quinta-feira, 21 de setembro de 2017

MEDICINA E HUMANIDADES - Entrevista para a Revista DOC

MEDICINA E HUMANIDADES – Entrevista para a Revista DOC

 

1 - Em qual das duas áreas você se formou primeiro: Medicina ou Filosofia? E por que a escolha por cada uma delas? Você se considera um médico dedicado à Filosofia ou um filósofo que pratica Medicina?

 Formei-me em Medicina pela Universidade Federal do Espírito Santo. Depois fui residente em Oftalmologia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, onde atuei também como preceptor e onde fiz meu Doutorado em Ciências – Oftalmologia.

Não tenho nenhum título formal em Filosofia, tampouco em Bioética. Sou filósofo no sentido em que busco a sabedoria na qualidade de indivíduo, cristão, pai de família e médico, buscando integrar conhecimento e consciência, conforme definiu o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho. Não tenho título de bacharel em filosofia, embora atue de forma acadêmica, escrevendo, editando e pesquisando, também nessa área.

O meu estudo no campo da filosofia e das humanidades em geral ocorreu e ainda ocorre de forma independente há cerca de quinze anos. Digo independente no sentido em que não busquei formalizar um título.

Sobre ser médico, cristão ou filósofo, nos termos que entendo, não vejo uma escolha ou predominância, vejo uma complementaridade. Minha fé constrói a forma pela qual entendo a realidade, a filosofia determina junto com minha fé a postura que adoto diante do real e a medicina é uma forma de aplicar o que sei e acredito em prol dessa mesma realidade. Em minha profissão encontrei uma compatibilidade de valores entre as perspectivas de minha vida.

A medicina eu escolhi como profissão. A filosofia eu escolhi por obrigação com a verdade e por identificação, motivado pela minha fé. É uma mistura antiga, essa a da filosofia com a medicina, legada a nós desde a Antiguidade Clássica.

2 - Quando você decidiu explorar a Filosofia na área médica? E como surgiu essa ideia?

Decidi explorar a filosofia na área médica quando ingressei no programa de residência médica. Diversas mudanças e novas responsabilidades em minha vida convidaram-me a adotar uma postura mais reflexiva. Quanto mais eu estudava sobre humanidades médicas, mais eu enxergava minha carência em conhecimentos humanísticos. O interesse pelos temas mais variados e a aplicabilidade deles na arte médica, ao lado da ciência, levaram-me a prosseguir no estudo e na pesquisa.

No começo estudei filosofia de forma geral e, aos poucos, as conexões surgiram, levando-me ao estudo da Filosofia da Medicina e da Bioética.

3 - Como se dá a relação entre Medicina e Filosofia? O que há em comum e de divergente nessas duas áreas?


A medicina, nas palavras de Edmund Pellegrino, é a mais científica das humanidades e a mais humana das ciências. É uma arte que utiliza a ciência para lidar com a realidade do paciente em busca do bem.

Um médico exercerá sua arte nas três esferas do conhecimento conforme o entendimento aristotélico: exercendo uma habilidade, dotado de conhecimento, em um contexto ético específico. Essa integração entre ação, conhecimento e moralidade é completamente compatível com a filosofia em sua formulação socrática.

A filosofia e, particularmente, as humanidades médicas, ajudam a compreender melhor o ser humano em toda a sua complexidade e a interferir de forma mais positiva na vida alheia.

Tanto a filosofia quanto a medicina ajudam a compreender o mundo em que vivemos e, em especial, o homem. A grande diferença entre uma e outra é o alcance. A boa filosofia é a base para todos os demais conhecimentos.

4 - Em seu blog, você fala sobre Humanidades Médicas. Como explicar esse conceito? E por que é possível dizer que a Filosofia é uma delas?

 O conceito de Humanidades Médicas só pode ser compreendido hoje em conjunto com a compreensão da divisão artificial entre arte ou humanidades e ciência. Em oposição à ciência, que seria o conhecimento experimental, matematizado e pretensamente mais objetivo, têm-se as humanidades, que compõem todo aquele conhecimento empírico e subjetivo que lida com o inédito e com a imprevisibilidade inerente a cada ser humano.

