sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

A DISBIOÉTICA CONTRA A VIDA HUMANA

DISBIOÉTICA CONTRA A VIDA HUMANA

Quando matar vira tratamento




No periódico DIGNITAS, do Center for Bioethics and Human Dignity (Volume 23/3), Edward Grant, professor do renomado Centro Pellegrino de Bioética Clínica da Universidade de Georgetown, relata o avanço da eutanásia e do suicídio assistido sobre diversos países. 

Sua preocupação é que matar o paciente torne-se, inevitavelmente, numa das formas elencadas mais fáceis, baratas e frequentes de lidar com pacientes graves.

Em seu artigo, reproduz o relato do autor George Weigel:

George Weigel, do Centro de Políticas Públicas e Ética de Washington

"Durante o acampamento de verão de minha paróquia no interior de Quebec, três anciões receberam o diagnóstico de câncer no hospital local, um estabelecimento interiorano a uma hora de viagem de carro do centro urbano de Ottawa e ainda mais distante da super secular Montreal. Porém, após a informação do diagnóstico, a primeira questão perguntada para cada uma dessas pessoas foi 'você quer fazer eutanásia?' É isso o que o sistema canadense de eutanásia alcançou em apenas poucos meses: colocou a eutanásia no topo das opções do cardápio proposto para pessoas gravemente doentes." (destaques do próprio autor)

Grant se questiona sobre como os novos médicos serão ensinados nesse contexto. Serão eles instruídos a oferecer a eutanásia como qualquer outra opção ou até mesmo como a primeira opção? Serão eles pressionados para corte de gastos monetários e emocionais com a eliminação dos "casos difíceis"? Respeitarão aqueles que alegam objeção de consciência?

Edward Grant, Professor da Universidade de Georgetown

GRANT, Edward R. Cracks in the wall: confronting the legalization of physician-assisted suicide and euthanasia. DIGNITAS, 2016, Volume 23(3), p.1, 4-6.

sábado, 24 de dezembro de 2016

O Juramento de Hipócrates: o Espinho na Carne da Bioética

O ESPINHO NA CARNE DA BIOÉTICA!

Trecho do trabalho do Professor Tom Koch, acerca do Juramento de Hipócrates e de sua infame recepção por alguns bioeticistas contemporâneos, tema discutido também no livro "A Tradição da Medicina".

"Não há nada bizarro, esotérico ou especificamente preso ao tempo sobre os imperativos éticos do Juramento de Hipócrates. Sua insistência no cuidado com o paciente e na saúde como primeiros deveres do médico apresenta imperativos éticos com força ética, legal e social ainda válida. Nem o Juramento, ainda citado em centenas de escolas médicas e em várias línguas diferentes, e nem a medicina que Hipócrates descreveu foram secretos. Na verdade, foi sua ampla disseminação ao longo dos séculos que permitiu sua adoção quase universal.

O Juramento é dado aos médicos porque eles são aqueles a quem a sociedade cede a responsabilidade primária pelos cuidados com o paciente. Eles (os médicos) têm conhecimento especial sobre diagnóstico e tratamentos não disponível à pessoa comum e, logo, são responsáveis por usar aquele conhecimento para promover o que mais interessa aos pacientes em seus cuidados. E, ao longo de suas vidas, durante as quais os médicos confrontam repetidamente os dilemas em saúde, eles são considerados – com razão – como detentores de um conhecimento especial sobre como resolvê-los, conhecimento este retirado da constante experiência."


“There is nothing bizarre, cultish, or even particularly dated about the ethical imperatives of the Hippocratic Oath. Its insistence on patient care and health as a physician’s primary duty presents an ethical imperative with ongoing ethical, legal, and social force. Neither The Oath, which is recited at hundreds of medical schools in a variety of languages, nor the medicine that Hippocrates described was secret. Indeed, it was their broad dissemination over centuries that permitted their near-universal adoption.
The Oath is given to physicians because they are the ones to whom society cedes primary responsibility for patient care. They have special knowledge about diagnosis and treatments not available to the average person and thus are given the responsibility to use that knowledge to promote the best interests of the patient in care. And, during working lives in which dilemmas of care are repeatedly faced, they are reasonably expected to have some special knowledge, drawn from constant experience, about the means of their resolution."

