A ação decisiva da Integridade ocorre justamente no conflito
de interesses envolvendo tentações diversas que acometem o médico em sua
prática moderna.
Diante de um sutil suborno de um laboratório farmacêutico,
cabe dizer não, cabe se afastar e repreender o ofertante malicioso. Aceitar tal
influência perniciosa insere um interesse que pode suplantar o interesse
primordial: o paciente.
Diante de uma oferta de superfaturar a compra de equipamentos
no serviço público ou de realizar procedimentos desnecessários, há de se ter
integridade suficiente para se afastar e manter o foco, o médico não pode se
perder.
As consequências individuais são funestas. A consciência se
apaga e, de uma fraqueza moral inicial, o médico terminará domado, entregue a
vontades que superarão sua vocação e deformarão seu caráter.
Na sociedade o resultado da destruição da Integridade Médica
talvez seja ainda pior, pois o mal cometido por um indivíduo refletirá no nome
de todo o grêmio profissional. Situação muito ilustrativa dos dias atuais no
Brasil, onde o governo e a mídia destroem a reputação dos médicos utilizando
exemplos decepcionantes de prática corrupta e maligna de alguns maus colegas.
Ao longo de mais de dois mil anos, há incontáveis textos que
mostram como os médicos se preocuparam em tentar separar o joio do trigo e,
junto com o benefício do paciente, beneficiar a profissão como um todo.
Tal é o papel dos atuais conselheiros dos órgãos de classe
como o Conselho Federal de Medicina: proteger o paciente e proteger a honra e a
integridade da profissão. Em nenhum momento se deveria esperar que o Conselho
protegesse o médico, a não ser de si mesmo e da má prática dos inadequados à
profissão. É duro falar isso, mas seria uma verdade óbvia para qualquer um que
ainda possuísse um pingo de visão moral.
Fala-se muito em resgate da dignidade médica hoje em dia.
Fizemos todos o nosso dever de casa? Exercitamos nossa integridade diariamente
e resistimos com fortitude aos pequenos e grandes atos diários de fraqueza
moral? Somos um exemplo digno para nossos filhos e colegas?
Ver órgãos de classe brigando principalmente por carreira
médica estatal e salários médicos, por mais que seja necessário dentro de
certos limites, me entristece. Pedir carreira médica para o Estado é pedir um
nó apertado na coleira, é vender nossos valores profissionais aos valores do
Estado na medida em que teremos que nos adequar às exigências de pessoas que
nem sempre priorizam a saúde do próximo. Uma liderança política nunca, nunca
mesmo, dá algo de graça.
Valorização se conquista, como conquistaram nossos
antepassados de outras eras a duras penas, com grandes sacrifícios e exemplos
imortalizados nos escritos de diversos povos e tempos[1].
Valorização é uma consequência decorrente de um objetivo alcançado, não o
próprio objetivo pelo qual se luta.
Se
alguém quiser uma dica sobre por onde começar, repito palavras proferidas por
alguém incrivelmente mais sábio do que eu: “por que vês tu o argueiro no olho
de teu irmão, porém não repara na trave que está no teu próprio?[2]”
Se não trabalharmos quem somos, a própria raiz que somos estará apodrecida, e
nossa profissão irá merecidamente parar na lama.