Hoje fala-se muito a respeito da bioética em saúde. Mas para falar de bioética com propriedade, é necessário compreender a Alta Cultura de uma civilização; seus fundamentos humanísticos, incluindo literatura, história, arte e, na base de tudo, a filosofia e a religião, que nos oferecem as ferramentas necessárias para uma reflexão integradora de todos os campos do conhecimento.

5 - Ao longo dos anos, as transformações sociais vêm provocando mudanças na Medicina, principalmente na relação médico-paciente, e têm sido alvo de discussões de pesquisadores da Bioética. Para você, quais mudanças, de fato, ocorreram e como as explica?

 Mudanças ocorreram, ocorrem a cada dia, e ocorrerão sempre.

Na antiguidade o médico se confundia com o feiticeiro e com o sacerdote. Curava e matava. Tudo começa a mudar com a medicina hipocrática, quando o médico se separa da esfera religiosa propriamente dita e almeja uma arte mais técnica e científica, conhecedora das causas e devotada ao reconhecimento da preciosidade da vida humana.


Com o advento do cristianismo, essa percepção do valor da vida humana torna-se hegemônica e se difunde pela civilização ocidental.

Com a medicina moderna, veio a concepção mecanicista do ser humano. Já na época contemporânea, onde temos os grandes milagres da técnica médica, surgiram problemas relacionados a falhas éticas em pesquisa e riscos de mutações civilizacionais irresponsáveis. Uma outra modificação bem presente, ao ponto de ser ignorada por muitos, é o conflito inerente de interesses quando o médico se encontra dividido entre diversas demandas, vindas do Estado e de instituições privadas que se colocam como intermediárias da relação médico-paciente, quebrando o vínculo tradicional de confiança que existe entre médico e paciente há milhares de anos.

Eu entendo que mudanças são constantes, porque a realidade não é estática. Porém, há um fundo de valores que permanecem, e que devem sempre serem atualizados e reconhecidos nos mais diversos contextos, para que a medicina continue promovendo o bem ao qual se propõe. Se o médico não atualizar de forma constante esses valores ao longo dos contextos que se alteram, o elo de confiança com o paciente será quebrado. Digo atualizar no sentido de tornar ato, tornar algo presente. Os valores estão aí, sempre estiveram, é necessário manifestá-los na relação médico-paciente.

6 - Como você caracterizaria a Medicina Hipocrática? Acredita que seus legados ainda estejam presentes atualmente?

A medicina hipocrática é aquela arte comprometida com a busca da causa dos problemas de saúde do ser humano por meio de uma explicação predominantemente natural e com a cura ou o alívio em relação à doença e com o consolo, o conforto e o respeito ao paciente.

Embora existam algumas técnicas ancestrais de investigação clínica e até mesmo alguns procedimentos terapêuticos que guardam grande semelhança com práticas utilizadas ainda hoje, as explicações científicas mudaram completamente. Contudo, há um elemento atemporal na antiquíssima medicina hipocrática que permanece tão valioso, atual e distintivo a ponto de ter gerado respeito entre os cristãos e muçulmanos que vieram séculos depois: o seu componente ético.

Vários elementos da ética hipocrática ainda se encontram presentes na medicina: a defesa da vida humana como pilar da benevolência e da não malevolência; o sigilo entre o médico e seu paciente; o reconhecimento da fragilidade de quem se encontra doente e a necessidade de proteger seu pudor e sua vulnerabilidade e muitos outros elementos. Procuro deixar claro os pontos de contato entre as diferentes culturas e épocas nas obras “A Tradição da Medicina” (já lançada, na qual abordo o Juramento de Hipócrates e as virtude médicas) e “A Arte Médica” (a ser lançada pela Editora Monergismo, na qual abordo a tradição hipocrática de forma geral, em seu conteúdo ético).

Os elementos hipocráticos ainda estão presentes, embora muitos menosprezem ou difamem a antiga ética. Do passado veio também uma infeliz e dolorosa lição sobre o que pode acontecer quando nos afastamos de tais ideais nobres, como quando aconteceu com os horrendos exemplos da medicina comunista e da medicina nazista, se é que podemos chamá-las pelo nome de medicina.

