domingo, 18 de junho de 2017

A DOR SILENCIOSA: UM ESTUDO SOBRE O SOFRIMENTO DO FETO

A DOR SILENCIOSA




Fala-se muito da mãe quando o assunto é aborto, e com razão, já que ela é a principal responsabilizada pela vida do bebê. É a mãe quem carrega a nova vida em seu ventre e é a mãe quem possui laços estabelecidos com a sociedade por meio de sua biografia e de seus relacionamentos. Contudo, não há como esquecer a presença do feto, por mais abstrativo que seja o pensamento daquele que se debruça sobre essa situação.

Com certeza, aborteiros e abortistas evitarão falar muitos detalhes acerca da realidade e da perspectiva do feto, pois tal excesso de atenção poderá levar todos a perceberem uma incontornável realidade: o feto é, de fato, uma vida humana. Lá estão células, genes, ossos, músculos e, é claro, a capacidade de interagir com o ambiente de diversas formas.

Normalmente chamarão o feto por nomes bem técnicos e desumanos como produto da gravidez, concepto ou consequência indesejada. Chamar o feto de criança, ser humano ou, horror, admitir que é uma pessoa, trará imenso desconforto, oferecendo à consciência o choque de realidade que precede a capacidade de analisar um assunto com inteligência.

Para que imaginemos o quanto a apreensão de tais realidades pode mexer com o imaginário de alguém, basta nos lembrarmos da história de vida do rei do aborto, o médico Bernard Nathanson. Ao observar a reação do feto a um abortamento por meio da ultrassonografia, o médico aborteiro ficou profundamente perturbado. Aquele que não passava de uma abstração, um pequeno refugo a ser removido sem maior preocupação, assumira rapidamente a posição de paciente a ser cuidado. Seus movimentos, suas reações e sua face ganhavam duas dimensões no aparelho e três dimensões na imaginação.

Para os abortistas, é melhor não falar mesmo do feto, não entrar muito no mérito da questão e no excesso de detalhes biológicos e sociais. Quanto menos conhecimento, mais fácil será fingir que o pequeno homem, ou a pequena mulher, não passa de um alienígena distante e desconhecido.

Um dos aspectos que devem ser levados em conta é uma capacidade bem humana dos fetos: a possibilidade de sofrer. Por mais que tal sofrimento possa ser silencioso, é impossível imaginar com absoluta certeza todas as implicações e consequências da dor imposta ao feto. Porém, o que hoje já possuímos de conhecimento acerca da misteriosa vida do feto e de sua capacidade de sentir?

Há um consenso de que fetos podem sentir dor ao atingir cerca de 20 semanas após a concepção, isto é, aproximadamente na idade de 22 semanas de gestação. Um pouco antes disso, já estão presentes as estruturas necessárias para perceber o estímulo doloroso e para transmiti-lo ao cérebro. Com 18 semanas após a concepção o eletroencefalograma já capta atividade elétrica no cérebro, indicando a integridade dos circuitos neuronais cortical e talâmico.[1]

O córtex cerebral, sede física de nossa capacidade intelectiva mais complexa, começa a desenvolver-se às seis semanas após a concepção, enquanto o tálamo, uma parte do cérebro responsável pela sensação dolorosa, começa a desenvolver-se às oito semanas.

É importante lembrar que julgamos a situação tendo por base o aparato neuronal do adulto, conhecido por nós inclusive da perspectiva fenomenológica. Mas não há como garantir com plena certeza quais outras interações entre feto e ambiente são possíveis antes do desenvolvimento das estruturas neuronais superiores; tampouco podemos estipular com certeza quais serão as consequências de diversas atitudes maternas e interações com o ambiente no futuro desenvolvimento do feto e, posteriormente, da criança.

Já sabemos, por exemplo, que a organização básica do sistema nervoso é estabelecida aos 28 dias após a concepção (quatro semanas), com a formação dos primeiros neurônios no neocórtex que já começam a funcionar na qualidade de rede neuronal na sétima semana.[2]

Em relação à recepção de dor, já se observam receptores – chamados de nociceptores – na região ao redor da boca nas cinco semanas após a concepção. Na nona semana, já há nociceptores em toda a face, na palma da mão e na planta do pé. Antes disso, nas seis semanas, o feto responde ao toque.[3]

Outro detalhe curioso e importante para entendermos como funciona a recepção dolorosa do ser humano é que o recém-nascido prematuro tende a sentir muito mais dor aos estímulos ambientais do que crianças nascidas a termo, pois o desenvolvimento de estruturas responsáveis por reduzir a potência do estímulo ambiental e prevenir reações dolorosas exageradas são desenvolvidas posteriormente, entre 32 e 34 semanas após a concepção. Logo, é mais fácil que se sinta mais dor quanto mais cedo ocorrer o parto.[4]

Um detalhe pragmático que muitos também optam por esquecer é que o feto é considerado um paciente. Se para uns médicos, o feto claramente merece cuidado, incluindo anestesia em procedimentos cirúrgicos de altíssima complexidade dentro do útero materno, como podemos concordar que outros médicos considerem o feto apenas um monte de carne indesejável a ser expelido?

