O primeiro aforismo provavelmente é conhecido por muitos.
I.
Ὁ βίος βραχύς, ἡ δὲ τέχνη μακρή, ὁ δὲ καιρὸς ὀξύς, ἡ δὲ πεῖρα σφαλερή, ἡ δὲ κρίσις χαλεπή. δεῖ δὲ οὐ μόνον ἑωυτὸν παρέχειν τὰ δέοντα ποιέοντα, ἀλλὰ καὶ τὸν νοσέοντα καὶ τοὺς παρεόντας καὶ τὰ ἔξωθεν.[1]
I.
A vida é breve, a Arte é grande, o tempo é fugaz, a experiência é enganosa e a
decisão é difícil. O médico deve estar pronto não somente para executar seu
dever ele mesmo, mas também para assegurar a cooperação do paciente, dos
familiares e dos de fora.
A vida é breve para abarcar uma arte de tamanha complexidade
como a medicina. Se hoje isto é uma verdade, em tempos de tecnologia
globalizada e informação virtualmente infinita ao alcance imediato de todos no
mundo inteiro além de milhares de publicações que tornam impossível qualquer
tentativa de conhecer todo o panorama científico mundial, talvez alguém imagine
que à época dos antigos médicos gregos tal formulação seja um pouco exagerada,
certo?
Errado. Antes de toda inovação moderna, a Medicina já era
inabarcável, assim como o é toda a experiência humana concreta.
O antigo médico sabia que todo seu conhecimento derivava da
observação de dados particulares interpretados à luz de determinada teoria com
limitado poder de generalização. Cada novo caso traz consigo uma surpresa, uma
situação nova, detentora de segredos e desafios próprios.
É da essência da própria ciência a generalização dos dados
passados e a indução frente a novas situações, nunca se livrando totalmente de
certo grau de incerteza, mesmo que mínimo.
Voltando aos tempos atuais, o aforismo permanece verdadeiro.
Não há vida longa o suficiente que baste para aprender tudo sobre o ser humano,
sua saúde, seus sofrimentos, suas alegrias, sua vida e sua morte.
Nas escolas de medicina já nem se tem a pretensão de ensinar
o “estado da arte” em questões médicas, mas sim, deseja-se ensinar a capacidade
de ser autodidata em meio ao oceano de conhecimentos, técnicas e inovações. É o
tão repetido “aprender a aprender”, que virou um slogan muito ouvido, porém nem
sempre compreendido em toda sua amplitude.
E enquanto a arte médica é longa e a vida é breve, o tempo
corre rápido. Nos quadros agudos de urgência ou emergência qualquer minuto pode
fazer toda a diferença.
Não bastasse tudo isso, a experiência pode ser enganosa. Os
quadros clínicos se confundem. Sinais e sintomas semelhantes podem ser indício
de diferentes doenças. A reflexão acerca dos diagnósticos diferenciais é uma
das mais complexas em Medicina, e talvez a mais crucial.
Algumas doenças só poderão ser descobertas e corretamente
tratadas após o decorrer de preciosos dias – ou meses! – e ludibriam até mesmo
o mais experiente dos médicos.
E tudo isso culmina com aquela que muitas vezes é uma difícil
decisão. Com base na experiência dá-se o diagnóstico. Com base no diagnóstico
prescreve-se um plano terapêutico. Com base no plano terapêutico e no
diagnóstico, espera-se um determinado prognóstico, uma evolução no quadro
clínico do paciente. Riscos e benefícios são pesados numa balança na qual o
ponteiro marca o quanto se pode ajudar efetivamente o paciente.
E se o risco for alto demais? E se um erro puder levar à
morte ou a graves disfunções? E se algo inesperado acontecer? Não existe exame
infalível ou tampouco tratamento infalível, e não existe situação absolutamente
previsível em todos os seus detalhes.
A Medicina é uma arte complexa, realmente, e o primeiro
aforisma creditado a Hipócrates espelha essa maravilhosa e assustadora
profissão.
Permanece vivo o conselho hipocrático: A arte é longa, a vida é breve...
[1]
Hippocrates, Heracleitus. Nature of Man. Regimen in Health.
Humours. Aphorisms. Regimen 1-3. Dreams. Heracleitus: On the Universe. Translated
by W. H. S. Jones. Loeb Classical Library 150. Cambridge, MA:
Harvard University Press, 1931, p. 98-99.