Link da página pessoal do autor: http://kochworks.com/index.php 

KOCH, Thomas. The Hippocratic Thorn in Bioethics’ Hide: Cults, Sects and Strangeness.  Journal of Medicine and Philosophy, 39(1), 2013, p. 75-88.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

O JURAMENTO DE HIPÓCRATES ORIGINAL

O JURAMENTO DE HIPÓCRATES

Para adquirir cópia física da obra, visite o site da Editora Monergismo

[1a] Juro por Apolo médico, Asclépio, Hígia, Panacéia e todos os deuses e deusas, e os tomo por testemunhas que, conforme minha capacidade e discernimento, cumprirei este juramento e compromisso escrito:

[1a] Ὄμνυμι Ἀπόλλωνα ἰητρὸν καὶ Ἀσκληπιὸν καὶ Ὑγείαν καὶ Πανάκειαν καὶ θεοὺς πάντας τε καὶ πάσας, ἵστορας ποιεύμενος, ἐπιτελέα ποιήσειν κατὰ δύναμιν καὶ κρίσιν ἐμὴν ὅρκον τόνδε καὶ συγγραφὴν τήνδε·

[1b] considerar igual a meus pais aquele que me ensinou esta arte, compartilhar com ele meus recursos e se necessário prover o que lhe faltar; considerar seus filhos meus irmãos, e aos do sexo masculino ensinarei esta arte sem remuneração ou compromisso escrito, se desejarem aprendê-la; compartilhar os preceitos, ensinamentos orais e todas as demais instruções com os meus filhos, os filhos daquele que me ensinou, os discípulos que assumiram compromisso por escrito e prestaram juramento conforme a lei médica, e com ninguém mais;

[1b] ἡγήσεσθαι μὲν τὸν διδάξαντά με τὴν τέχνην ταύτην ἴσα γενέτῃσιν ἐμοῖς, καὶ βίου κοινώσεσθαι, καὶ χρεῶν χρηΐζοντι μετάδοσιν ποιήσεσθαι, καὶ γένος τὸ ἐξ αὐτοῦ ἀδελφοῖς ἴσον ἐπικρινεῖν ἄρρεσι, καὶ διδάξειν τὴν τέχνην ταύτην, ἢν χρηΐζωσι μανθάνειν, ἄνευ μισθοῦ καὶ συγγραφῆς, παραγγελίης τε καὶ ἀκροήσιος καὶ τῆς λοίπης ἁπάσης μαθήσιος μετάδοσιν ποιήσεσθαι υἱοῖς τε ἐμοῖς καὶ τοῖς τοῦ ἐμὲ διδάξαντος, καὶ μαθητῇσι συγγεγραμμένοις τε καὶ ὡρκισμένοις νόμῳ ἰητρικῷ, ἄλλῳ δὲ οὐδενί.

[2] utilizarei a dieta para benefício dos que sofrem, conforme minha capacidade e discernimento, e além disso repelirei o mal e a injustiça;

[2] διαιτήμασί τε χρήσομαι ἐπ᾿ ὠφελείῃ καμνόντων κατὰ δύναμιν καὶ κρίσιν ἐμήν, ἐπὶ δηλήσει δὲ καὶ ἀδικίῃ εἴρξειν.

[3] não darei, a quem pedir, nenhuma droga mortal, nem recomendarei essa decisão; do mesmo modo, não darei a mulher alguma pessário para abortar;

[3] οὐ δώσω δὲ οὐδὲ φάρμακον οὐδενὶ αἰτηθεὶς θανάσιμον, οὐδὲ ὑφηγήσομαι συμβουλίην τοιήνδε· ὁμοίως δὲ οὐδὲ γυναικὶ πεσσὸν φθόριον δώσω.