Um dos elementos típicos da vida humana é a capacidade de sentir dor e sofrer. Animais sentem dor, mas é difícil afirmar que sofrem verdadeiramente conforme a concepção humana que temos dessa expressão. E quando falamos dos mais indefesos seres humanos, já se sabe que a dor sofrida poderá gerar consequências emocionais, comportamentais e cognitivas na vida posterior, após o parto. Há inclusive evidências sobre a habilidade de formar, por parte do feto, um tipo de memória sobre a dor sofrida.[5]

Diante da atual insensibilidade aos sofrimentos do feto, diante da atual falta de consideração pelo mais frágil dos seres humanos, não estranhe se cada vez mais nos tornarmos insensíveis aos sofrimentos e dores de crianças e adultos. Se nos tornarmos incapazes de enxergar a humanidade de um feto ou de uma criança, em breve seremos incapazes de enxergar o mesmo em nossos vizinhos e parentes. Nossa sociedade mergulhará num pesadelo desumano e utilitário despersonalizado.

Hélio Angotti Neto, 18 de junho de 2017.



[1] VANHATALO, S; VAN NIEUWENHUIZEN, O. ‘Fetal Pain?’ Brain & Development, 22, 2000, p. 145-150.

[2] SADLER, Thomas W. Langman’s Medical Embriology, 11th edition. Baltimore: Lippincott Williams and Wilkins, 2009, caps. 5 e 6.

[3] BRUSSEAU, R. ‘Developmental Perspectives: Is the Fetus Conscious?’International Anesthesiology Clinics, 46 (3), 2008, p. 11-23; MYERS, LB; BULICH, LA. ‘Fetal endoscopic surgery: indications and anaesthetic management’. Best Practice & Research Clinical Anaesthesiology, 18(2), 2004, p. 231-258; BLACKBURN. Maternal, Fetal, and Neonatal Physiology.

[4] GRECO, C; KHOJASTEH, S. “Pediatric, Infant and Fetal Pain”. In: Case Studies in Pain Management. KAYE, Alan David; SHAH, Rinoo V. Cambridge: Cambridge University Press, 2014, p. 379.

[5] Doctors on Fetal Pain. Internet, http://www.doctorsonfetalpain.com/fetal-pain-the-evidence/4-documentation/ ; GRECO, C; KHOJASTEH, S. Op. cit

sábado, 17 de junho de 2017

PREFÁCIO DE "A MEDICINA PÓS-HIPOCRÁTICA"

Prefácio à edição brasileira de A MEDICINA PÓS HIPOCRÁTICA: O PROBLEMA E A SOLUÇÃO


Este livro nasceu de um curioso e assustador desafo: relatar como a ética cristã infuenciou os cuidados médicos. 

A pesquisa de Hugh Flemming, ao lado de sua formação fundamentada na leitura dos clássicos e na teologia, permitiu traçar um panorama histórico e moral que cruza as eras da história de nossa civilização. Ao mesmo tempo, permitiu que sua abordagem tocasse no cerne de uma guerra cultural que atravessa milênios,1 e que hoje vem à tona e escancara sua face nas diferentes modalidades de barbarismo niilista. Barbarismo que tantas vezes rendeu sofrimentos e extermínios, incluindo a eugenia e o abortismo, muitas vezes impulsionados pelo ímpeto prometeico de revolta contra Deus. 

Flemming avisa que a era dourada da medicina está sob o risco de terminar. Estamos abrindo mão da tradição hipocrática e da ética judaico-cristã. No livro, o autor resgata pontos defnidores desse rico legado que até hoje nos benefcia. 

 Do Antigo Testamento veio a noção de dignidade do ser humano como elemento especial da Criação, feito à imagem e semelhança do próprio Deus. Outros povos criam que o homem nada mais era que um elemento constitutivo da natureza, limitado por ela e sem abertura ao transcendente. Hoje, diversos bioeticistas parecem ter retornado ao tempo de fechamento à transcendência. Afrmam não haver nada especial no ser humano — sem dúvida a ideia mais perigosa.2 

Estamos diante da dessacralização da vida humana. Vemos a corrupção de nossa civilização e a queda do ser humano do estado de grande dignidade ao da bestialidade. 

Após o Antigo Testamento, Flemming ressalta a colaboração do Novo Testamento. Jesus Cristo é o redentor do corpo e da alma — o grande médico. E todos nós somos convidados a imitá-lo e entender que a busca pela saúde faz parte do bem maior a ser alcançado ou esperado, integrante do ato divino de salvação. É moral o curar, aliviar e confortar o próximo partindo do princípio da obrigatoriedade de respeitá-lo como obra máxima de Deus, enxergando no que sofre o maior de todos os que sofreram, o próprio Cristo. 

A medicina exercida por cristãos foi em diversos pontos semelhante à da Escola Hipocrática, um grupo de médicos que prezava a ética baseada na valorização da vida humana, no respeito à dignidade do paciente e em diversos outros pontos ainda presentes em práticas contemporâneas. Todavia, os cristãos se destacaram, sobretudo, pela caridade, o amor gratuito que se diferenciou do antigo conceito de flantropia pregado pelos médicos da Antiguidade. A caridade cristã fundamentou a construção dos primeiros hospitais, no século IV d.C.3 

Após abordar a Antiguidade, o judaísmo e o cristianismo primitivo, Flemming questiona o conceito da idade de trevas ao lidar com a Idade Média. Evitando o preconceito iluminista e marxista, novos historiadores têm apresentado estudos de grande qualidade e rigor e demonstram uma época medieval muito diferente da concebida pela cultura popular — enfada à força na cabeça de nossos jovens no ensino médio e mesmo no ensino superior.4 

O autor também subscreve, pelo menos em parte, a ideia de que o cristianismo foi o fator específco que permitiu o nascimento da ciência moderna.5

Esta obra de Hugh Flemming foge do padrão preconceituoso e anticristão tantas vezes observado na Academia brasileira. Sem dúvida, é um ganho para médicos, historiadores, teólogos e estudiosos em geral da ética, da saúde e da flosofa, oferecendo uma perspectiva de regra silenciada e ignorada justamente por quem tanto prega a tolerância e o pluralismo de ideias. 

