terça-feira, 7 de outubro de 2014

A Linguagem do Viver e do Morrer na Cartilha de Direitos e Liberdades do Canadá (Tradução)


 

A Linguagem do Viver e do Morrer na Cartilha de Direitos e Liberdades
Em 14 de outubro de 2014 a Suprema Corte do Canadá terá o trabalho nada invejável de escolher entre duas linguagens éticas bem diferentes. Qual é a linguagem na qual as promessas e proteções contidas na Cartilha de Direitos e Liberdades são melhores compreendidas?

Desde sua assinatura em 1984, a fina escrita da Cartilha tem permanecido não testada. Em “Carter, et al. Versus Advogado Geral do Canadá, et al.”, serão os Juízes chamados a decidir o significado da garantia que consta na Cartilha (seção 7) sobre “vida, liberdade e segurança da pessoa”? E, também, serão eles questionados sobre quais ações chegam ao nível de discriminação proibida (seção 15)? Peticionários e advogados canadenses arguirão com base em diferentes fundamentações éticas que são tão diferentes quanto o Inglês é do Francês. Um dos fundamentos é libertário em sua pressuposição de que a principal meta do governo e, logicamente, da sociedade, é incrementar, jamais impedir, a escolha dos indivíduos. O outro insiste que a linguagem da lei é, em seu cerne, comunal e protetor. Em mais de 20 anos como consultor, conselheiro, pesquisador e escritor nestas questões, tenho visto essas éticas divergirem até se tornarem linguagens totalmente distintas.

Fim da Vida e Finalizando a Vida
Em relatórios judiciais, por exemplo, libertários falam sobre “ajudar a morrer”, “morte assistida” ou “morte assistida por médico” como simples questões de cuidado e conforto requeridas para e por aqueles cuja morte é iminente. Tudo o que está sendo pedido é permissão para que o médico ajude nesse momento inevitável para que haja conforto.

Argumentando de forma similar pelo cuidado, advogados de justiça do Canadá insistirão que nada disso é sobre escolhas no “fim da vida”, mas sim, sobre “finalizar a vida” daqueles que, de outra forma, poderiam viver por semanas, meses ou anos. Cuidado diz respeito a controle da dor, reabilitação e serviços sociais, não diz respeito a terminação da vida autoconsciente por meio da remoção de mecanismos artificiais de sustentação da vida ou por meio da introdução de medicações para interrupção dos batimentos cardíacos. Isso é apenas matar com outro nome – os holandeses chamam isso “terminação” assistida ou dirigida por médicos – e isso é proibido, de forma justa, na lei canadense.

Autonomia
Para libertários, a questão é sobre a autonomia como direito absoluto, e a independência é uma das principais virtudes. Não cabe à sociedade questionar decisões individuais, julgamentos ou preferências. Se a pessoa com limitações crônicas cognitivas, físicas ou sensoriais deseja morrer... é nosso dever como sociedade escutar seu pleito, reconhecê-lo e depois agir de acordo, se necessário. Mas o que está em demanda, ressaltam os oponentes, não é o direito da ação individual. A demanda, ao invés disso, é para que a sociedade aceite a determinação de que algumas vidas não são dignas de serem vividas. Eles então solicitam que os canadenses apoiem tal julgamento por meio da participação de médicos canadenses pagos pelos serviços de saúde locais sustentados pelo Ato de Saúde do Canadá por meio de dólares federais. Individual? Dificilmente.

Pressuposta nessas posições está a crença libertária de que apenas o indivíduo possa julgar sua qualidade de vida. Se alguns a consideram insuportável, então a “terminação” é uma coisa humana a ser feita. Uma variante é o argumento da dignidade. Em seu depoimento, por exemplo, Glória Carter argumentou que sua condição, ELA, resultaria na falência inevitável do controle vesical e intestinal. Isto consistiria numa indignidade que ela não desejaria suportar. E quem, perguntam os libertários, colocaria em cheque o direito dela em julgar a própria qualidade de vida?

Oponentes insistem que qualidade de vida é um conceito que criamos juntos, não é uma condição que suportamos sozinhos. Dignidade está em como vivemos nossas vidas, não nos limites excêntricos da vida que podemos viver. O artista Bill Reid disse que enquanto sua Doença de Parkinson impôs o uso de fraldas ele considerou o fato uma inconveniência menor, não alguma coisa que justificasse sua morte. Num famoso artigo, Harriet McBryde Johnson disse ao filósofo de Princeton, Peter Singer, que somente por ela usar uma cadeira de rodas não significa que ela não gostaria de ir à praia. Que ele não pudesse conceber tais prazeres na vida dela, vivendo numa cadeira de rodas, era problema e limitação dele, não dela. “Dignidade” e “Qualidade de Vida” são buscados por meio do cuidado, da reabilitação e do suporte, McBryde insistiu, não por meio da “Terminação”.
Como insistem os comunicados da justiça canadense, duas décadas de ciências sociais mostraram que, com o passar do tempo, aqueles que enfrentaram condições ou doenças crônicas mudaram suas mentes acerca de coisas como dignidade, vida e qualidade de vida. Enquanto a maioria atravessaria um período inicial de depressão e até mesmo de risco de suicídio por desespero, com o tempo, a maioria descobriria que a vida valia a pena ser vivida. Aprendemos a nos acomodarmos, a redescobrir a dignidade e a alegria de viver em vidas que, embora sejam diferentes, permanecem válidas. Aceitar a terminação da vida durante o período de desespero é negar aos frágeis o direito de ter o tempo necessário para fazer o que deve ser obrigatório: aconselhar, controlar a dor, reabilitar e prestar serviços sociais.

 É justo dizer que as deficiências e os ativistas sociais insistem que suportemos não o indivíduo isolado, mas a pessoa na comunidade. Todos nós precisamos de ajuda, ainda mais quando deparamos com uma crise de saúde. É neste momento em que a garantia da Cartilha de “vida, liberdade e segurança da pessoa” exige proteção e suporte dos frágeis, jamais um rápido consentimento à depressão e ao medo do desconhecido. Os libertários não negam a necessidade de apoio. Eles somente entendem tal coisa de forma diferente.

 
Tom Koch é eticista médico, escritor e geriatra que trabalhou como consultor em casos de terminação da vida dirigida ou assistida por médico. Seu último livro se chama “Thieves of Virtue: When Bioethics stole Medicine” (Ladrões de Virtude: quando a Bioética roubou a Medicina).
Publicado originalmente em inglês no Huffington Post em 05 de Outubro de 2014. Tradução feita e publicada com autorização do autor.