[4] com pureza e santidade conservarei minha vida e minha arte;

[4] ἁγνῶς δὲ καὶ ὁσίως διατηρήσω βίον τὸν ἐμὸν καὶ τέχνην τὴν ἐμήν.

[5] não operarei ninguém que tenha a doença da pedra, mas cederei o lugar aos homens que fazem essa prática;

[5] οὐ τεμέω δὲ οὐδὲ μὴν λιθιῶντας, ἐκχωρήσω δὲ ἐργάτῃσιν ἀνδράσι πρήξιος τῆσδε.

[6] em quantas casas eu entrar, entrarei para benefício dos que sofrem, evitando toda injustiça voluntária e outra forma de corrupção, e também atos libidinosos no corpo de mulheres e homens, livres ou escravos;

[6] ἐς οἰκίας δὲ ὁκόσας ἂν ἐσίω, ἐσελεύσομαι ἐπ᾿ ὠφελείῃ καμνόντων, ἐκτὸς ἐὼν πάσης ἀδικίης ἑκουσίης καὶ φθορίης, τῆς τε ἄλλης καὶ ἀφροδισίων ἔργων ἐπί τε γυναικείων σωμάτων καὶ ἀνδρῴων, ἐλευθέρων τε καὶ δούλων.

[7] o que vir e ouvir, durante o tratamento, sobre a vida dos homens, sem relação com o tratamento, e que não for necessário divulgar, calarei, considerando tais coisas segredo.

[7] ἃ δ᾿ ἂν ἐν θεραπείῃ ἢ ἴδω ἢ ἀκούσω, ἢ καὶ ἄνευ θεραπείης κατὰ βίον ἀνθρώπων, ἃ μὴ χρή ποτε ἐκλαλεῖσθαι ἔξω, σιγήσομαι, ἄρρητα ἡγεύμενος εἶναι τὰ τοιαῦτα.

[8] Se cumprir e não violar este juramento, que eu possa desfrutar minha vida e minha arte afamado junto a todos os homens, para sempre; mas se eu o transgredir e não o cumprir, que o contrário aconteça.


[8] ὅρκον μὲν οὖν μοι τόνδε ἐπιτελέα ποιέοντι, καὶ μὴ συγχέοντι, εἴη ἐπαύρασθαι καὶ βίου καὶ τέχνης δοξαζομένῳ παρὰ πᾶσιν ἀνθρώποις ἐς τὸν αἰεὶ χρόνον· παραβαίνοντι δὲ καὶ ἐπιορκέοντι, τἀναντία τούτων.

Conheça mais acerca do Juramento de Hipócrates e de suas interpretações no livro "A Tradição da Medicina".



domingo, 18 de dezembro de 2016

FUNDAMENTOS DO SEFAM

FUNDAMENTOS DO SEFAM


Quais as fontes do SEFAM? Muitos perguntam quais são os autores que fundamentam o esforço realizado em Humanidades Médicas. Eis as principais influências.

Entre os antigos, Platão, Aristóteles e Hipócrates. Não há como evitá-los. A palavra que resume a necessidade do estudo profundo desses três em Humanidades Médicas, Filosofia da Medicina e Bioética é LEITURA OBRIGATÓRIA.

Também não há como contornar as Escrituras Sagradas, tanto do Velho quanto do Novo Testamento. Como o próprio William Osler já indicava, e críticos literários como Northrop Frye demonstram em dias mais contemporâneos, na Bíblia está a decodificação total de nossa cultura, lá estão todos os enredos de vida e narrativa.

Da Espanha, as principais fontes de influência incluem Xavier Zubiri, Diego Gracia, Alfonso López Quintás e José Ortega y Gasset.

Da Holanda, o filósofo reformado Herman Dooyeweerd.

Da França, o filósofo Louis Lavelle.