A prática médica encontra-se ameaçada hoje pelas ideologias da morte, por uma verdadeira “disbioética” que repete e revive o discurso utilizado antes por pagãos, adoradores de Moloque e nazistas, para citar alguns exemplos. Falo da eugenia, do homicídio infantil e do abortismo. Nesse show de horrores presenciado dia após dia em nossas universidades, antigos terrores retornam sob novas máscaras, possuindo ares de autoridade científca e flosófca e demandando respeitabilidade.6 

Remova Deus da cultura, e o cenário de pesadelos estará pronto. Se o homem não é a imagem do próprio Deus, ele nada é de importante. 

Dr. Hélio Angotti Neto 
Autor, A tradição da medicina

O livro pode ser encomendado por meio da Editora Monergismo

quinta-feira, 15 de junho de 2017

HUMANISMO E CONSERVAÇÃO

Humanismo e Conservação

Serão as Humanidades Médicas um empreendimento conservador?


Antes de tentar responder, é preciso refletir sobre os termos e conceitos a serem utilizados. Tal passo deveria ser básico para qualquer um que queira abrir a boca para opinar, algo a ser feito preferencialmente após longos estudos e muita reflexão.

A expressão humanismo é utilizada no sentido de práticas humanas de engajamento na sociedade por meio da cultura de alta qualidade. Daí se entende que existe uma cultura de alta qualidade, denominada Alta Cultura, e uma cultura de baixa qualidade, hoje chamada indiscriminadamente de cultura, sendo que provavelmente jamais seria chamada de cultura em outros tempos. 

O elemento gerador dessa Alta Cultura nas grandes civilizações, sem dúvida nenhuma, é a religião. Logo, falar de humanismo não significa falar de empreendimento humanístico secularizado, mas de empreendimento humanístico de caráter geral, incluindo a perspectiva religiosa, originadora dos grandes símbolos que alimentam as artes em geral.

Também é preciso entender o significado das palavras “Conservação”, “Conservador” e “Conservadorismo”. Talvez seja mais fácil compreender esses termos falando primeiro sobre aquilo que o conservadorismo não é.

Conservar não é nutrir um sentimento de apreço ufanista pelo passado distante, denegrindo tudo o que hoje existe. O nome disso é saudosismo utópico. O conservador entende que no passado existiram coisas terríveis, e que muito do que hoje temos é fantástico, belo e bom. Ignorar as conquistas do presente é inaceitável.

Conservar também não é nutrir um sentimento de que no futuro teremos um destino perfeito e paradisíaco aqui nesta terra, no qual todo o mal será exterminado pelo esforço humano. O nome disso é progressismo utópico. O conservadorismo tampouco é o inverso do progressismo, este papel cabe ao saudosismo utópico.

Conservar não é a oposição sistemática à mudança. O nome disso é reacionarismo, uma forma de estacionar no tempo e evitar progressos ou retrocessos. O Conservador entende que retroceder e avançar fazem parte da vida.

Conservar não é uma ideologia, é uma forma de sentimento, de apreço pelo que deu certo e pelo que é seguro, sem trancar-se à realidade sempre mutável e, ao mesmo tempo, imutável em certos aspectos.

As Humanidades Médicas são conservadoras no sentido de que buscam recuperar e utilizar o que há de melhor no legado cultural da humanidade sem abrir mão dos aprimoramentos de cada dia. O antigo homem, de milênios anteriores, ainda é em termos humanísticos o homem de hoje. Possui sentimentos e experiências semelhantes em moldes novos. E o profissional da saúde deve compreender a essência humana se deseja ajudar ao próximo.

Apreender o passado é compreender o próximo de outras eras e de outras culturas, é humanizar-se.

Embora muitos liguem o projeto de humanização com base no legado cultural clássico com a idéia de intolerância ou reacionarismo, devo alertar que essa é uma mentira deslavada, pura difamação dos incompetentes e ignorantes que prefeririam morrer a ter que ler mais de vinte livros num ano (o recomendável é mais de cinquenta livros para quem deseja estudar as Humanidades Médicas).

Outros dirão que esse projeto de Humanidades Médicas ligadas ao legado da Alta Cultura pertence ao estudioso da torre de marfim, que se tranca longe do público em meio a seus livros. Outra mentira sem vergonha. Aos livros soma-se a experiência com o próximo. Todo profissional “humanizado” é um comunicador, um ouvinte atento de histórias da vida alheia, um entusiasta apaixonado pela experiência chamada de vida humana.

Com base nesses conceitos, afirmo que não existem Humanidades Médicas sem o empenho conservador corretamente compreendido. Pena que, no Brasil e em boa parte do mundo, a “novafala orwelliana” tenha transformado o termo conservador em tudo aquilo que ele realmente não é.


O paciente idoso, sentindo-se incapaz e sofrido com a aproximação da morte, ganhará muito mais de um profissional experiente que tenha lido Rei Lear de Sheakespeare, O Velho e o Mar de Hemingway, A Morte de Ivan Illitch de Tolstói e A Montanha Mágica de Thomas Mann do que ganharia com um ouvinte de funk carioca e leitor assíduo de quadrinhos da Marvel. Nada contra os ícones da cultura pop, mas nem tudo é uma simples questão de gosto, é uma questão de qualidade real e aplicabilidade.

