sábado, 7 de abril de 2018

METACRÍTICA – ESTUDO DE UMA CRÍTICA “CRÍTICA” AO LIVRO A MORTE DA MEDICINA

A CRÍTICA DE UMA CRÍTICA "CRÍTICA"...

Li uma curiosa crítica – um tanto confusa, diga-se de passagem - no formato de comentário acerca de meu livro A Morte da Medicina no portal da Amazon brasileira, tecida por Lúcia Fernandes em 25 de dezembro de 2017. 

Deixo que o livro "A Morte da Medicina" fale por si só, na medida do possível, e que cada um tire suas conclusões. Contudo, gostaria de utilizar o texto público lá depositado como material útil para a análise do que rola de incoerência nas cabeças pensantes por aí. Deixo o texto original dentro de caixas para facilitar a análise e o acompanhamento do leitor.

Resolvi ler este livro pela indicação do Fernando Carbonieri, em sua postagem no site Academia Médica, o trecho em resumo do livro citava:

"O provocativo título tem tudo a ver com a desilusão que o autor sentiu ao entrar em contato com o infanticídio "em nome da ciência". Nesta obra do amigo e colaborador do Academia Médica Hélio Angotti Neto, podemos ver o como a ciência pode ser perigosa e destruidora. Pior ainda, podemos ver como conceitos inescrupulosos podem se camuflar em um conceito de ética ainda mais deturpado."

Erro meu de não ter pesquisado sobre o autor, não ter visto outros resumos antes de comprar o e-book, pois foi uma leitura um tanto decepcionante.

Acho muito correto o desejo da Lúcia em formar um preconceito em relação a meu livro lendo o que outros disseram e pesquisando sobre mim. Preconceito, em um sentido mais técnico, é uma forma de exercer a inteligência e o juízo provisório com base nas evidências indiretas disponíveis até o momento. [1]

Sobre mim, Lúcia com certeza encontrará informações que me localizarão em uma moldura mais à direita do radicalismo intelectual esquerdista de nossa combalida academia brasileira. É claro que, como qualquer moldura, só serve para conter espantalhos, meros recortes abstrativos de uma personalidade.

Por outro lado, não julgo a leitura de um livro pelas opiniões alheias ou por biografias do autor. Uma intelectualidade sadia preza - ou deveria prezar - que livros sejam lidos antes de serem julgados. Ou, como já dizia Hugo de São Vítor, pode-se aprender algo de útil e verdadeiro de qualquer pessoa. Posso extrair coisas boas e interessantes de uma grande quantidade de autores dos quais discordo e faço questão de ler. Sou cristão protestante e posso ler Marx, Mises, Camus, Dalai Lama, Maomé, Richard Dawkins, Lane Craig, Tomás de Aquino e Bento XVI assim como leio João Calvino e Lutero. Contudo, essa obrigação de recorrer aos originais realmente é exclusiva para aqueles que desejam atuar com seriedade no campo intelectual. Aos demais, que não possuem pretensões de universalização ou profundidade de pensamento, não vejo nada demais em negar a possibilidade de ler algo com o qual discorde ou de alguém com quem não simpatize.

Em resumo, o livro começa mesmo com a decepção pessoal do autor com um artigo publicado sobre o infanticídio na medicina, os primeiros capítulos contemplam uma tentativa de crítica "fundamentada" aos argumentos deste artigo, mas tal tentativa é deveras tendenciosa e diria um tanto preconceituosa. O fato de defender os fundamentos cristãos como norteadores da prática médica e sua opinião pessoal contra o aborto são o topo do iceberg (e não deveriam ser problemas em outros contextos). O autor utiliza-se de argumentos apelativos e falaciosos, o que é uma controvérsia pois muitas das críticas que ele direciona ao artigo científico de infanticídio é que os argumentos são rasos, eufemistas e falaciosos. Se de um lado temos um artigo criticado que "esconde" motivações ocultas da vontade pecadora do ser humano de matar bebês indefesos, temos um outro contraponto, um autor que enxerga pela ótica sensacionalista de assassinato de bebês e tudo caminha para o argumento da mãe "preguiçosa" não querer se esforçar para criar seu filho, a mãe egoísta que se esconde sob o amortecimento do rótulo de "saúde mental" e deseja que isso tire sua culpa de seu desejo de matar bebês, afirmando que não existem doenças mentais após a maternidade. De generalizações para generalizações, não teve muita diferença de qualidade entre a leitura criticada e a crítica em si. Inclusive demonstra um possível despreparo/preguiça do autor em se aprofundar em temas socioculturais, relativizando problemas reais em nossa sociedade. É engraçado até a questão monetária. No começo da leitura ele defende que há verbas para o setor primário e terciário no SUS (afinal são atividades distintas), mas já nos momentos finais do livro, o dinheiro direcionado para a saúde irá todo para os médicos "açougueiros" matarem as crianças indefesas ao invés de irem para causas mais "nobres".