Dos Estados Unidos, Eric Voegelin (origem alemã), Viktor Frankl (origem Vienense) e Edmund Pellegrino.

Do Brasil, Olavo de Carvalho (que foi aquele quem abriu portas para alcançar grande parte dos autores aqui citados) e Mário Ferreira dos Santos.

Outras influências que enriquecem o panorama do SEFAM e trazem diversas perspectivas ao estudo em Bioética, Biopolítica e Filosofia da Medicina incluem: James Marcum (Baylor University - Texas), Reuven Feuerstein (Israel), David Thomasma (Estados Unidos), Gabriel Liiceanu (Romênia), Tomás de Aquino, Agostinho de Hipona, Francis Schaeffer (Estados Unidos), João Calvino (França - Suíça), Roger Scruton (Reino Unido), William Lane Craig (Estados Unidos) Anthony Daniels (Theodore Dalrymple - Reino Unido), Pedro Laín Entralgo (Espanha), Eric Cassel (Estados Unidos), Clive Staples Lewis (Reino Unido) e muitos, muitos outros.

Estas são as influências humanísticas sem incluir os grandes romancistas e poetas, base de todo o esforço intelectual.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

LANÇAMENTO: A TRADIÇÃO DA MEDICINA

LANÇAMENTO: A TRADIÇÃO DA MEDICINA



Em meu livro anterior, A Morte da Medicina[1], falei a respeito de como a medicina – por meio da bioética – pode ser utilizada para transformar e deturpar os valores de uma sociedade. Utilizando um artigo que anunciava o suspeitíssimo conceito de “Aborto Pós-Nascimento”, escrevi sobre os fundamentos filosóficos da medicina, incluindo a sua perspectiva moral tradicional.

Contudo, a essência daquela obra era crítica, e faltava uma publicação de caráter mais propositivo, detalhando características importantes da tradição médica ao invés de criticar somente os desvios éticos da época contemporânea.

Tinha uma obrigação a cumprir, iniciada com o livro recém-publicado: A Tradição da Medicina.

Na primeira parte deste segundo livro eu falo especificamente da tradição hipocrática e cristã da medicina, isto é, da necessária moral tradicional médica da civilização ocidental, tão desprezada por uns, tão amada por outros. Como interpretar o Juramento de Hipócrates? Talvez o mais conhecido dos antigos documentos médicos? Será que a leitura dos clássicos hipocráticos ainda tem alguma serventia ao aluno de medicina ou de outras áreas da saúde? Será que os instrumentos de análise cultural necessários podem contribuir na formação ética e científica de um profissional de nível superior?

Respondo que sim. Ler os clássicos serve como fonte de inspiração e treino das capacidades mentais, como já descobrira William Osler[2] e diversos professores que, juntos, escreveram o Relatório de Yale de 1828 sobre Educação Superior.[3]

O livro recém-publicado inicia justamente na análise do riquíssimo conteúdo moral e cultural contido no Juramento de Hipócrates, e em sua aplicação à educação médica contemporânea e à ética médica. Na análise também há uma resposta à crítica fácil e inadequada que corre pelo cenário brasileiro e pelo cenário internacional da Boética.

Dentro da tradição moral médica, também busco o resgate da linguagem das virtudes, negligenciada por muitos nas discussões éticas e bioéticas. O fato é que princípios, valores e benefícios existem no interior de vidas concretas e no âmbito de suas relações, como muito bem lembra Alfonso López Quintás.[4] Para isso, a linguagem utilizada segue os passos de Edmund Pellegrino e David Thomasma, pensadores na linhagem tomista.