7 - Como o paternalismo médico pode ser explicado pela Filosofia e qual sua opinião sobre o tema?

Há várias explicações e significados possíveis para o termo paternalismo, o que torna arriscado qualquer discussão sobre o tema. De regra geral, pode-se falar acerca de um paternalismo forte e autoritário, ligado à figura daquele médico que não considera a opinião do paciente e mal lhe escuta direito. Por outro lado, há um paternalismo fraco, representado pela figura do médico benevolente que age em prol do paciente extremamente vulnerável e destituído de autonomia real. No primeiro caso, o paternalismo torna-se um ato imoral, destituído de empatia e respeito; no segundo, pode ser até mesmo uma conduta obrigatória e benevolente com o paciente e sua família. Inclusive, muitos pacientes exigem do médico uma postura paternalista fraca.

Há muitas nuances e diferentes formas de enxergar esta questão. Contudo, é incontornável o fato de que a doença causa, na maioria das pessoas, uma extrema fragilidade psíquica e um aumento da dependência em relação ao próximo. Na figura do médico muitos enxergarão a imagem paternal. Essa condição inerente à condição humana frágil e limitada somente reforça a enorme responsabilidade do médico e a grande necessidade de formar adequadamente o seu caráter ao trabalhar suas virtudes. Um dos grandes objetivos da relação terapêutica em prol do bem do paciente, inclusive, é restituir autonomia ao paciente, um elemento importante de sua integridade, como lembra Eric Cassel em sua obra de grande importância para as Humanidades Médicas (The Nature of Suffering – A Natureza do Sofrimento).

8 - Você é coordenador de Medicina da UNESC. A grade do curso tem algum conceito filosófico embutido? E qual é a importância de formar o aluno de Medicina com base nesses conceitos?

Há conceitos ou aspectos filosóficos em tudo o que fazemos, mesmo que não sejam percebidos. A educação médica não escapa desta observação. O próprio método de aprendizagem ativa se ampara em muitos pressupostos filosóficos e pedagógicos.

Quanto ao conteúdo na grade curricular, há algumas inserções que gradualmente foram estabelecidas, conforme a compatibilidade e a necessidade do Projeto Pedagógico do Curso. De forma geral, há um estímulo ao estudo de questões psicossociais, embora seja menosprezado por escolas médicas mundo afora, mesmo que estejam formalmente integrados às discussões. Há também módulos específicos que abordam elementos da formação profissional do médico, da filosofia da medicina, da bioética, dos direitos humanos e da cultura que são ministrados por mim com ajuda de colegas médicos e professores do direito.

Além da inserção curricular, é necessário criar um ambiente de pesquisa e promoção das humanidades e da ética médica. Um caminho encontrado por nós foi criar o Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina, com atividades de extensão, ensino e pesquisa em Humanidades Médicas, levando trabalhos a congressos e publicando livros e artigos. Por fim, exercendo um papel importantíssimo, surgiu a Liga de Humanidades Médicas, de iniciativa discente. Diferentes atores e diferentes processos ajudam a despertar a curiosidade e a enxergar a importância desses estudos.


Sobre a importância em se formar o médico em termos humanísticos, devo lembrar da famosa citação de José de Letamendi y Manjarrés: O médico que só sabe medicina, nem medicina sabe. A medicina é uma arte complexa, e a ciência claramente é insuficiente para preparar o futuro profissional. As humanidades médicas buscarão o que há de melhor na cultura por mais de dois mil anos acumulados para formar um indivíduo maduro e preparado para a verdadeira ação em sociedade; justamente o que os antigos gregos denominavam spoudaios e que hoje muitos chamariam de cidadãos ou elementos maduros da sociedade.

Fala-se muito em cidadania. De regra é apenas uma expressão vazia e sem conteúdo concreto para a maioria das pessoas, essa tal de cidadania; tornou-se um chavão. Um indivíduo preparado para compreender os profundos recessos da experiência humana, própria e alheia, dotado das melhores ferramentas de comunicação e empatia legadas por mais de dois mil anos de história e cultura, e preparado com os instrumentos da técnica filosófica que providenciarão firmeza de caráter e solidez à consciência, estará apto a assumir de forma responsável a responsabilidade de ser médico e cidadão. Isso é cidadania de verdade.