Literatura e Imaginação Empática

A imaginação permite olhar para o paciente que veio em busca de auxílio e enxergar o mundo através de seus olhos. O médico se coloca no lugar do paciente e, de repente, está com câncer, será pai, encontra-se curado de uma doença grave ou apresenta um transtorno psiquiátrico. A imaginação é, de fato, um prodígio. Ela ergue pontes entre diferentes pessoas. Une mundos e enriquece vidas.

O médico, o enfermeiro ou o assistente social são capazes, por meio da experiência, do diálogo e da imaginação, de entrar no mundo alheio e compreender valores e perspectivas diferentes da sua. Como alguém ousa debater Bioética e Humanidades Médicas sem ter uma boa experiência de vida e uma larga intimidade com a cultura?

O crítico literário canadense, Northrop Frye, oferece em sua coletânea de ensaios preciosas observações sobre como a literatura enriquece nossa imaginação e promove a participação positiva e qualificada na sociedade.


Uma das utilidades mais óbvias (de se estudar o mundo da imaginação), penso eu, é o incentivo à tolerância: na imaginação as nossas próprias crenças são simples possibilidades, e ainda enxergamos as crenças das possibilidades alheias. Fanáticos e preconceituosos raramente tentam tirar algum proveito da arte – estão obcecados demais por suas crenças e ações para enxergá-las como talvez simples possibilidades.

O que produz a tolerância é o poder do distanciamento imaginativo, que nos permite tirar as coisas do alcance da ação e da crença. [1]

O médico que mergulha nas Humanidades vê muitas vidas nas páginas dos livros, nos lares e nos leitos das enfermarias hospitalares. Atende a um rico burguês ou a um presidiário escoltado com dedicação e excelência. Sabe que está lá para servir, não para julgar. Consegue imaginar-se na pele de um santo ou de um pecador, pois sabe que guarda elementos de ambos em sua alma, nutrida pela vida e pela Alta Cultura.

As construções da imaginação contam-nos coisas sobre a vida humana que não poderíamos saber de nenhum outro jeito.[2]

Hoje, no Brasil, as cadeiras relacionadas às humanidades parecem remar contra a maré milenar da Alta Cultura, censurando opiniões divergentes, apelando para o autoritarismo acadêmico e para a espiral do silêncio, proibindo certos nomes e obras, transformando o discurso erudito numa monótona cacofonia de poucos tons. Pessoas são divididas em classes ou grupos abstratos enquanto suas identidades, sua individualidade, são desacreditadas por sociólogos do Gulag.

Nos consultórios, postos de saúde e hospitais estão pacientes sofridos, ameaçados em sua integridade, gritando por socorro àqueles que verão um indivíduo, jamais um número numa pauta ou um objeto numa casuística. Pessoas sofridas não querem ser, de regra, burgueses, proletários ou revolucionários, eles querem ser a Dona Maria, o Seu João ou o Arthurzinho.

Como compreender uma individualidade sem imergir em incontáveis individualidades, pensamentos e emoções? Tais experiências são providas pela boa formação humanística, incluindo a boa literatura.

E, tantas vezes, fica a comunicação impedida ou restrita, pois a carência cultural omite significados, emudece sofrimentos. O médico precisa compensar a dificuldade de comunicação de seu paciente por meio do próprio crescimento cultural e imaginativo.

Ninguém é capaz de manifestar liberdade de expressão a menos que saiba usar a linguagem, e este conhecimento não é uma dádiva: precisa ser aprendido e trabalhado.

Não se pode cultivar o discurso para além de certo ponto a menos que se tenha algo a dizer, e o fundamento do que temos a dizer é a nossa visão da sociedade.[3]

A propaganda enganosa que tenta convencer o jovem de que liberdade é abandonar a “cultura ocidental” nada mais é do que oferecer as correntes espirituais que subjugarão a juventude, a imaginação e a verdadeira liberdade de seus corações. As Humanidades Médicas bem aplicadas oferecerão os recursos culturais mais elaborados de todas as eras com o intuito de permitir a livre e qualificada ação da imaginação.

Mas a tentação de ceder ao discurso mesmerizante dos ideólogos é grande.

Há em todos nós algo que quer se deixar levar ao encontro de uma turba, onde podemos todos dizer a mesma coisa sem precisar pensar no assunto, porque ali somos todos iguais, exceto aqueles que podemos odiar ou perseguir. A cada vez que usamos as palavras, estamos enfrentando essa tendência ou cedendo a ela. Ao enfrentá-la, tomamos partido da genuína e permanente civilização humana.[4]

A verdadeira liberdade das Humanidades Médicas é poder falar como um pobre nordestino do agreste, Fabiano em Vidas Secas de Graciliano Ramos, ou como Mário, médico de A Mulher que Fugiu de Sodoma de José Geraldo Vieira. É poder ser irônico e sutil como Machado de Assis, divertido e culto como Monteiro Lobato ou hiperbólico e veemente como Nelson Rodrigues.

Só quem busca e mergulha na alta cultura pode realmente pensar com qualidade e compreender o próximo com a verdadeira empatia compassiva, tão necessária para a medicina e para a convivência em sociedade, hoje e sempre.

E como buscar a Alta Cultura sem recorrer aos blocos fundamentais, já prescritos há eras? O próprio William Osler já recomendava a mesma leitura aos seus alunos de medicina, assim como recomenda também Northrop Frye:

Se não conhecemos a Bíblia e as histórias centrais da literatura grega e romana, por mais que leiamos livros e frequentemos o teatro, o nosso conhecimento da literatura não cresce, assim como não cresce o nosso conhecimento da matemática se não aprendemos a tabuada da multiplicação. Esbarramos aqui num problema educacional – o que se deve ler e quando.[5]

O Aspecto Conservador das Humanidades Médicas

Utilizarei alguns trechos do conservador Roger Scruton para tratar do aspecto conservador das Humanidades Médicas.