Por fim, demonstro a organização dos dois primeiros anos do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina como possível exemplo para auxiliar aqueles que desejam iniciar suas próprias caminhadas no estudo das Humanidades Médicas. Meu pressuposto básico foi a divisão dos estudos conforme a teoria aristotélica dos quatro discursos, uma excelente ferramenta pedagógica sistematizada pelo filósofo brasileiro Olavo de Carvalho que ainda promete oferecer muitos desenvolvimentos para a cultura brasileira.[5]

Uma obra que demorou doze anos para ser iniciada foi disparada com o livro A Morte da Medicina, e agora, uma sequência de livros se aproxima com o objetivo de resgatar a identidade cultural do médico. Posso fazer muito pouco, mas tenho certeza de que muitos colegas extremamente capazes avançarão nos estudos e mostrarão o enorme potencial que o médico brasileiro tem para o desenvolvimento da vida filosófica e para os estudos humanísticos de qualidade.

A Tradição da Medicina é, ao contrário do livro A Morte da Medicina, uma obra focalizada no que há de bom para ser falado da profissão médica. E há muito a ser falado, acreditem.


Obras previstas para os próximos meses:

- Disbioética I: Reflexões sobre os estranhos rumos da ética;

- Disbioética II: Novas Reflexões sobre os estranhos rumos da ética;

- Disbioética III: O Extermínio do Amanhã;

- Ars Medica: Hipócrates e a Fundação Moral da Medicina Ocidental;

- Código de Ética Médica: Raízes Culturais, Problemas Perenes e Reflexões Contemporâneas.

Artigos em produção:

- O Autoritarismo Hipocrático?;

- Análise Discursiva e Moral do Juramento de Hipócrates.

Projetos em andamento:

- Humanização hospitalar: a impressão dos pacientes;

- Tradução de livros e artigos.

* Para adquirir a obra na versão impressa: Editora Monergismo



[1] ANGOTTI NETO, Hélio. A Morte da Medicina. Campinas, SP: Vide Editorial, 2014.
[2] OSLER, William; NIKI, Hisae; HINOHARA, Shigeaki (Editor). Osler's A Way of Life and Other Addresses, with Commentary and Annotations. Durham, NC: Duke University Press, 2001.
[3] UNIVERSIDADE DE YALE. A Educação Superior e o Resgate Intelectual: O Relatório de Yale de 1828. Campinas, SP: Vide Editorial, 2016.
[4] LÓPEZ-QUINTÁS, Alfonso. O Conhecimento dos Valores. São Paulo: É Realizações, 2016.
[5] CARVALHO, Olavo de. Aristóteles em Nova Perspectiva. Introdução à Teoria dos Quatro Discursos. Campinas, SP: Vide Editorial, 2014.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

TORCENDO A SEMÂNTICA: DIREITOS REPRODUTIVOS


A expressão “Direitos Reprodutivos” merece um pouco de atenção, pois de reprodutivo nada ou pouco tem de fato, a não ser se fosse o direito de evitar um aborto para que nascesse uma criança fruto da reprodução.

Contudo, a expressão é utilizada em muitas conversas para comunicar justamente a vontade de destruir fetos e bebês, o fruto da reprodução. É como se eu inventasse a expressão “Direitos Dietéticos” para fazer uma greve de fome ou utilizasse “Direitos Sexuais” para optar pelo celibato.

Outro ponto que demonstra o ridículo de se falar em Direitos Reprodutivos é o fato de que ninguém é obrigado a copular com o próximo. Eu não tenho o direito de reproduzir, já que ninguém tem a obrigação de ser meu cônjuge. O uso da palavra “direito” neste caso é, no mínimo, uma figura de linguagem muito inadequada que só traz confusão ao debate bioético, quando não o distorce completamente.

O nome verdadeiro deveria ser “Direito de Extermínio”. Pena que o nome não seria lá muito politicamente correto, embora muito mais veraz.

A coisa fica ainda mais louca quando engenheiros sociais classificam Direitos Reprodutivos como Direitos Humanos Universais, o que equivale a dizer que é um direito universal do ser humano matar outro ser humano e eliminar a possibilidade do outro em exercer qualquer outro direito neste plano existencial.

Ao lidar com essas expressões, na grande maioria das vezes esdrúxulas e ambíguas, é preciso saber que cada termo tem uma história. Alguém criou o termo com determinado fim em mente.