9 - Quais são os principais ensinamentos que a Filosofia pode fornecer ao médico? Você indicaria o estudo da área para seus colegas de profissão?

 A filosofia fornece autoconhecimento e humildade. O seu aspecto geral e o amplo leque de reflexões também prepararão o médico para a ação interdisciplinar e potencializarão a criatividade e a inteligência, possibilitando conexões entre conhecimentos e experiências que, de outra forma, permaneceriam dissociadas. A investigação séria, metódica e profunda sobre a realidade auxiliará na compreensão da vida alheia e de formas de promover a saúde e combater a doença e o sofrimento. O treino lógico e dialético promoverá um raciocínio clínico e ético eficaz e complexo, capaz de lidar com as grandes complexidades vividas dia após dia por médicos em seus consultórios, hospitais e postos de saúde.

Sem dúvida nenhuma, o estudo da filosofia de boa qualidade está indicado para qualquer pessoa que queira viver uma vida mais plena e consciente. Não digo a filosofia do bacharelado ou da licenciatura, que reúne um conteúdo específico de conhecimentos, mas sim, a filosofia como forma de viver (que pode estar associada à forma anterior), como prática de vida, conforme o projeto original de Sócrates, Platão e Aristóteles, assim como enxergam alguns grandes filósofos mais recentes como Olavo de Carvalho, Mário Ferreira dos Santos, Pierre Hadot, Louis Lavelle e Eric Voegelin, somente para citar alguns.

10 - No dia a dia, como você concilia o exercício da Filosofia e da Medicina? Fale um pouco de sua rotina, por favor.

A busca constante pela sabedoria a todo momento implica um exame constante da própria vida. Tal exame permite enxergar as mais diferentes situações de diferentes perspectivas, reconhecendo melhor a complexidade da realidade em que vivemos. Outra forma de conciliação entre medicina e filosofia é a crítica do próprio conhecimento, e a constante busca pela coerência entre o conhecimento, a crença e a ação.

Em todos os meus estudos e práticas, busco sempre estabelecer pontes, conexões, entre coisas aparentemente não relacionadas. Isso fornece a criatividade e a agilidade de pensamento para buscar novidades e estar sempre alerta às mudanças necessárias.

A filosofia aplicada diretamente à medicina também ajuda na empatia compassiva, na compreensão da realidade alheia e dos pontos de conexão desta conosco.

Quanto à rotina de práticas e estudos, recebo muitas perguntas sobre como conciliar e buscar tantos conhecimentos tão amplos e, aparentemente, diferentes.

Ser cristão atuante, marido, pai de dois filhos pequenos, médico, cirurgião, coordenador de curso, professor, pesquisador, editor e autor, entre outras coisas e ler sempre entre cinquenta e oitenta livros por ano nos últimos dez anos é um desafio e realmente gera um pouco de curiosidade.

A fórmula que funcionou para mim inclui diversos pontos.

Faço o que gosto e faço aquilo em que acredito. Nisto encontro motivação imensa para melhorar sempre e nuca retroceder.

Há técnicas para estudar. Procuro utilizá-las com as devidas adaptações. Consultas às obras de Barbara Oakley e Pierluigi Piazzi e aos cursos sobre métodos de estudo de Olavo de Carvalho fornecerão importantes dicas.


Sempre estudo algo que desperta meu interesse ou que é extremamente necessário para resolver um problema importante. Mesmo que sejam dez escassos minutos de estudo, todo dia tenho que ler e absorver algo.

Mantenho meu interesse por diversos assuntos ao mesmo tempo. Gosto de estudar oftalmologia, medicina geral, epidemiologia, medicina baseada em evidências, teologia, bioética, filosofia de forma geral, política, história e literatura. Às vezes leio diversos livros aos poucos, todos ao mesmo tempo; às vezes concentro minha atenção em uma leitura mais urgente. É incrível como as conexões vão aparecendo aos poucos e como há, de fato, um crescimento exponencial das relações culturais que passam a se mostrar nas mais diferentes áreas do saber.