Na natureza tudo tende ao caos, à desorganização. Contudo, há a possibilidade de inserir um elemento regenerador na realidade.

A entropia está sempre crescendo e qualquer organismo, qualquer sistema ou qualquer ordem espontânea irá no longo prazo sofrer a dissolução. No entanto, mesmo se isso for verdade, tal fato não torna o conservadorismo fútil como prática política, assim como não se torna fútil a medicina simplesmente porque no longo prazo todos morreremos, como Keynes sabidamente colocava a questão. Ao invés disso, devemos reconhecer o conciso resumo da filosofia de Lorde Salisbury e aceitarmos que “procrastinar é viver”. O conservadorismo é a política da procrastinação, cujo propósito é manter a existência, por tanto tempo quanto seja possível, da vida e da saúde de um organismo social.

Além do mais, a termodinâmica também nos ensina que a entropia pode indefinidamente ser resistida no nível local, injetando nova energia e excluindo a dissolução (o caos).

Enquanto o socialismo e o liberalismo são inerentemente globais em seus objetivos, o conservadorismo é essencialmente local: uma defesa de um capital social recôndito contra as forças da mudança anárquica.[6]

Fala-se muito em multiculturalismo no ambiente das humanidades e jovens estudantes são treinados dia após dia a exercerem uma crítica destrutiva contra a civilização ocidental e a cultura da própria sociedade como se isso fosse sinal de grande inteligência e capacidade de independência. Como papagaios, destinam as mesmas críticas a autores que nunca foram lidos ou a textos que mal foram compreendidos. É como se todos fossem pequenos Nietzsches com analfabetismo funcional.

Como entender a perspectiva do próximo se alguém não é capaz de entender nem mesmo a civilização em que vive? Se alguém não entende sua comunidade e seu passado, como deseja entender o paciente à sua frente? Como ambiciona entender seus antecedentes, sua biografia? Ou até mesmo o próprio passado?

Essa reconstrução cordial do passado e da cultura é elemento essencial ao esforço de humanização não só em saúde, mas em todas as áreas da sociedade.

Criticar a própria sociedade com bons olhos somente para o que vem de fora é como comparar um Shopping ocidental com uma belíssima mesquita oriental. Por que não comparar o elemento religioso da cultura oriental com uma majestosa catedral gótica em sua plena glória? 

Sobre a postura diante do próximo, a tradição conservadora também tem muito a oferecer em termos de cordialidade e compreensão.

O entendimento conservador da ação política é formulado, portanto, como uma regra em termos de confiança ao invés de empreendimento, de conversação ao invés de comando, de amizade ao invés de solidariedade.[7]

Nesse contexto, como não visualizar uma relação médico-paciente saudável?

Também é típica do conservador uma atitude cautelosa diante da realidade e do inesperado, tão bem demonstrada pelo pensador Hans Jonas em sua obra Princípio Responsabilidade. Há que se temer a capacidade humana diante de certas perspectivas e utilizar de prudência ao avançar.[8]

Um grande avanço social hoje apregoado, se avanço for tomado por modificação somente, é a tentativa de liberar a eutanásia e o abortamento voluntário.

É claro que tais práticas são antiquíssimas, e poder-se-ia muito bem acusá-las de retrógradas ao invés de alardear sua pretensa vanguarda.

Quando o assunto é bioética, modificações no cuidado com a saúde podem anteceder ou sinalizar grandes mutações civilizacionais, como alerta o conservador Sir Roger:

Abolir a lei contra eutanásia poderá trazer benefícios àqueles que sofrem com doenças dolorosas e incuráveis, assim como poderá trazer benefícios aos que cuidam desses pacientes. Mas também irá mudar nossa percepção coletiva acerca da morte. Isso irá diminuir o espanto com o qual é visto o extermínio deliberado do ser humano; irá instilar um hábito calculista onde antes somente os absolutos guiavam nossas condutas; e, de forma geral, isso fará com que seja mais fácil lidar com a morte e que também seja mais fácil providenciá-la.[9]

Ter essa cautela acerca das possíveis mutações de grande porte na cultura de nossa civilização e ter a imaginação necessária para compreender onde isso pode nos levar é algo oferecido pelas Humanidades Médicas.

Excelente literatura está disponível para nos alertar, ou fazer-nos sonhar, a respeito das incríveis possibilidades do ser humano. Do Admirável Mundo Novo de Huxley ao terrível 1984 de Orwell, a riqueza imaginativa ofertada parece inesgotável.

Assim como a eutanásia, muita coisa do que nossa civilização representará depende das escolhas feitas sobre como valorizamos a vida de nossos filhos atuais ou futuros.

Logo, quando as pessoas pressionam para que haja uma reforma na lei concernente ao aborto, de forma a legalizar o abortamento nas três primeiras semanas da gravidez, nenhuma tentativa para alcançar um entendimento consensual acerca de nossos deveres em relação às crianças nos úteros foi feita; nenhuma tentativa foi realizada para verificar qual o impacto da legalização do abortamento durante os três primeiros meses sobre nossas atitudes concernentes a abortamentos posteriores na gravidez; nenhuma tentativa foi feita de verificar as mudanças de longo prazo nas atitudes das pessoas em relação às crianças, atitudes essas induzidas pela prática de livrar-se das mesmas crianças de forma tão fácil antes mesmo de ter a chance de olhá-las nos olhos. Todas as questões profundas, difíceis e importantes foram deixadas de lado.[10]

A falta da consciência dessas delicadas questões pode culminar num dos problemas mais graves para os atuais cuidados médicos: a falta de respeito e valorização em relação ao ser humano.

