Eugenia, Deficiência e Agenda Política Abortista Internacional
FELIPE DANA/ASSOCIATED PRESS
Na edição de maio de 2016 do American Journal of Bioethics, foi
publicado um artigo para somar-se à hoste dos artigos abortistas à cata de
justificativas para matar o próximo indefeso.[1]
Segundo o editorial, escrito a convite,
o Brasil sofre forte tendência para o recrudescimento da legislação contra a
legalização do aborto, justamente neste momento no qual o vírus Zika tem
causado graves problemas em neonatos. O artigo também recorda aos leitores que
o Brasil possui poucos recursos para auxiliar as famílias atingidas pelas mais
graves complicações do vírus, que têm que cuidar de bebês com microcefalia. Por
fim, avisam que leis contra o aborto podem reduzir a disponibilidade de tecido
fetal para realizar pesquisas científicas em busca de novos tratamentos.
Páginas de notícia no Brasil informam
que o número de casos de microcefalia confirmados ultrapassa mil e seiscentos
numa avaliação feita em julho de 2016.[2]
Os comentários numa página informativa são reveladores do nível moral de alguns
leitores pró-aborto:
“Deveriam ter sido abortados. É um
crime trazer para o mundo um ser que ficara preso a um corpo mal formado.
Insensatos, insensíveis, irresponsáveis e hipócritas.”
“Se os pais assim o quiserem, deveria
ser permitido.”
“Qual a expectativa de vida de um bebê
desses?”
“Nenhuma cara, o jeito é esperar ele
morrer mesmo infelizmente, microcefalia não há solução.”
“Corrigindo o bebe pode viver sim, mas
vai ter uma vida totalmente dependente de outra pessoa.”
“Espero do fundo do meu coração que
esse número venha triplicar e os brasileiros parem de fazer filhos kk.”
Há todo um questionamento em relação à
mentalidade utilitarista e hedonista que motiva a indisposição de cuidar de
crianças imperfeitas ou, como diriam os nazistas, de “comedores inúteis”. Essa
mentalidade que destina parcelas inadequadas da população ao extermínio por
sucção e desmembramento ou, em outras épocas, por câmaras de gás, fornos
crematórios e fuzilamento, sempre esteve presente em nossa história,
representando a antítese de nossos valores fundacionais ligados à religião
cristã e à percepção da Dignidade Humana. Remeto o leitor à obra de Benjamin
Wiker para mais informações sobre esse duelo de cosmovisões que já dura mais de
dois mil anos.[3]
Contudo, gostaria de chamar atenção
sobre outros aspectos.
Primeiro: seria terrivelmente impreciso
afirmar que há um recrudescimento das leis anti-abortistas no Brasil. Nosso
país sempre foi maciçamente contrário à legalização do aborto voluntário e,
recentemente, seguindo a agenda internacional de controle de natalidade e
morticínio de fetos, criou dispositivos facilitadores para o abortamento
indiscriminado, como aquele chamado de “Atenção Humanizada ao Aborto”.[4]
O que há, realmente, é a maior consciência das constantes e insistentes
tentativas de engenharia social da agenda cultural de esquerda no país e uma
resposta de segmentos religiosos e de grupos que apoiam a vida do bebê e os
valores mais prezados pela população comum.
O que há no Brasil é o aumento da
crítica feita às violentas iniciativas abortistas, que sempre se caracterizaram
por muita maquiagem politicamente correta e por termos eufemísticos como
“pró-escolha”, “direito de decidir” e “direitos reprodutivos”, criados há
décadas por abortistas que lucravam pesado com a morte alheia. Não sou eu que
afirmo isto, é o próprio rei do aborto, Bernard Nathanson, criador de muitos
desses termos especialmente desenvolvidos para comover e confundir a população
desprevenida contra manipulação psicológica e auxiliar na aprovação de leis
abortistas. Nathanson, posteriormente, se arrependeu de seus crimes e passou a
defender a vida dos fetos e bebês.[5]
Segundo: há muitos recursos no Brasil!
Somos um dos países mais ricos do mundo - e com maior carga tributária. O
problema é a altíssima carga parasitária de nossa elite política corrompida até
à medula. O dinheiro público simplesmente “desaparece” nos bolsos de nossa
elite de esquerda aliada aos megaempresários que topam entrar na dança da
malandragem institucionalizada. Porém, considerando o mercado milionário do
aborto e o rótulo progressista que o acompanha, os olhos da
(des)”Intelligentsia”[6]
tupiniquim brilham.
