O Estranho Doutor que Gostava da Morte
Há pessoas marcadas com gosto por coisas nada ortodoxas. Uma das mais estranhas e mórbidas ideias, sem dúvida nenhuma, é a obsessão com a morte. Não é um tema improvável, visto que todos temos tal evento como certeza em nossas vidas, mas é algo que normalmente não se pensa até o momento de sua aproximação, seja natural, seja por meio de doença.
Jack Kevorkian, conhecido também pelo nome de Doutor Morte, é uma dessas pessoas com uma estranha curiosidade pelo fim. Diria até mais, já que se dedicou a ser elemento ativo na morte alheia.
Filho de pais que escaparam do genocídio na Armênia, abandonou a fé cristã de sua família ainda menino. Na residência médica, já era obcecado com a morte, e se revoltava quando médicos utilizavam argumentos religiosos sobre a santidade da vida humana como base para negar a licença para matar.
Tais argumentos e a própria lei não foram impedimento para Kevorkian, que desenvolveu sua máquina de matar, carinhosamente chamada de thanatron (palavra derivada de thanatos, que significa morte), e tornou-se um ativista da eutanásia durante os anos 90 do século XX.
Sua primeira vítima foi Janet Adkins, portadora de Alzheimer com 54 anos de idade que o procurou em busca de um suicídio assistido. Kevorkian ligou-a em seu thanatron e a matou em 4 de junho de 1990. O doutor morte não examinou a paciente, não consultou o médico assistente da mesma e tentou a venóclise perfurando o membro da paciente por cinco vezes seguidas.
Após tudo estar preparado, coube a Adkins pressionar o dispositivo e morrer. Seu médico assistente informara à época que provavelmente ela já não tinha plena consciência do que estava acontecendo, isto é, já não estava mentalmente competente.
Mais 130 pessoas tiveram suas mortes auxiliadas pelo estranho doutor, que foi enfim sentenciado a 25 anos de prisão.
Hoje, com a pressão para legalizar o papel do médico como entregador da morte por meio de abortos, suicídios e eutanásias, a vida de Kevorkian tem sido romantizada por alguns militantes da cultura da morte, quando na verdade o que ficou demonstrado é como a cultura da morte aliada à má técnica e à falta de ética profissional adequada se transforma numa perigosa máquina de extermínio e desespero.
A opção forçada entre morrer ligado de forma desumana em aparelhos ou recorrer ao suicídio ou à eutanásia é uma falsa colocação da questão, que reduz a equipe de saúde a uma condição bestializada e monstruosa na qual se deve decidir entre monstros que torturam o paciente ou monstros que matam. Quem se interessa por tanatologia deve perfurar a venda colocada à força em nossos olhos por essas narrativas enviesadas e enxergar as verdadeiras opções, como a medicina paliativa de boa qualidade, que sempre prezou a vida humana e a respeitou sem transformar o médico ou qualquer outro membro da equipe de saúde em um verdugo apto a matar.
Será que ainda não aprendemos as lições terríveis de nosso passado? Quantos ainda precisarão morrer para que o médico retorne à sua vocação original ou desista dessas utopias da morte?
Hélio Angotti Neto - Colatina, 04 de junho de 2018.
Bibliografia
BISHOP, Jeffrey P. The Anticipatory Corpse. Medicine, Power, and the Care of Dying. Notre Dame, Indiana: University of Notre Dame Press, 2011.
GORSUCH, Neil. The Future of Assisted Suicide and Euthanasia. Princeton & Oxford: Princeton University Press, 2006.
NICOL, Neal; WYHE, Harry. Between the Dying and the Dead: Dr. Jack Kevorkian’s Life and the Battle to Legalize Euthanasia. Madison: University of Wisconsin Press; Terrace Books, 2006.
WEIKART, Richard. The Death of Humanityand the Cas for Life. Washington, DC: Regnery Faith, 2016.