Para respeitar verdadeiramente, é preciso compreender com compaixão. Para compreender, é necessária imaginação. Para imaginar, é preciso ter experiência de vida e cultura de altíssima qualidade. Para ganhar essa cultura, um dos requisitos primários é o diálogo entre gerações distantes, é a compreensão do passado e de nossa biografia, de muitas biografias.

A crença essencial ao conservadorismo moderno é a crença no contrato Burkeano entre os vivos, os mortos e os ainda não nascidos. E, como Burke afirma, somente aqueles que podem ouvir os mortos são capazes de proteger os não nascidos. A teoria complexa de tradição de Eliot fornece sentido e forma a essa idéia. Pois ele deixa claro que o mais importante legado que as futuras gerações podem herdar de nós é o cultural. A cultura é o depositário de uma experiência que é ao mesmo tempo local e que permeia todos os locais, presente e atemporal, é a experiência de uma comunidade santificada pelo tempo. Só passaremos isso adiante se nós também herdarmos essa cultura. Para isso, deveremos escutar as vozes dos mortos e apreender seu sentido (...)[11]

Considerando esses aspectos, posso afirmar que o projeto adequado de humanização da medicina e das demais áreas da saúde precisa de uma perspectiva conservadora no melhor sentido da expressão.


Hélio Angotti Neto, 15 de junho de 2017.



[1] FRYE, Northrop. A Imaginação Educada. Campinas, SP: Vide Editorial, 2017, p. 68.
[2] Ibidem.
[3] Ibidem, p. 128.
[4] Ibidem, p. 132.
[5] Ibidem, p. 61.
[6] SCRUTON, Roger. A Political Philosophy. Arguments for Conservatism. London; New Delhi; New York; Sydney: Bloomsbury, 2006, p. ix.
[7] Confiança está associada com Burke, Moser e Gierke; conversação com Oakeshott; amizade com Aristóteles. Ibidem, p. 34.
[8] JONAS, Hans. O princípio responsabilidade. Ensaios de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio & Contraponto, 2011.
[9] SCRUTON, Roger. A Political Philosophy. Arguments for Conservatism. London; New Delhi; New York; Sydney: Bloomsbury, 2006, p. 68.
[10] Ibidem, p. 69.
[11] Ibidem, p. 207.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

OFICINA DE FORMAÇÃO POLÍTICA E FILOSÓFICA NO NÚCLEO ACADÊMICO DO SIMERS

Oficina de formação Política e Filosófica para Médicos

Do site do NAS


O coordenador do curso de Medicina do Centro Universitário do Espírito Santo (Unesc), Hélio Angotti Neto, mergulhou em temas de primeira ordem, mas que o palestrante e a própria plateia concordaram que não estão na cátedra de formação médica. Neto reforçou a importância do conhecimento humanista, com foco em conteúdos de pensadores que estão na trilha médica desde os ícones gregos a autores mais contemporâneos. O coordenador da Unesc apontou o impacto desses conhecimentos para a relação médico paciente e para que os futuros profissionais percebam as nuances e interesses que estão na base de movimentos políticos e que têm pautado programas recentes como o Mais Médicos, do governo federal.
A dupla de estudantes Julia Butzke e Vitoria Trombino, que cursam o terceiro semestre na Universidade de Caxias do Sul (UCS), afirma que valeu muito a pena manter-se por três horas ininterruptas acompanhando a palestra de Neto. "Saio com o desafio de construir um lado diferente do médico que não temos na faculdade", diz Vitoria.
O presidente do NAS, Gustavo Pesenatto, ficou surpreso com a dedicação e interesse dos participantes que assistiram atentamente aos alertas do convidado e depois respondeu e ouviu colocações dos estudantes e integrantes da diretoria do SIMERS. "O desafio é construir um lado diferente do médico que não tem na faculdade, mais humano. Saio daqui preocupado com o tipo de médico que queremos ser. O professor fez a gente pensar um pouco mais sobre isto", conclui Pesenatto. O presidente do Núcleo admitiu que os estudantes lidam com as limitações do tempo devido à carga horária do curso. "Vimos aqui dicas de como começar a estudar filosofia e adquirir conhecimento", valoriza Pesenatto. 
Neto comentou que o encontro foi uma "oportunidade excelente" para falar sobre sociedade, filosofia, política e saúde. "Fiquei surpreso em ver uma turma jovem que quer pensar Medicina em um contexto muito maior do que normalmente se pensa nas escolas. Isso nos dá esperança para o futuro do País, que vive momentos tão difíceis", projetou o palestrante. Ele espera que a nova geração "tente enxergar as mesmas coisas e não repita os erros da minha geração".
Para o professor, os ingredientes básicos na formação incluem buscar a verdadeira cultura, ler clássicos e falar com as pessoas da comunidade. "Ter empatia. É preciso integrar a vocação técnica e científica com a humanista, que tem mais de dois mil anos. Fiz um convite aqui para assumir postura mais filosófica para ser um médico integral", definiu o professor.
O presidente do SIMERS destacou a oportunidade de trazer os estudantes e aproximá-los da realidade, da política que se vive no País. "Para entender o papel do médico na sociedade e o que estão fazendo da categoria médica ao trabalharem para diminuir o prestígio da classe. Analisar e interpretar é importante", ressaltou Argollo. Além disso, o presidente do SIMERS mostrou satisfação em ver os estudantes crescendo exponencialmente. "Cada vez mais os vejo envolvidos. Vamos ter um futuro melhor ao menos na participação dos médicos na mudança da sociedade", acredita Argollo.  
3 de junho de 2017

sábado, 10 de junho de 2017

ACONTECEU O V SEMINÁRIO UNESC DE HUMANIDADES MÉDICAS!