Acordo cedo, leio um pouco, vou trabalhar, almoço quase sempre em casa – um dos luxos de se morar no interior -, trabalho novamente, retorno ao lar, estudo mais um pouco e produzo um pouco. No fim de semana, a rotina obviamente muda, com mais presença no lar junto à família e, no domingo, leituras mais centradas em filosofia e teologia e a convivência na Igreja, elemento importantíssimo.

Essa rotina funciona, entremeada com imprevistos e algumas viagens, graças à esposa maravilhosa que tenho. Seria impossível fazer o que faço sem o suporte amoroso e paciente da Joana. A família é protagonista para uma vida de estudos saudável.

Além disso, algumas dicas cotidianas: desligue a televisão, desista de novelas e outras banalidades, leia diretamente nas fontes de confiança as notícias de que você precisa para se manter atualizado (sem Fake News, não há tempo a perder). Aproveite o seu tempo compreendendo o quão é precioso cada momento.

William Osler, famoso médico anglófono, já preconizava leituras indispensáveis que deveriam habitar a cabeceira de um bom médico ou estudante de medicina. A boa leitura e a presença real junto ao paciente oferecem oportunidades valiosíssimas para amadurecer e crescer intelectualmente e em termos pessoais.


11 - Qual é a área da Filosofia mais chama sua atenção? E da Medicina?

 Pode responder todas as áreas? Se tivesse que decidir por uma, não conseguiria responder. Mas, da filosofia, estudo principalmente a metafísica, a filosofia política, a filosofia moral e a epistemologia. É difícil definir, pois a filosofia é essencialmente geral e interdisciplinar.

Já na medicina, gosto de oftalmologia - principalmente de órbita e neuro-oftalmologia -, ética médica, história da medicina, semiologia, medicina baseada em evidências e comunicação médica.

No geral, tudo o que diz respeito a Deus e ao ser humano interessa muito a mim.

12 - Há alguma influência da Filosofia na sua relação com os pacientes? É possível dizer que existe um atendimento diferenciado?

 Sim, há uma intensa influência de minha filosofia e de minha fé na relação com os pacientes. Muito dependerá de como o médico enxerga o mundo.

Um atendimento que enxergo como diferenciado seria: a)      Radicalmente realista e intuicionista, pois acredita poder tocar a realidade do paciente, sem negar o grau de subjetividade e de transcendência que às vezes nos escapa; b)      Moral e empático, pois age em meio à relação estabelecida entre pessoas com moralidade que estabelecem e demonstram valores em suas atitudes; c)      Comunicativo e compassivo, pois liga duas ou mais perspectivas em prol de um bem comum ao perceber o sofrimento; d)      Complexo e inédito, dentro de um contexto de infinitude que permeia toda a realidade.

Tais elementos derivam, de fato, de uma forma filosófica bem específica de enxergar o mundo. Contudo, devo lembrar que há certas formas de pensamento e perspectivas que também recebem o nome de filosofia que poderão acabar levando aqueles que as subscrevem à loucura, ao delírio, ao solipsismo e à degeneração maldosa.

13 - Você organizou em maio deste ano a primeira edição do Seminário Capixaba de Filosofia (SECAFI). Com que objetivo o evento foi criado? Quais foram os resultados?

 O Seminário Capixaba de Filosofia foi um evento multidisciplinar que envolveu médicos, advogados, historiadores, cientistas políticos, cientistas sociais, escritores e filósofos, entre outros, para analisar os frutos e principais características da obra filosófica do Olavo de Carvalho, sem o rancor ideológico demonstrado por tantos elementos de nossa sociedade que ousam falar do que não leram, ou, se leram, do que não entenderam.


O ambiente acadêmico das humanidades no Brasil transformou-se num lugar de hostilidade e ódio à sincera busca pela verdade, no qual pessoas são rotuladas e desprezadas por suas crenças políticas e o valor de suas obras é julgado pelo alinhamento de seu autor. Queríamos um ambiente no qual tudo o que interessava era o debate intelectual honesto, destituído dos preconceitos que embrutecem e emburrecem o ensino superior em tantos locais do Brasil.

O objetivo foi alcançado, eu acredito.

