sexta-feira, 22 de setembro de 2017

RESENHA: A CORRUPÇÃO DA INTELIGÊNCIA, DE FLÁVIO GORDON

RESENHA: A CORRUPÇÃO DA INTELIGÊNCIA

Em seu livro, Flávio Gordon revela como a prostituição do que se convenciona chamar de intelectualidade frente aos anseios políticos e hegemônicos causou a corrupção da inteligência brasileira.

O livro se insere naquela categoria típica de obra descritiva das sociedades que acabam de despertar para a filosofia ao perceberem a tragédia final que se avoluma sobre um povo: a crítica cultural.

Seguindo os passos da grande influência geradora da obra – o filósofo Olavo de Carvalho -, Flávio Gordon descreve de forma irônica e, ao mesmo tempo, erudita e aberta, o estado degenerado em que se encontra a inteligência brasileira, graças aos intelectuais.

O livro é escrito com uma invejável e ampla visão dos acontecimentos recentes da história de nosso país, e lança mão de numerosas citações diretamente colhidas dos fatos de conhecimento público, aparentemente desconexos, porém, claramente interligados por uma mente capaz de estabelecer os nexos causais adequados, como o faz o autor.

O uso dessas citações, “cruéis fantasias” concretamente reais, nos mostra o percurso dessa grande derrocada de nossa capacidade de enxergar, interpretar e agir na realidade de forma adequada. A inteligência do povo brasileiro, e de muitos estrangeiros, foi progressivamente destruída, deturpada, cegada e redirecionada pelos agentes políticos travestidos de professores e condutores da mente alheia.

O povo brasileiro aprendeu a amar as banalidades e a elevar o indigno, menosprezando e profanando o que lhe resta de bom, belo e justo. Essa degradação do que é nobre, para abrir espaço para a ascensão do que é medíocre e suscetível à manipulação daqueles que são imorais, já fora muito bem descrita por José Ortega y Gasset em seu clássico “A Rebelião das Massas” e por José Ingenieros em seu “O Homem Medíocre”, uma leitura estranhamente familiar para qualquer brasileiro que tenha sido testemunha dos desgovernos petistas nas últimas duas décadas.

Descreverei alguns dos temas abordados em cada capítulo do livro, alertando desde já ao leitor que este é um resumo extremamente incompleto e incapaz de sintetizar a riqueza de detalhes e referências do autor, e que não substitui de forma alguma a leitura integral do original. Aliás, “A Corrupção da Inteligência” é um livro essencial para a compreensão de nossos tempos e de nosso Brasil. É um registro histórico que, se sobrevivermos por mais algumas gerações, revelará aos nossos descendentes toda a miséria e degradação moral e intelectual vivida por nossas tristes gerações, habitantes de nosso triste trópico que já foi conhecido por ser uma dos mais belos, felizes e promissores lugares do mundo para se viver.

No capítulo 1, “Mentalidades afins”, Gordon contrasta a moralidade das elites com a do povo e contextualiza a formação da famigerada opinião pública, consenso do seleto grupo pervertido que compõe uma enorme parcela de nossa elite econômica, política e, por que não deixar logo bem claro, intelectual.

No capítulo 2, “A longa marcha sobre as instituições”, o autor mostra o aspecto quasi-religioso que as ideologias de massa assumiram, explicando como pessoas, aparentemente dotadas de inteligência, podem se submeter a projetos desastrosos e cruéis impostos por líderes ridículos. O papel de Antônio Gramsci fica bem claro, assim como sua influência na elite da esquerda brasileira, nos dois capítulos seguintes, “O mal-estar dos intelectuais” e “Gramsci no Brasil”.

O capítulo 5, “Dom Quixote e Sancho Pança”, trata da manipulação da linguagem e das percepções alheias pela classe falante e pela mídia. O uso indiscriminado de baixezas erísticas é denunciado, lembrando ao leitor o carnaval de rótulos odiosos e delírios de interpretações que rondam o debate político e cultural no Brasil, se é que podemos denominá-lo debate. Está mais para altercação.