V SEMINÁRIO UNESC DE HUMANIDADES MÉDICAS

MEDICINA: HISTÓRIAS DE VIDA



Nos dias 9 e 10 de junho de 2017 aconteceu o V Seminário de Humanidades Médicas do UNESC, um evento pioneiro criado em 2013 para o debate de diversos temas incluindo: Bioética, Filosofia da Medicina, História da Medicina, Relação Médico-Paciente, Ética Médica e Literatura em Saúde. Esta edição foi denominada “Medicina: Histórias de Vida”, e foi dividida em três blocos: (a) Humanização em Saúde, abordando as histórias de vida dos pacientes; (b) Profissionalismo e Ética, abordando as histórias de vida dos profissionais da área da saúde; e (c) Bioética – O Debate do Aborto, com diferentes visões sobre a vida de médicos, mães e da futura geração. 


O evento foi coordenado pelo Prof. Dr. Hélio Angotti Neto e pela Profa. Ms. Renylena Schmidt Lopes, com a organização da Liga Acadêmica de Humanidades Médicas, do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina, da Diretoria Acadêmica do UNESC e da Coordenação do Curso de Medicina.


O apoio acadêmico e estrutural para que mais essa edição do evento se concretizasse foi oferecido pelo Centro Universitário do Espírito Santo, em Colatina, com o apoio acadêmico da Revista Mirabilia, sediada no Instituto de Estudos Medievais da Universidade Autônoma de Barcelona, na qual serão publicados artigos derivados das apresentações a critério dos palestrantes do evento e editores da revista.


Colaboraram de forma magnífica para a realização do evento os palestrantes, muitos deles de fora da cidade e até mesmo do estado do Espírito Santo, que vieram ao Seminário dispostos a compartilhar importantes lições.

Por fim, os alunos do curso de Medicina e Direito do Centro Universitário do Espírito Santo, além de diversos membros da comunidade capixaba, profissionais de diversas áreas, prestigiaram o evento e participaram ativamente dos debates e das discussões.

BLOCO I – Humanização em Saúde


A abertura do evento foi feita pelo Diretor Acadêmico do UNESC, Prof. Neacil Broseghini[1], em nome da Reitoria do UNESC. Destacou a necessidade das Humanidades Médicas para a busca da medicina integral, visando ao cuidado desde o nascimento até à morte da pessoa.

Hélio Angotti Neto[2], Coordenador do SEFAM e do Curso de Medicina do UNESC, ressaltou a importância das Humanidades Médicas no currículo médico, sem desvalorizar a aprendizagem científica e técnica que tão bem pode fazer ao paciente fragilizado.


O médico de família e comunidade, Edgar Gatti[3], falou da Medicina Centrada na Pessoa. O método clínico centrado na pessoa foi esquematizado hodiernamente por Ian McWhinney e Moira Stewart, com importante foco na atenção ao paciente e na solidariedade. Os seis passos da metodologia incluem (1) a exploração da enfermidade da perspectiva médica e da perspectiva do paciente, (2) o entendimento da pessoa e de seu contexto, (3) o projeto terapêutico compartilhado por decisões conjuntas, (4) a incorporação da prevenção e da promoção de saúde, (5) a intensificação da relação entre profissional da saúde e paciente e (6) o realismo necessário para obter bons resultados no contexto geral em que se encontra.

O médico geriatra e paliativista Heitor Spagnol dos Santos[4], professor e tutor do UNESC, explicou como abordar os aspectos sociais e espirituais do paciente em fase final de vida. Por meio de instrumentos e técnicas adequadas num contexto de compaixão, o profissional pode auxiliar o paciente a refletir sobre questões existenciais, a resgatar seus relacionamentos e a encontrar significado para seu sofrimento, evitando ou aliviando o que pode ser chamado de “Dor Total”.


 Trazendo a inspiradora história de Zilda Arns, que se dedicou a promover a saúde e beneficiar a milhões de crianças por meio de medidas educativas e eficientes como a introdução do soro caseiro, a médica dermatologista Patrícia Duarte Deps[5] e a médica pediatra Norma Suely de Oliveira[6] mostraram como a boa vontade e o amor podem interferir positivamente na sociedade e como todos nós somos convidados a deixar um legado para melhorar o que recebemos.


Para encerrar o bloco I do Seminário de Humanidades Médicas, o médico oncologista Marco Antônio Cortelazzo[7] trouxe importantes informações sobre a Ortotanásia e sua diferenciação da eutanásia e da Distanásia. Tratou da aplicação dos princípios bioéticos na prática médica e de conceitos centrais ao pensamento ético em saúde como o princípio do duplo efeito de Tomás de Aquino.


Bloco II – Profissionalismo e Ética


O segundo bloco, realizado na tarde do dia 9 de junho de 2017, abordou as histórias de vida dos médicos e de como agir de forma ética e profissional.

George da Silva Carvalho[8] falou do mercado de trabalho no Brasil e de seus desafios para o egresso do curso de medicina. Abordou também as diferentes formas de vínculo empregatício e tributação sobre profissionais, trazendo conhecimentos de grande utilidade para o planejamento da carreira e para o amadurecimento dos futuros médicos.