Tome, por exemplo, a expressão “Direito de Decidir”, que se refere às mulheres que, convencidas pelos engenheiros sociais e pelos abortistas em geral, querem ajuda médica e dinheiro público para que assassinem seus filhos. Isto é, desejam decidir pelo assassinato de outra pessoa, inocente e indefesa, no interior de seus corpos.

Um dos criadores e divulgadores da expressão "direito de decidir" foi Bernard Nathanson, o rei do aborto. Ao lado de militantes radicais ligados ao que hoje alguns chamam de marxismo cultural e feminismo radical, Nathanson cunhou termos para que ficasse mais fácil a guerra cultural e jurídica em prol da liberação do aborto.

Nathanson sabia do poder das palavras e de como poderíamos utilizá-las para manipular a sociedade e dobrá-la às nossas vontades. Neste caso, a vontade de faturar alto com a morte dos bebês e fetos.

Essa manipulação tosca, porém muito bem sucedida, é vista todos os dias, e repetida de forma ingênua por milhões de pessoas, verdadeiros bonecos de ventríloquo dos iluminados engenheiros de nosso futuro.

Não fale do direito de matar, fale do direito de decidir.

Não fale do direito à vida, fale do direito reprodutivo.

Não fale da proteção da vida humana, fale da proteção da autonomia e da independência.

Não fale de massacres eugênicos, fale de empoderamento feminino.

Não fale da indústria do aborto, fale do radicalismo religioso dos defensores de bebês.

Não fale da venda de órgãos fetais e infantis, fale do direito de fomentar o progresso científico e da otimização da utilidade.

Não fale do regresso à cultura pré-cristã do infanticídio, fale do reacionarismo cristão em defender a vida de crianças.

Poderia prosseguir por páginas e mais páginas, e a cada dia uma expressão nova, artificial e estupidificante, é produzida.

Nossa sociedade vive seu momento de grande mediocridade. Muitos preferem ouvir a respeito do direito de decidir, mas poucos ousam defender abertamente o dever de proteger uma vida humana. Uma sociedade mergulhada no egocentrismo, no relativismo e no hedonismo, imbuída do mais rasteiro sentimento de massa, como Ortega y Gasset descrevia tão bem em seu livro “A Rebelião das Massas”[1], só pode mesmo exaltar a morte do bebê para evitar as dificuldades em ceder o próprio tempo para cuidar de alguém.

Como explicou Olavo de Carvalho:

Ortega y Gasset já dizia que os principais inimigos da cultura são os “señoritos satisfechos” que desfrutam do legado da civilização sem ter a menor idéia de como foi conquistado e, por ignorância das condições que o geraram, acabam por destruí-lo.[2]

Abortistas são como “señoritos satisfechos”, fitando o próprio umbigo e colocando seus direitos reprodutivos acima da vida alheia.

Esse desrespeito autodestrutivo pela cultura cristã, base de nossa civilização e aguerrida defensora da vida humana, só pode culminar na nossa própria destruição, gerando a crise linguística que poderíamos definir como revolucionarismo linguístico, conforme descrito na obra “A Origem da Linguagem”, de Eugen Rosenstock-Huessy.[3]

Conceitos são destruídos e novos termos artificiais são criados em um ritmo que impede a expressão sincera e rica de um povo e sua cultura, gerando um povo sem raiz, repleto de indivíduos moldáveis, desmemoriados, calados pela linguagem embrutecedora do politicamente correto, censurados em sua inteligência, perfeitos para a engenharia social e capacitados para os mais terríveis feitos, como, por exemplo, assassinarem bebês e fetos, matarem seus próprios filhos.

