quinta-feira, 9 de junho de 2016

REFLEXÕES DO INÍCIO DE UMA CARREIRA

REFLEXÕES DIVERSAS DO INÍCIO DE UMA CARREIRA

Entrevista cedida ao Jornal Raio-X do DAMUFES


Volto ao Jornal Raio-X depois de um longo tempo. Entrei no curso de Medicina da UFES em 1997 e graduei no início de 2003.

Lembro de minha passagem pelo Diretório Acadêmico e pela redação do Raio-X, na qualidade de assessor de comunicação.

Da UFES levei o grande exemplo de professores que marcaram o início de minha carreira e motivaram a escolha de minha especialidade. O carinho e a dedicação da Professora Diusete aos pacientes e alunos, a entrega e a caridade do Professor Abraão e o profissionalismo e a sempre presente busca pela ciência do Professor Ângelo.

Embora eu tenha sido agraciado com excelentes exemplos, pouco vi, se algo vi, acerca das Humanidades Médicas. Mas na turbulência da Residência Médica em Oftalmologia na USP, com rotinas de 14 horas de trabalho a 36 horas ininterruptas, quando escalado para os plantões, percebi que os pacientes esperavam muito mais de um médico.

Lá na USP também tive a sorte de ter grandes exemplos. Marcaram minha carreira e motivaram a realização de meu Doutorado em Ciências Médicas, na área de Oftalmologia. Yoshitaka Nakashima, Milton Ruiz Alves e Mário Luiz Monteiro, na USP, foram também meus modelos de amizade, caridade, profissionalismo, respeito e busca pela ciência.

Ressalto o papel dos médicos que motivaram minhas decisões e meu comportamento enquanto profissional por acreditar de coração que médicos qualificados formam novos médicos, não somente em termos científicos, mas também humanísticos.

Mas percebi que algo faltava. Se tinha a técnica e a ciência a meu dispor, faltava-se o componente humanístico sistematizado.

Busquei o rigor da Filosofia ainda nos primeiros anos de residência e fui lançado no estudo das Humanidades Médicas. Não eram as falsas humanidades da doutrinação vulgar ideológica sofrida em tantas graduações no Brasil, eram as verdadeiras Humanidades.

Busquei na História da Medicina as raízes de minha Arte. Lancei-me ao estudo da Filosofia e de seus diferentes ramos, incluindo a Filosofia da Ciência. Imergi na Literatura, na Retórica, na Gramática, no estudo do Grego e do Latim, no Francês, no Inglês, na Filosofia Política e na Teoria da Argumentação. Conheci nomes como o de Carlos Alberto da Costa Nunes, melhor tradutor do Grego Ático de Platão e dos clássicos homéricos para nosso português, médico da Universidade Federal do Pará.

Na medicina, busquei influências incluindo Hipócrates, Galeno, William Osler, Edmund Pellegrino, Pedro Laín-Entralgo, Diego Gracia, Viktor Frankl e José Ingenieros.

Na Filosofia um universo se abriu com as obras de Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino, Herman Dooyeweerd, Xavier Zubiri, Eugen Rosenstock-Huessy, Eric Voegelin, Olavo de Carvalho, Mário Ferreira dos Santos, Edmund Husserl e Louis Lavelle.

Na literatura, passei pelas histórias e crônicas de Machado de Assis, Graciliano Ramos, Herberto Sales, Ernest Hemingway, Leon Tolstói e médicos como Nuno Lobo Antunes e José Geraldo Vieira. Busquei sabedoria nas Escrituras, e provei de Homero, Sófocles e Dante.

E decidi devotar meu tempo à assistência, ao ensino e à pesquisa das Humanidades Médicas. Compreendi que a vocação humanística do médico abarca a experiência universal do ser humano, vivida pessoalmente ao lidar com a vida de inúmeros pacientes, e vivida também ao absorver e integrar em si as infinitas possibilidades de crescimento pessoal contidas nas Humanidades.

Ao contemplar a cultura – e a Alta Cultura – a nós legada, percebi a experiência universal do ser humano: sofrimento, alegria, dor, prazer, tristeza, realização, derrota e sublimação. Porém, ao ver o panorama que a atual medicina vive - sentindo na pele enquanto médico, às vezes paciente, porém sempre humano -, concluí que o problema, ou a crise, não é política ou econômica, é cultural.

A Medicina possui uma enorme tradição cultural, ética e filosófica, quase toda relegada ao esquecimento. Nos rendemos à manipulação psicológica e emocional barata das ideologias desses últimos dois sofridos séculos e talvez estejamos quase cegos, ofuscados pelas maravilhas da revolução tecnológica e dos milagres obtidos na saúde humana. Esquecemos muitas vezes que nós também somos terapia, verdadeiras medicações humanas, e que não podemos oferecer aquilo que não somos.

Aceitamos a condição de militantes, reprodutores de esquemas simplificados e vulgarizações a serviço de governos, instituições e interesses privados. E a vocação verdadeira da Medicina, o paciente, parece ficar ao lado, perdida em coletivos e estatísticas, soterrado por políticas e projetos de lei.

Para mim as Humanidades Médicas nos dão identidade e confirmam quem o médico foi, é e deve ser para o bem do paciente. Abrem-se os olhos para a riqueza infinita da experiência humana. São desveladas novas possibilidades diagnósticas e terapêuticas. Torna-se o médico a cura, o alívio, o conforto e o respeito para o paciente, aquele amigo que surge nos piores momentos.

A busca pelas Humanidades Médicas é a busca por um ideal de vida.

Hoje continuo a busca, próximo às minhas raízes médicas, no Espírito Santo de onde saí médico e para onde retornei professor. Mas se há algo que o estudo das Humanidades provoca é o sentimento de surpresa, de descoberta, de estar sempre buscando em meio a um tesouro que ultrapassa o horizonte que a vista alcança.
Sigo adiante feliz, pois vejo muitos médicos novos e antigos – e é sempre bom ser antigo e ter lições para oferecer, e ser jovem para recebê-las – caminharem ao meu lado na busca pelas Humanidades Médicas, de dentro e de fora do Brasil.

Sigo com esperança. Com a cultura, novas transformações virão e, quem sabe, nossa Medicina não consegue reunir o melhor de todos os mundos? Da Ciência, da Técnica e da Cultura?


Encerro o texto cumprindo o título da seção. Todo médico deveria almejar ser um bom contador de histórias, de casos e de buscas. Espero ter muito mais para contar em breve...

CONFIRA A ENTREVISTA E MUITO MAIS EM: https://issuu.com/jornalraio-x/docs/raio-x__17__jun_2016_ 

Prof. Dr. Hélio Angotti Neto é Colunista do Academia Médica, Coordenador do Curso de Medicina do UNESC, Diretor da Mirabilia Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas), Membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, Visiting Scholar da Global Bioethics Education Initiative do Center for Bioethics and Human Dignity, Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC e criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina (SEFAM).