Carlos Magno Pretti Dalapicola[9], presidente do Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo, expôs as principais causas de processo ético profissional e orientou sobre como prevenir-se contra erros médicos. Sua apresentação ressaltou a importância do estudo e da prática ética da medicina, com forte ênfase no aspecto humanístico do profissional da saúde. Também demonstrou as obrigações do médico em relação com seu Conselho Profissional.



Para encerrar o segundo bloco, diversos membros do Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo participaram de um Julgamento Ético Profissional Simulado, no qual os participantes tiveram a oportunidade de analisar um caso baseado em fatos reais e refletirem sobre as consequências da má prática médica e das possíveis penalidades às quais está sujeito o médico. Foi ressaltada a importância do exame clínico meticuloso e completo, além do vínculo de confiança estabelecido com o médico assistente.


Sem dúvida foi um dia repleto de muitas oportunidades de crescimento profissional, no qual a participação ativa dos participantes em muito enriqueceu o evento.

Bloco III – Bioética – O Debate do Aborto



O terceiro dia trouxe um rico e controverso debate sobre um dos temas que mais polarizam opiniões na Bioética contemporânea e que toca em princípios básicos para a definição de uma civilização: o papel do abortamento na sociedade.

Cleverson Gomes do Carmo Júnior[10] fez sua apresentação inicial ressaltando a valorização da autonomia da mulher na questão do abortamento. Definiu importantes conceitos técnicos a serem utilizados na discussão e ressaltou a preocupação e o cuidado com a vida da gestante.

Leonardo Serafini Penitente[11] questionou a atuação do Supremo Tribunal Federal do Brasil na questão do abortamento e enfatizou os problemas éticos derivados de sua possível liberação, incluindo as contradições legais daí decorrentes.

Hélio Angotti Neto abordou aspectos estatísticos, históricos e culturais relacionados à questão do abortamento, contrastando alguns dados com informações previamente apresentadas e alertando sobre a futura discussão do fim da objeção de consciência por parte do profissional de saúde.

Após as réplicas entre os debatedores, foi realizado um momento de perguntas e respostas. Temas de grande relevância foram discutidos, incluindo a engenharia social, a fragilidade da mulher na sociedade, que não oferece muitas vezes o amparo necessário, e os valores de uma sociedade em derrocada.


Ao término da manhã foi encerrado o V Seminário de Humanidades Médicas do UNESC. Foi realizado um riquíssimo debate acadêmico e os palestrantes cumpriram com a obrigação implícita no melhor conceito do que deve ser a Academia: um espaço aberto à sincera busca pela verdade e pelo bem, mesmo em meio a discordâncias.

Foram dois dias de interação entre diferentes cursos universitários, entre alunos, professores e membros da comunidade de diversas cidades e perfis. Saímos todos com a certeza de que ganhamos conhecimento e aprofundamos nossas perspectivas acerca de assuntos de importância crucial para o bem de nossa sociedade.

Em 2018, o Seminário de Humanidades Médicas regressará em sua sexta edição, na expectativa de reencontrarmos amigos novos e antigos, e de continuarmos no caminho da crescimento da intelectualidade e do caráter.










[1] Neacil Broseghini é enfermeiro com mestrado em administração de empresas e é Diretor Acadêmico do Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC).
[2] Hélio Angotti Neto é médico oftalmologista pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) com doutorado em ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). É coordenador do curso de medicina do UNESC.
[3] Edgar Gatti é médico de família e comunidade com pós-graduação em medicina do trabalho e é preceptor da residência médica em Saúde da Família e Comunidade do UNESC e do Internato Médico do UNESC.
[4] Hetor Spagnol dos Santos é médico geriatra com pós-graduação em Cuidados Paliativos. É professor e tutor do método de Aprendizagem Baseada em Problemas do UNESC.
[5] Patrícia Duarte Deps é médica dermatologista pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) com mestrado em doenças infecciosas pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e doutorado em medicina pela UNIFESP. Fez pós-doutorado em Medicina Tropical pela London High School of Hygiene & Tropical Medicine. É professora do Departamento de Medicina Social da UFES.
[6] Norma Suely de Oliveira é médica pediatra com mestrado em doenças infecciosas pela UFES e doutorado em pediatria pela UNIFESP. Atua como professora do Departamento de Pediatria da UFES e chefe da Unidade de Terapia Intensiva e da Unidade Semi-Intensiva neonatais e pediátricas do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Morais (HUCAM).
[7] Marco Antônio Cortelazzo é médico cirurgião oncologista com mestrado e doutorado em oncologia pela FMUSP. Realizou pós-graduação em Bioética também pela FMUSP e atua na qualidade de professor da UNIFEBE.
[8] George da Silva Carvalho é médico formado pela UFES com Residência em cirurgia pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro e em Cirurgia Plástica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É professor do UNESC.
[9] Carlos Magno Pretti Dalapícola é médico com especialização em Medicina do Trabalho e é o atual Presidente do Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo.
[10] Cleverson Gomes do Carmo Júnior é médico ginecologista e obstetra com especialização em mastologia pela UFES. Atua no Pré-Natal de Alto Risco da Prefeitura de Vitória, Espírito Santo, e é chefe da Unidade Materno Infantil do HUCAM, na UFES.
[11] Leonardo Serafini Penitente é advogado criminalista com mestrado em Direito Penal pela Universidade Federal do Pernambuco. Atua como professor da Universidade de Vila Velha.