O capítulo 6, “Imaginação moral, imaginação idílica, imaginação diabólica”, encerra a primeira parte do livro ao estilo temático dos capítulos penúltimos de “O Jardim das Aflições”. Amparado por grandes precedentes como Lionel Trilling, Karl Kraus, Hugo von Hofmannsthal, Marcel Proust, Russel Kirk, Oswaldo de Meira Penna, Edmund Burke, Eugen Rosenstock-Huessy, Gilbert K. Chesterton, T. S. Eliot, Northrop Frye, Leopold von Ranke, Roger Scruton, os clássicos da literatura mundial e os Evangelhos, Flávio Gordon tece sua crítica ao espírito solapado pela corrupção, destituído dos altos voos da transcendência, elemento expresso de forma imediata diante do indivíduo ou, no aspecto coletivo, expresso pelo mais precioso e rico legado da Alta Cultura. Neste capítulo, o autor já deixa bem claro que estamos diante de uma hecatombe de proporções civilizacionais, que nos deformou e nos isolou da rica realidade cultural que nos gerou.

Após estabelecer as bases literárias, antropológicas, históricas e filosóficas de sua crítica, Flávio Gordon inicia a segunda parte de seu livro, dedicada a analisar especialmente a situação brasileira, encaixando-a no panorama internacional. Embora temas nacionais tenham sido tocados na primeira parte, o estilo anterior era o de expansão progressiva. Na segunda parte, vemos uma contração que se aproxima cada vez mais do presente, a partir da fatídica metade do século XX.

No capítulo primeiro da segunda parte, “Uma história muito mal contada”, Gordon fornece detalhes de como a intelectualidade da vertente esquerda do espectro ideológico dedicou-se a beber da sedutora taça do poder e a manter sua hegemonia, aleijando e alijando intelectuais discordantes e, inevitavelmente, impossibilitando aquela que é uma das mais potentes máquinas de criar inteligências: a velha dialética aristotélica, baseada na síntese das teses e antíteses. Os intelectuais foram os maiores agentes e as maiores vítimas de sua estratégia.

O capítulo 2, “Comunismo e consciência: o momento Kronstadt”, aborda o fenômeno de devoção cega que solapa tantas mentes teoricamente dotadas de tudo o que seria necessário para caracterizar uma pessoa inteligente. Gordon também trata dos casos em que alguns intelectuais perfuraram o cerco à consciência e conseguiram se desvencilhar da escravidão ideológica, enxergando todo o mal e degeneração ao qual estavam presos.

O capítulo 3, “A doutrina Golbery e a hegemonia cultural da esquerda”, aborda a política de descompressão do General Golbery e a crescente influência que os destruidores culturais da Escola de Frankfurt e da New Left, de forma geral, tiveram na sociedade brasileira, principalmente nos meios universitários e na mídia.

O capítulo 4, “Aplausos com uma só mão”, mostra as discretas – e secretas – ligações de nossos intelectuais com agentes ideológicos estrangeiros. Um assunto pouquíssimo lembrado – ou ocultado? – em nossa academia. Mostra também como a experiência de um seleto grupo de elite com a ditadura militar foi fixado no imaginário cultural de nosso país e, até hoje, foi convertido numa monótona cacofonia instrumentalizada para a guerra política de ocupação e controle de espaços.

O livro encerra com uma demonstração narrativa, concreta e vívida, dos fatos que ilustram o estado de calamidade cultural em que nos encontramos.

Lembrando de grotescas manifestações de nossas universidades, Gordon descreve situações como as do homem que arrastava tijolos com o pênis, a mulher cachorro com focinheira que urina no poste, o jovem eletrocutado confundido com artista performático, o culto satânico sadomasoquista lésbico chamado de arte  e bancado com dinheiro público, o professor universitário que estimula o fuzilamento daqueles que discordam, o enaltecimento sistemático da bandidagem, o totalitarismo violento e “fascistóide” dos que pregam a liberdade e a “tolerância”, a manifestação visceral de certos protestos na forma de “vomitaços” e o uso do orifício anal como ápice da revolução cultural e política mundial.

Flávio Gordon vislumbra, a título de comparação, o que foi descrito pelo Cardeal John Newman como um clássico Scholar: um sujeito dotado de verdadeira cultura intelectual, cujos atributos são a liberdade, a equidade, a calma, a moderação e a sabedoria, ao invés de simples possuidores de saberes específicos. Diante do desolador cenário atual, lamenta a ausência dessa figura hoje quase mítica em nosso país e constata que a universidade brasileira está repleta de “gente furiosa contra os livros que já não sabe ler”, como diria Carpeaux.

Flávio Gordon encerra o livro constatando que “os pais, que outrora lamentavam perder os filhos para as drogas e as más companhias, agora os perdem para a universidade. ” Não é à toa que este último capítulo abre com a inscrição do pórtico do inferno dantesco: “Abandonai toda a esperança, ó vós que entrai”.

Hélio Angotti Neto

22 de setembro de 2017, Colatina – ES.