A expressão irônica tentativa de crítica “fundamentada”, com esta última palavra entre parênteses, é típica e mostra a que veio Lúcia. Para ela, deixei o "Crítica" entre parênteses no título desta resposta.

Ela acerta em cheio ao ressaltar que defendo princípios cristãos para a prática médica, o que ela chama de topo do iceberg de minha tentativa tendenciosa e preconceituosa. Contudo, não menciona que princípios semelhantes são observados na tradição hipocrática, no islamismo e em diversas outras formas de se enxergar a vida humana, coincidentes em diversos pontos que marcaram a medicina ao longo dos séculos.

Somente Lúcia pode ser preconceituosa e excluir uma visão de mundo do debate? Se outra pessoa o fizer, é alvo de crítica, mas se lúcia me julga com sua ideologia biônica diversitária derivada de um iluminismo pretensioso de séculos passados, não há problema.

Sobre a chuva de críticas sem referência direta ao texto, convido que zelosos leitores leiam por si mesmos e tirem suas conclusões. Facilitaria o serviço se Lúcia colocasse o número da página em que viu as falácias que acusa. Seria instrutivo para mim pelo menos. 

É interessante também notar que ela me acusa de relativizar problemas em nossa sociedade, pois eu teria dito que “há verbas para o setor primário e terciário do SUS”. E a isso, Lúcia relaciona minha afirmação contra a ida de dinheiro para médicos açougueiros ao invés de irem para causas mais nobres. Falhei em perceber a crítica ali colocada. Ademais, não posso criticar o mau destino do dinheiro público?

O livro talvez seja um bom exemplo da ambivalência do ser humano. A arte de usar argumentos para puxar a sardinha para o seu lado quando é conveniente.

Assim como a Lúcia faz?

Mas não desconsidero que houve todo um esforço e dedicação do autor em suas citações filosóficas e morais cristãs, mas ele peca em seus recortes e coações tendenciosas.

É ético a condução de pensamento em que a metade ocidental é em sua maioria cristã e por isso a medicina precisa seguir a risca de preservar a vida a qualquer custo e quem não o faz é puramente assassino e não pode haver discussões sobre esse tema? Afinal é como um ladrão, pelo exemplo do livro, não tem conversa, é cadeia e pronto. Como se fosse uma lógica binária, tudo preto no branco, ação e reação, desconsiderando toda uma complexidade humana e a complexidade da vivência social.

Bom, essas e outras coisas você encontra neste livro.

Que bom que meu esforço tendencioso foi considerado. Na avaliação ganhei até duas estrelinhas ao invés de uma. Desceu uma lágrima de alegria aqui na maxila direita por causa da condescendência magnânima de Lúcia.

Quanto ao resto, deixe-me reformular uma das preciosas frases de Lúcia: é ética a condução de um pensamento em que a metade ocidental é não cristã em sua minoria e, por isso, a medicina não deve preservar a vida alheia, deixando inclusive de chamar de assassino aquele que mata alguém? Para Lúcia é ética sim. Antiético sou eu, que penso o contrário dela. É a intolerância dos tolerantes, como se diz por aí. Sou acusado de ter lógica binária, de ser simplista em meu pensamento, justamente por ela que reduz cosmovisões alheias a preconceitos opostos à sua maravilhosa visão pluralista e diversificada, acima de todos os meros mortais burros e incapazes de pensar criticamente. Uau.

Quanto ao assassino, realmente não tenho conversa com ele. 

Imagine a situação:

Pode “desassassinar” a criança por favor, minha filha? Ah, ele só matou aquele bebê, coitadinho, não vamos julgá-lo só porque ele julgou e condenou sua vítima à morte, não é mesmo? 

A Lúcia que me perdoe, mas algumas coisas como assassinato, escravidão e estupro não estão disponíveis para discussão séria e digna por boa parte das pessoas. Lamento se feri a visão descolada e nem tão pluralista assim da Lúcia, mas ela precisa aprender a respeitar quem não acha normal matar o próximo.

