centre for Applied Philosophy and Public Ethics: An Australian Research Council Special Research Centre.” Sob o título “Research Grants: Current National and International Competitive Research Grants Awarded To Centre Members.” Lá consta a verba de US$333.300,00 destinada ao estudo da consciência e da objeção de consciência nos cuidados com a saúde, cedida pela ARC Discovery Grant para os bioeticistas S. Clarke; J. Kennett e J. Savulescu, entre 2015 e 2017. Internet, http://www.cappe.edu.au/research/research-grants.htm e http://www.cappe.edu.au/research/conscience-and-conscientious-objection-in-health-care.htm

[17] KOCH, Tom. Thieves of Virtue: When Bioethics Stole Virtue.Cambridge, Massachussets; London, England: The MIT Press, 2012.