quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

TORCENDO A SEMÂNTICA: DIREITOS REPRODUTIVOS


A expressão “Direitos Reprodutivos” merece um pouco de atenção, pois de reprodutivo nada ou pouco tem de fato, a não ser se fosse o direito de evitar um aborto para que nascesse uma criança fruto da reprodução.

Contudo, a expressão é utilizada em muitas conversas para comunicar justamente a vontade de destruir fetos e bebês, o fruto da reprodução. É como se eu inventasse a expressão “Direitos Dietéticos” para fazer uma greve de fome ou utilizasse “Direitos Sexuais” para optar pelo celibato.

Outro ponto que demonstra o ridículo de se falar em Direitos Reprodutivos é o fato de que ninguém é obrigado a copular com o próximo. Eu não tenho o direito de reproduzir, já que ninguém tem a obrigação de ser meu cônjuge. O uso da palavra “direito” neste caso é, no mínimo, uma figura de linguagem muito inadequada que só traz confusão ao debate bioético, quando não o distorce completamente.

O nome verdadeiro deveria ser “Direito de Extermínio”. Pena que o nome não seria lá muito politicamente correto, embora muito mais veraz.

A coisa fica ainda mais louca quando engenheiros sociais classificam Direitos Reprodutivos como Direitos Humanos Universais, o que equivale a dizer que é um direito universal do ser humano matar outro ser humano e eliminar a possibilidade do outro em exercer qualquer outro direito neste plano existencial.

Ao lidar com essas expressões, na grande maioria das vezes esdrúxulas e ambíguas, é preciso saber que cada termo tem uma história. Alguém criou o termo com determinado fim em mente.

Tome, por exemplo, a expressão “Direito de Decidir”, que se refere às mulheres que, convencidas pelos engenheiros sociais e pelos abortistas em geral, querem ajuda médica e dinheiro público para que assassinem seus filhos. Isto é, desejam decidir pelo assassinato de outra pessoa, inocente e indefesa, no interior de seus corpos.

Um dos criadores e divulgadores da expressão "direito de decidir" foi Bernard Nathanson, o rei do aborto. Ao lado de militantes radicais ligados ao que hoje alguns chamam de marxismo cultural e feminismo radical, Nathanson cunhou termos para que ficasse mais fácil a guerra cultural e jurídica em prol da liberação do aborto.

Nathanson sabia do poder das palavras e de como poderíamos utilizá-las para manipular a sociedade e dobrá-la às nossas vontades. Neste caso, a vontade de faturar alto com a morte dos bebês e fetos.

Essa manipulação tosca, porém muito bem sucedida, é vista todos os dias, e repetida de forma ingênua por milhões de pessoas, verdadeiros bonecos de ventríloquo dos iluminados engenheiros de nosso futuro.

Não fale do direito de matar, fale do direito de decidir.

Não fale do direito à vida, fale do direito reprodutivo.

Não fale da proteção da vida humana, fale da proteção da autonomia e da independência.

Não fale de massacres eugênicos, fale de empoderamento feminino.

Não fale da indústria do aborto, fale do radicalismo religioso dos defensores de bebês.

Não fale da venda de órgãos fetais e infantis, fale do direito de fomentar o progresso científico e da otimização da utilidade.

Não fale do regresso à cultura pré-cristã do infanticídio, fale do reacionarismo cristão em defender a vida de crianças.

Poderia prosseguir por páginas e mais páginas, e a cada dia uma expressão nova, artificial e estupidificante, é produzida.

Nossa sociedade vive seu momento de grande mediocridade. Muitos preferem ouvir a respeito do direito de decidir, mas poucos ousam defender abertamente o dever de proteger uma vida humana. Uma sociedade mergulhada no egocentrismo, no relativismo e no hedonismo, imbuída do mais rasteiro sentimento de massa, como Ortega y Gasset descrevia tão bem em seu livro “A Rebelião das Massas”[1], só pode mesmo exaltar a morte do bebê para evitar as dificuldades em ceder o próprio tempo para cuidar de alguém.

Como explicou Olavo de Carvalho:

Ortega y Gasset já dizia que os principais inimigos da cultura são os “señoritos satisfechos” que desfrutam do legado da civilização sem ter a menor idéia de como foi conquistado e, por ignorância das condições que o geraram, acabam por destruí-lo.[2]

Abortistas são como “señoritos satisfechos”, fitando o próprio umbigo e colocando seus direitos reprodutivos acima da vida alheia.

Esse desrespeito autodestrutivo pela cultura cristã, base de nossa civilização e aguerrida defensora da vida humana, só pode culminar na nossa própria destruição, gerando a crise linguística que poderíamos definir como revolucionarismo linguístico, conforme descrito na obra “A Origem da Linguagem”, de Eugen Rosenstock-Huessy.[3]

Conceitos são destruídos e novos termos artificiais são criados em um ritmo que impede a expressão sincera e rica de um povo e sua cultura, gerando um povo sem raiz, repleto de indivíduos moldáveis, desmemoriados, calados pela linguagem embrutecedora do politicamente correto, censurados em sua inteligência, perfeitos para a engenharia social e capacitados para os mais terríveis feitos, como, por exemplo, assassinarem bebês e fetos, matarem seus próprios filhos.

Justamente esses que defendem o direito de exterminar a vida humana são os que normalmente arrogam para si o título de defensores da igualdade. O já citado Olavo de Carvalho aponta a contradição:

Não, não há nada que os apóstolos da igualdade abominem mais do que a igualdade de valor entre as vidas humanas. A deles valem o infinito. As dos outros, nada.[4]

Hélio Angotti Neto
Médico Oftalmologista, Colunista do Academia Médica, Coordenador do Curso de Medicina do UNESC, Global Scholar em 2016 do Center for Bioethics and Human Dignity, Presidente da Comissão de Bioética do Hospital Maternidade São José / Centro Universitário do Espírito Santo, Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC. Criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina (SEFAM – www.medicinaefilosofia.blogspot.com.br).



[1] ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. Campinas, SP: Vide Editorial, 2016.
[2] CARVALHO, Olavo de. Rodericus Constantinus Grammaticus, o anti-estudante ou: O Homem do Mim. 11 de fevereiro de 2007. Internet, http://www.olavodecarvalho.org/textos/homem_mim.html
[3] ROSENSTOCK-HUESSY, Eugen. A Origem da Linguagem. São Paulo: Record, 2002.
[4] CARVALHO, Olavo de. A Fórmula para Enlouquecer o Mundo. Cartas de um terráqueo ao Planeta Brasil Vol. III. Campinas, SP: Vide Editorial, 2014, p. 437.