Justamente esses que defendem o direito de exterminar a vida humana são os que normalmente arrogam para si o título de defensores da igualdade. O já citado Olavo de Carvalho aponta a contradição:

Não, não há nada que os apóstolos da igualdade abominem mais do que a igualdade de valor entre as vidas humanas. A deles valem o infinito. As dos outros, nada.[4]

Hélio Angotti Neto
Médico Oftalmologista, Colunista do Academia Médica, Coordenador do Curso de Medicina do UNESC, Global Scholar em 2016 do Center for Bioethics and Human Dignity, Presidente da Comissão de Bioética do Hospital Maternidade São José / Centro Universitário do Espírito Santo, Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC. Criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina (SEFAM – www.medicinaefilosofia.blogspot.com.br).



[1] ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. Campinas, SP: Vide Editorial, 2016.
[2] CARVALHO, Olavo de. Rodericus Constantinus Grammaticus, o anti-estudante ou: O Homem do Mim. 11 de fevereiro de 2007. Internet, http://www.olavodecarvalho.org/textos/homem_mim.html
[3] ROSENSTOCK-HUESSY, Eugen. A Origem da Linguagem. São Paulo: Record, 2002.
[4] CARVALHO, Olavo de. A Fórmula para Enlouquecer o Mundo. Cartas de um terráqueo ao Planeta Brasil Vol. III. Campinas, SP: Vide Editorial, 2014, p. 437.

domingo, 4 de dezembro de 2016

Restrição do Aborto e o Caso do Chile

 Restrição do Aborto e o Caso do Chile


"Você quer salvar vidas maternas? Apele para a educação, não para o extermínio de fetos e bebês."
Os desesperados pela legalização do assassinato de fetos e bebês pregam como profetas, preveem em suas bolas de cristal que a legalização irá salvar muitas vidas maternas (ao custo de milhões de vidas fetais e infantis, é verdade, mas a vida de uns vale mais que a de outros na cabeça desse povo doido). Também gritam por aí que restringir o acesso ao aborto legalizado irá obrigar mulheres a buscar assistência indevida.

Os fatos mostram outra coisa.

No Chile, uma forte restrição ao aborto, desde 1989, cursou com uma redução progressiva na mortalidade materna relacionada ao aborto ilegal. Isso mesmo! Restringir o aborto cursou com a diminuição da mortalidade!

Estudos realizados no Chile mostram que o aborto inseguro está ligado a um ambiente de medo e coerção, no qual a mãe, incerta de seu futuro, não encontra apoio na sociedade. O Chile resolveu mudar o cenário e iniciou programas de orientação ao planejamento familiar e de elevação dos níveis educacionais das mulheres chilenas, além de intensificar programas de apoio às jovens e inexperientes mães que se encontram em risco de apelar ao abortamento clandestino.

Realmente é mais fácil enfiar um aspirador, desmembrar e matar logo ao invés de realizar toda uma intervenção cultural e todo um programa de apoio cordial. Obviamente, uma coisa não se torna boa por ser mais fácil.

Se nossa sociedade não conseguir se destacar por oferecer verdadeiro apoio às mães e suas famílias, se destacará então por ser uma eficaz exterminadora de humanos indesejáveis. Nós já vimos esse filme antes, certo?

Você quer salvar vidas maternas? Apele para a educação, não para o extermínio de fetos e bebês.

Figure 1. Trend for maternal mortality ratio, Chile 1957–2007.

Figure 2. Relative importance of different causes of maternal death in four periods in Chile between 1957 and 2007.


Fontes Bibliográficas

Koch E (2014) Epidemiología del aborto y su prevención en Chile [Epidemiology of abortion and its prevention in Chile]. Rev Chil Obstet Ginecol 7(5):351-360. Internethttp://www.revistasochog.cl/files/pdf/EDITORIAL50-e0.pdf

Koch E, Thorp J, Bravo M, Gatica S, Romero CX, Aguilera H, Ahlers I (2012) Women's education level, maternal health facilities, abortion legislation and maternal deaths: a natural experiment in Chile from 1957 to 2007. PLoS ONE 7(5):e36613. DOI:10.1371/journal.pone.0036613. Internet