Compreender a Morte para Viver a Vida
Nós não gostamos de falar
sobre a morte. Gostamos ainda menos de falar acerca da morte de nossos amigos e
familiares e abominamos completamente a tomada de consciência de nossa própria finitude.
Nossa cultura
contemporânea nos estimula a pensar e agir como se fôssemos imortais neste
mundo, eternamente na busca de novos prazeres, negando frustrações e
limitações.
Numa aula sobre
tanatologia para ingressantes no Curso de Medicina, escutei deboches quando
perguntei sobre como as pessoas gostariam de morrer. É uma postura defensiva
clássica - debochar daquilo que se teme – que pode nos fazer perder tempo em reconhecer
as questões realmente preciosas da vida. Quem debochou foram alunos novos;
muitos ainda não perderam seus entes mais amados e, talvez, nenhum deles ainda
tenha visto bem de perto o dia de seu fim. E sem a clara percepção de nossa
finitude, como valorizar adequadamente nossos momentos de vida?
Em uma viagem recente à
Universidade de Baylor, em Waco no Texas, para palestrar num evento de
Humanidades Médicas, recebi preciosas dicas de leitura do professor William Hoy.
Um autor recomendado com especial entusiasmo foi o Médico Paliativista Ira
Byock, autor do livro “The Four Things That Matter Most: A Book About Living”.
No livro, Ira Byock utiliza
vários exemplos daquele que é o grande momento de perda, dor e fragilidade – a morte
– para ensinar acerca de como viver bem. Ele trata das quatro coisas mais
valiosas para se dizer quando nos despedimos de alguém[1], e também nos alerta sobre
o fato de que não precisamos esperar o momento de dizer adeus para falar sobre
isso.
O valor de se acumular
narrativas, advindas da realidade vivida ou da literatura de boa qualidade, é
inestimável para a formação moral e existencial do médico. E Ira Byock se
encaixa entre os vários médicos e escritores que produzem obras realmente
marcantes sobre a vida e a morte humana.
São histórias verdadeiras
de grande sofrimento e de grande superação.
Outros livros que trazem
narrativas, fictícias ou reais, preciosas para a compreensão do fenômeno da
vida humana são:
- Sinto Muito, de Nuno
Lobo Antunes;
- A Morte de Ivan Illich,
de Liev Tolstói;
- Em Busca de Sentido, de
Viktor Frankl;
- Mortais, de Atul
Gawande.
A única ressalva é que
este último, mais aclamado, percorre uma série de relatos de pessoas que
enfrentaram o fim de suas vidas com coragem e dignidade, auxiliadas por médicos
que procuraram dar a elas o máximo de conforto e respeito, e em seus últimos
capítulos fornece uma estranha, descontextualizada e incoerente defesa do
suicídio assistido e da eutanásia.
Por outro lado, o livro
de Byock, desconhecido pela maioria dos brasileiros, mantém a coerência de um
médico que respeita e valoriza a vida até seus últimos momentos, e que vai além
da busca pelo alívio físico para trabalhar o próprio sentido da vida nos mais
tensos momentos existenciais, fornecendo ao paciente a chance de alcançar algo
que vai além da aceitação da própria finitude: a sublimação.
Para Saber Mais:
- Breve comentário sobre
as Quatro Coisas:
- Conversa sobre as
Quatro Coisas que mais importam:
Prof.
Dr. Hélio Angotti Neto
é Coordenador do Curso de Medicina do UNESC, Diretor da Mirabilia Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas),
Membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, Médico Oftalmologista pela
Secretaria de Saúde do ES, Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC e
criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina (SEFAM).
[1] As
quatro coisas importantes para se dizer são: Perdoe-me, Te Desculpo, Obrigado e
Te Amo. Quem viveu o mínimo para tornar-se adulto provavelmente gostaria de ter
dito algo parecido àqueles que se foram. BYOCK, Ira. The Four Things That Matter Most: A Book About Living. New
York: ATRIA Books, 2014.