Prefácio à edição brasileira de A MEDICINA PÓS HIPOCRÁTICA: O PROBLEMA E A SOLUÇÃO
Este livro nasceu de um curioso e assustador desafo: relatar
como a ética cristã infuenciou os cuidados médicos.
A pesquisa de Hugh Flemming, ao lado de sua formação
fundamentada na leitura dos clássicos e na teologia, permitiu
traçar um panorama histórico e moral que cruza as eras
da história de nossa civilização. Ao mesmo tempo, permitiu
que sua abordagem tocasse no cerne de uma guerra cultural
que atravessa milênios,1
e que hoje vem à tona e escancara
sua face nas diferentes modalidades de barbarismo niilista.
Barbarismo que tantas vezes rendeu sofrimentos e extermínios, incluindo a eugenia e o abortismo, muitas vezes impulsionados
pelo ímpeto prometeico de revolta contra Deus.
Flemming avisa que a era dourada da medicina está sob
o risco de terminar. Estamos abrindo mão da tradição hipocrática
e da ética judaico-cristã. No livro, o autor resgata
pontos defnidores desse rico legado que até hoje nos benefcia.
Do Antigo Testamento veio a noção de dignidade do ser
humano como elemento especial da Criação, feito à imagem
e semelhança do próprio Deus. Outros povos criam
que o homem nada mais era que um elemento constitutivo
da natureza, limitado por ela e sem abertura ao transcendente.
Hoje, diversos bioeticistas parecem ter retornado ao
tempo de fechamento à transcendência. Afrmam não haver
nada especial no ser humano — sem dúvida a ideia mais
perigosa.2
Estamos diante da dessacralização da vida humana. Vemos
a corrupção de nossa civilização e a queda do ser humano
do estado de grande dignidade ao da bestialidade.
Após o Antigo Testamento, Flemming ressalta a colaboração
do Novo Testamento. Jesus Cristo é o redentor do
corpo e da alma — o grande médico. E todos nós somos
convidados a imitá-lo e entender que a busca pela saúde faz
parte do bem maior a ser alcançado ou esperado, integrante
do ato divino de salvação. É moral o curar, aliviar e confortar
o próximo partindo do princípio da obrigatoriedade de
respeitá-lo como obra máxima de Deus, enxergando no que
sofre o maior de todos os que sofreram, o próprio Cristo.
A medicina exercida por cristãos foi em diversos pontos
semelhante à da Escola Hipocrática, um grupo de médicos
que prezava a ética baseada na valorização da vida humana,
no respeito à dignidade do paciente e em diversos outros
pontos ainda presentes em práticas contemporâneas. Todavia,
os cristãos se destacaram, sobretudo, pela caridade, o
amor gratuito que se diferenciou do antigo conceito de flantropia
pregado pelos médicos da Antiguidade. A caridade
cristã fundamentou a construção dos primeiros hospitais,
no século IV d.C.3
Após abordar a Antiguidade, o judaísmo e o cristianismo
primitivo, Flemming questiona o conceito da idade de
trevas ao lidar com a Idade Média. Evitando o preconceito
iluminista e marxista, novos historiadores têm apresentado
estudos de grande qualidade e rigor e demonstram uma
época medieval muito diferente da concebida pela cultura
popular — enfada à força na cabeça de nossos jovens no
ensino médio e mesmo no ensino superior.4
O autor também subscreve, pelo menos em parte, a ideia
de que o cristianismo foi o fator específco que permitiu o
nascimento da ciência moderna.5
Esta obra de Hugh Flemming foge do padrão preconceituoso
e anticristão tantas vezes observado na Academia
brasileira. Sem dúvida, é um ganho para médicos, historiadores,
teólogos e estudiosos em geral da ética, da saúde e da
flosofa, oferecendo uma perspectiva de regra silenciada e
ignorada justamente por quem tanto prega a tolerância e o
pluralismo de ideias.
A prática médica encontra-se ameaçada hoje pelas ideologias
da morte, por uma verdadeira “disbioética” que repete
e revive o discurso utilizado antes por pagãos, adoradores
de Moloque e nazistas, para citar alguns exemplos. Falo da
eugenia, do homicídio infantil e do abortismo. Nesse show
de horrores presenciado dia após dia em nossas universidades,
antigos terrores retornam sob novas máscaras, possuindo
ares de autoridade científca e flosófca e demandando
respeitabilidade.6
Remova Deus da cultura, e o cenário de pesadelos estará
pronto. Se o homem não é a imagem do próprio Deus, ele
nada é de importante.
Dr. Hélio Angotti Neto
Autor, A tradição da medicina
O livro pode ser encomendado por meio da Editora Monergismo