E, pessoalmente, considero inclusive que o autor não teve uma postura ética/respeitosa perante seus colegas de profissão, ao expor pejorativamente Dráuzio Varella como corporativista apenas por sugerir que o juramento de Hipócrates não condiz mais com a nossa realidade, assim como outras tantas críticas pesadas à outros profissionais dedicados em seu trabalho.

A coisa fica divertida aqui no final. O que critico em meu livro é a falta de cultura humanística a respeito do Juramento de Hipócrates pelo colega Dráuzio Varella, que é muito competente em diversas áreas e talentoso no que conhece a fundo, com certeza. 

É o próprio Dráuzio Varella que chama os colegas de papagaios repetidores de ritos antigos e corporativistas, baseado ele mesmo em uma interpretação própria e anacrônica do Juramento de Hipócrates. Vou repetir para que não haja dúvidas: é o próprio Dráuzio Varella quem chama incontáveis colegas de corporativistas, e Lúcia afirma que quem é desrespeitoso sou eu por chamar o Dráuzio de corporativista.

Essa acusação feita pela Lúcia de que sou desrespeitoso seguida desse erro grotesco de leitura me faz refletir acerca de nossos índices de analfabetismo funcional. E desrespeito e falta de ética é o que Lúcia faz ao pregar tais rótulos odiosos em mim após uma leitura porca do meu livro.

Caminho para o término dessa resenha citando o Dráuzio:

"O que faz da medicina uma profissão respeitável não são as noites em claro nem o conteúdo do que juramos uma vez na vida, muito menos a aparência sacerdotal, mas o compromisso diário com os doentes que nos procuram e com a promoção de medidas para melhorar a saúde das comunidades em que atuamos."

Como afirmo no livro, esse compromisso diário que é o aspecto sacerdotal do médico, e não o fato de passar noites em claro. O meu livro concorda com a essência do que Varella disse nesse trecho, e também critica a prática desprovida de bom senso de alguns que existem por aí.

Deixo um trecho do Juramento de Hipócrates para reflexão em "essência/potencial" sobre dano x compreensão da cultura e ideologia:

"Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém."

Posso causar dano a alguém se eu desconsiderar suas crenças pessoais e submetê-lo ao julgamento perante as minhas crenças? Os jesuítas que vieram catequizar os índios causaram algum dano? Augusto Comte causou dano aos outros seres com sua tentativa de ordem social? A vida tem o mesmo significado para todos? O que significa a vida?

Pela antropologia (a ciência que estuda o ser humano e suas peculiaridades) conhecemos uma gama de diferenças de pensamentos, culturas, atitudes, crenças, valores...

O Enigma de Kasper Hauser também inicia o pensamento nesse sentido, ao expor como seria o desenvolvimento de um ser humano privado do contato social em relação a construção do indivíduo em sociedade.

É danoso para uma pessoa que ela seja assassinada? Será que o pós-modernismo já envenenou tanto as almas despreparadas por aí que as pessoas se tornaram incapazes de perceber o assassinato como ato de maldade? 

É como Roger Scruton critica em seu livro Fools, Frauds and Firebrands, ao constatar que para algumas pessoas certas ideias valem mais do que pessoas, e que para algumas ideologias, a vida alheia daqueles que não se encaixam na utopia subjetiva é menos real do que o maravilhoso plano para um futuro que não se sabe nem como é.

Se diferentes moralidades são argumento contra a existência de parâmetros corretos de moralidade humana, um doido poderia até defender - e alguns realmente defendem! - a tirania e o massacre feito por nazistas e comunistas como algo passível de ser aceito. Aliás, é possível até que haja aqueles tiranos cuja moralidade exija o silêncio tanto de minha parte quanto das esquisitas acusações de Lúcia.

Sinto muito, Lúcia. Seu pluralismo, que prefere julgar livros antes de ler e que não aceita visões diferentes da sua própria visão chique e descolada, realmente não cola.

Colatina, 7 de abril de 2018.


Outros comentários na página de venda do livro disponíveis no dia 07 de abril de 2018...

Muito bom para acadêmicos e médicos entenderem o contexto da decadência de valores na Medicina. Por Pamela Simoa em 23 de agosto de 2015. 5 Estrelas.
O aborto e a eutanasia de fetos é o tema central da discussão da obra, a qual faz alusões relevantes de grandes mestres da literatura mundial sobre a morte. A modificação do juramento de Hipócrates também é discutida, afinal foi proposital?
Muito bom para acadêmicos e médicos entenderem o contexto da decadência de valores na Medicina contemporânea.