Abordamos aspectos políticos, filosóficos, literários e históricos da obra de Olavo. Tais elementos - gostem ou não aqueles que governam as cátedras dos estudos sociais brasileiros, impregnados pelo gramscismo - despertaram um diálogo realmente diversificado na sociedade brasileira, assim como levaram centenas (ou milhares?) de pessoas às prateleiras de livros filosóficos e clássicos da literatura. Foi graças ao persistente trabalho de um pensador isolado que hoje o mercado editorial brasileiro está realmente diversificado em termos políticos e filosóficos.

Em sua primeira edição o evento atraiu pessoas de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais e de diversos cantos do Espírito Santo. Foi um evento puramente dedicado ao estudo filosófico, feito sem filiação partidária alguma e com nenhum, repito, nenhum patrocínio que não fosse o dinheiro pessoal dos organizadores, muito boa vontade e o dinheiro dos inscritos. Apesar disso, o salão ficou lotado.

Para um evento filosófico que não ofereceu créditos em cursos universitários ou certificação nenhuma, totalmente dependente do interesse alheio e independente do dinheiro de partidos políticos ou dos cofres públicos, foi um inesperado sucesso. As palestras foram disponibilizadas e, em breve, há a expectativa de lançarmos um livro com artigos especialmente selecionados.

14 - Quando a sua relação com a Filosofia e a Medicina ultrapassou as fronteiras do consultório e da universidade, chegando aos livros? Como surgiu a inspiração para escrever Disbioética e A tradição da Medicina? Há previsão de lançar mais livros?

Após dez anos de estudo, absorvendo cultura e meditando sobre a experiência cotidiana, criei o Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina, no UNESC. No segundo ano do seminário discutia com os alunos alguns artigos na área de bioética quando nos deparamos com um inusitado trabalho defendendo o conceito de abortamento pós-nascimento. Uma resposta a este artigo transformou-se no livro “A Morte da Medicina”. A busca pela cultura que sustenta a medicina ainda hoje, fornecendo elevados ideais éticos e profissionais, acabou por gerar “A Tradição da Medicina”, no qual abordo o Juramento de Hipócrates e a Ética Baseada em Virtudes. Por fim, os desvios e perigos representados por determinados movimentos no campo da bioética levaram-me a escrever o “Disbioética”, que ainda terá mais três volumes, no mínimo.


O volume dois da série Disbioética tratará sobre política e medicina. O terceiro será intitulado “O Extermínio do Amanhã”, e tratará do aborto. Por fim, o quarto volume abordará o tema da liberdade de consciência no campo da saúde.

Ainda há previsão também de lançar um volume sobre os aspectos éticos gerais das obras hipocráticas e suas interações com outras tradições culturais, como a da cultura cristã no ocidente, e reflexões sobre o Código de Ética Médica.

Ainda pretendo escrever sobre muitas outras questões, ressaltando também diversos médicos e filósofos do passado e do presente.

15 - De olho no futuro, qual a sua perspectiva para este universo onde Filosofia e Medicina caminham de mãos dadas?

Vejo um longo e árduo caminho para que se crie, ou se resgate, a Alta Cultura dentro da medicina. Embora estejamos em meio a relativas trevas nos dias de hoje, não temos a opção de desanimar. Nossos pacientes dependem da qualidade e da dignidade profissional da medicina em muitas situações de fragilidade e sofrimento.

E é justamente nas grandes crises que surge a filosofia. O momento atual de crise, se bem trabalhado, pode muito bem apontar o surgimento de uma nova consciência entre os médicos, pode apontar a necessidade de escutar a antiga frase de José de Letamendi y Manjarrés, e fazer com que compreendamos com clareza a antiga verdade de que o médico precisa saber muito mais do que somente a medicina para ser um bom profissional.

Com uma filosofia de qualidade, o médico refletirá melhor sobre os rumos tomados e decidirá com maior consciência. Com filosofia de qualidade o médico poderá voltar a participar de forma mais efetiva na sociedade, tanto culturalmente quanto politicamente.

Se não resgatarmos nossa identidade cultural e a aprimorarmos com base em uma sólida formação de caráter, conhecimentos e técnicas, a nobre profissão médica em seus mais elevados padrões estará com os dias contados.

Hélio Angotti Neto
21 de setembro de 2017
Colatina - ES