sábado, 17 de junho de 2017

PREFÁCIO DE "A MEDICINA PÓS-HIPOCRÁTICA"

Prefácio à edição brasileira de A MEDICINA PÓS HIPOCRÁTICA: O PROBLEMA E A SOLUÇÃO


Este livro nasceu de um curioso e assustador desafo: relatar como a ética cristã infuenciou os cuidados médicos. 

A pesquisa de Hugh Flemming, ao lado de sua formação fundamentada na leitura dos clássicos e na teologia, permitiu traçar um panorama histórico e moral que cruza as eras da história de nossa civilização. Ao mesmo tempo, permitiu que sua abordagem tocasse no cerne de uma guerra cultural que atravessa milênios,1 e que hoje vem à tona e escancara sua face nas diferentes modalidades de barbarismo niilista. Barbarismo que tantas vezes rendeu sofrimentos e extermínios, incluindo a eugenia e o abortismo, muitas vezes impulsionados pelo ímpeto prometeico de revolta contra Deus. 

Flemming avisa que a era dourada da medicina está sob o risco de terminar. Estamos abrindo mão da tradição hipocrática e da ética judaico-cristã. No livro, o autor resgata pontos defnidores desse rico legado que até hoje nos benefcia. 

 Do Antigo Testamento veio a noção de dignidade do ser humano como elemento especial da Criação, feito à imagem e semelhança do próprio Deus. Outros povos criam que o homem nada mais era que um elemento constitutivo da natureza, limitado por ela e sem abertura ao transcendente. Hoje, diversos bioeticistas parecem ter retornado ao tempo de fechamento à transcendência. Afrmam não haver nada especial no ser humano — sem dúvida a ideia mais perigosa.2 

Estamos diante da dessacralização da vida humana. Vemos a corrupção de nossa civilização e a queda do ser humano do estado de grande dignidade ao da bestialidade. 

Após o Antigo Testamento, Flemming ressalta a colaboração do Novo Testamento. Jesus Cristo é o redentor do corpo e da alma — o grande médico. E todos nós somos convidados a imitá-lo e entender que a busca pela saúde faz parte do bem maior a ser alcançado ou esperado, integrante do ato divino de salvação. É moral o curar, aliviar e confortar o próximo partindo do princípio da obrigatoriedade de respeitá-lo como obra máxima de Deus, enxergando no que sofre o maior de todos os que sofreram, o próprio Cristo. 

A medicina exercida por cristãos foi em diversos pontos semelhante à da Escola Hipocrática, um grupo de médicos que prezava a ética baseada na valorização da vida humana, no respeito à dignidade do paciente e em diversos outros pontos ainda presentes em práticas contemporâneas. Todavia, os cristãos se destacaram, sobretudo, pela caridade, o amor gratuito que se diferenciou do antigo conceito de flantropia pregado pelos médicos da Antiguidade. A caridade cristã fundamentou a construção dos primeiros hospitais, no século IV d.C.3 

Após abordar a Antiguidade, o judaísmo e o cristianismo primitivo, Flemming questiona o conceito da idade de trevas ao lidar com a Idade Média. Evitando o preconceito iluminista e marxista, novos historiadores têm apresentado estudos de grande qualidade e rigor e demonstram uma época medieval muito diferente da concebida pela cultura popular — enfada à força na cabeça de nossos jovens no ensino médio e mesmo no ensino superior.4 

O autor também subscreve, pelo menos em parte, a ideia de que o cristianismo foi o fator específco que permitiu o nascimento da ciência moderna.5

Esta obra de Hugh Flemming foge do padrão preconceituoso e anticristão tantas vezes observado na Academia brasileira. Sem dúvida, é um ganho para médicos, historiadores, teólogos e estudiosos em geral da ética, da saúde e da flosofa, oferecendo uma perspectiva de regra silenciada e ignorada justamente por quem tanto prega a tolerância e o pluralismo de ideias. 

A prática médica encontra-se ameaçada hoje pelas ideologias da morte, por uma verdadeira “disbioética” que repete e revive o discurso utilizado antes por pagãos, adoradores de Moloque e nazistas, para citar alguns exemplos. Falo da eugenia, do homicídio infantil e do abortismo. Nesse show de horrores presenciado dia após dia em nossas universidades, antigos terrores retornam sob novas máscaras, possuindo ares de autoridade científca e flosófca e demandando respeitabilidade.6 

Remova Deus da cultura, e o cenário de pesadelos estará pronto. Se o homem não é a imagem do próprio Deus, ele nada é de importante. 

Dr. Hélio Angotti Neto 
Autor, A tradição da medicina

O livro pode ser encomendado por meio da Editora Monergismo