Leitura essencial em tempos de decadência moral. Por Cliente Amazon em 18 de novembro de 2016. 3 Estrelas.
Muito bom para quem se interessa por ética médica. O autor deixa de lado o politicamente correto e corre em busca de abordar os fatos como são. Hélio Agnotti Neto em A morte da medicina procura com todas as forças esclarecer que o direito a vida vem antes do direito sobre o corpo, abordando majoritariamente a questão do aborto, criticando veementemente uma pesquisa pró-abortista de Giubilini e Minerva, os quais propuseram algo chamado de "abortamento pós nascimento" (leia-se infanticídio se tirarmos os óculos do eufemismo). Leitura essencial em tempos de decadência moral como os nossos. Dou nota de 3 estrelas por ter esperado pela discussão de outros temas.

O Monstro dominou o Médico. Por little joao em 4 de dezembro de 2016. 5 Estrelas.
A definição mais clara deste livro é a realidade do aborto legalizado pelos abortistas de plantão no STF: Barroso, Fachin e Rosa Weber.
Não somente médicos adoram matar: juristas também. É o ser humano reduzido a uma massa de carne, PIOR do que um animal (vide os veganos, adoradores de bichos etc).

A Morte da medicina. Por Cezar em 11 de agosto de 2014. 5 Estrelas.
Leitura obrigatória para todo médico focado em saúde, pois a medicina brasileira está vivendo um momento único, espero que transformação. Este livro mostra o quanto a medicina pode ser usada para outros fins, que não gerar saúde, questionando a possibilidade destas distorções, que aparentemente pode estar passando despercebida pelos médicos, ser causa da população estar cada vez mais doente ... Como pode o Conselho Federal de medicina ter aceitado discutir sobre o aborto, pior ainda é emitir nota concordando com aborto! Estaria o Conselho Federal de Medicina infringindo o código de ética médica? Pois este código fala para lutarmos pela saúde?

Perfeito!Por Cláudia em 26 de agosto de 2017. 5 Estrelas.
Em linguagem acessível a todos, incluindo quem não tem conhecimento de Medicina e Filosofia.
Leitura indispensável para alertar as pessoas sobre os graves riscos que corremos nas mãos daqueles que julgam deter o poder e a sabedoria.
Indispensável aos médicos e futuros médicos.
Também aos pais de futuros país.
Indispensável a todos nós.

Muito bom! Por Cliente Amazon em 5 de janeiro de 2018. 5 Estrelas.
Muito importante leitura aos que de alguma forma buscam refletir sobre a temática do aborto. Sejam pró-escolha ou pró-vida, seria muito bom que lessem e meditassem no que o autor traz nesse livro. Claro que se for um pró-escolha, pode ser que se irrite um pouco.

Excelente obra. Por Leonardo Lopes em 11 de julho de 2014. 5 Estrelas. 
Grande análise critica das artimanhas que tentam infectar a medicina de uma cultura de morte... Excelentes reflexões sobre ética médica!

Atual.Por Cliente Kindle em 21 de agosto de 2017. 5 Estrelas.
Embora trata de um tema em discussão por milênios, os textos não deixam de refletir realidades muito atuais e contemporâneas.

Apagamento ético. Por Edson Luis Tonon em 30 de setembro de 2014. 1 Estrela.
Libelo monocórdico. Não deixa de ter razão, mas torna-se um pouco cansativo. Abandonei a leitura no 1/3. Esperava abordagem de outros pontos que envolvem a medicina e seu papel social, mas parece que ele resolveu limitar-se ao aborto.

Excelente. Por Cliente Amazon em 18 de janeiro de 2017. 5 Estrelas.
Ótimo Livro!
Argumentação Clara com uma ironia desconcertante, própria de grandes filósofos.
Leitura obrigatória para aqueles que querem discutir, bioética e aborto.

Essencial. Por Fabio em 8 de julho de 2017. 5 Estrelas.
Livro essencial, argumentos sólidos, escrita leve e poderosa. Um assombro à cultura da morte tão dominante nos meios "intelectuais" contemporâneos.



[1]Só para constar, insiro ao fim deste texto os outros comentários que ele afirma que deveria ter lido.