E terceiro: praticar um ato moralmente
errado, ou até mesmo questionável, justificado por um bem potencial, como os
possíveis avanços em tratamentos com o uso de pedaços de bebês abortados para
pesquisa, não é eticamente aceitável fora de um parâmetro maquiavélico e
diabólico no qual o mais forte decide usar o mais frágil por meio do extermínio.
Muitos apelam aos possíveis
tratamentos; contudo, não lembram de que há outras possíveis ferramentas para o
desenvolvimento de novos tratamentos, como a pesquisa de células-tronco de
adultos. Poucos lembram também de que ainda há muita expectativa e poucos
resultados concretos, ou sequer cogitam as complicações do uso de
células-tronco fetais, como o desenvolvimento de câncer no receptor. E isso sem
falar no assustador mercado clandestino de pedaços de bebês e fetos, praticado
pela megaempresa abortista Planned
Parenthood.[7]
O artigo publicado no famoso periódico
de bioética afirma que até o Papa concordou em fazer anticoncepção em situações
como a do vírus Zika se espalhando. Dizem que evitar gravidez não é mal
absoluto. Isto não passa de um truque de palavras. É uma mutatio controversiae, uma mudança de assunto.[8]
O artigo defende o aborto, não a anticoncepção. E a permissão de uma coisa
(contracepção) é bem diferente da outra (aborto).
E, por fim, o artigo conclui fazendo um
apelo para que homens e mulheres busquem respostas na opinião de pesquisadores
biomédicos sem a interferência de uma “agenda política”.
Advogam a disponibilização do
abortamento. Negar o direito à matança de uma prole deficiente seria, conforme
os autores, ação moralmente inaceitável. Nisto, repetem o discurso orwelliano
da Organização das Nações Unidas, onde matar fetos e bebês tornou-se um
“direito humano”.[9]
Dentro da perspectiva hedonista e
naturalista, considerar inaceitável que pais cuidem de crianças deficientes é
uma atitude compreensível, assim como é completamente compreensível, na perspectiva
caridosa e transcendental – que, aliás, fundou nossa civilização -, que pais
cuidem de suas crianças em qualquer situação considerando-as dádivas de Deus
(ou do destino, para quem não acredita em Deus), mesmo quando imperfeitas em
diferentes graus do nosso, visto que todos nós temos imperfeições. É claro que
ambas são compreensíveis, mas a primeira opção é moralmente muito inferior e
relaciona-se aos hedonistas mais medíocres e menos caridosos.
Quanto ao manjado e boboca discurso da
agenda política que move um discurso, não é nenhuma novidade. Esse artigo do American Journal of Bioethics repete um
padrão já cansativo: pessoas com agendas progressistas escandalosamente
politizadas projetam naqueles que discordam de suas “iluminadas” opiniões os
desejos políticos inconfessáveis de uma imaginada agenda obscurantista. Assim também foi feito por Alta Charo em um
artigo publicado no famoso periódico New
England Journal of Medicine, que cada vez mais parece um panfleto político,
embora publique conteúdo científico de valor quando não se pronuncia sobre
questões humanísticas.[10]
Nossos bioprogressistas, enterrados até
ao pescoço em suas próprias agendas políticas, acusam a todos de falta de
objetividade científica do alto de suas perspectivas intensamente subjetivas e
desprovidas do mínimo de empatia necessário para mover um debate de qualidade.
Convido o leitor a visitar a página da National Advocates for Pregnant Women,
organização política proponente do aborto na qual milita Mary Faith Marshall,
uma das autoras do artigo que critico.[11]
Lá qualquer um poderá conferir o grau de imparcialidade da autora que acusa
outros de moverem “agendas”.
Diante do exemplo de tantas famílias
brasileiras que, movidas pelo mais sincero sentimento de amor ao próximo,
recusam-se a matar sua prole e cuidam de seus bebês por dias, semanas ou até
mesmo anos, haja o que houver, mesmo na pobreza e na ausência de auxílio
adequado do governo – sempre disposto a ajudar criminosos e sempre ignorando
inocentes -, só podemos nos sentir humildes e admirados, e oferecer nossa
compreensão e incondicional ajuda para que vivam e cumpram suas melhores virtudes.
E, no fim, devemos responder qual tipo
de civilização desejamos legar aos nossos filhos e netos. Será uma civilização
que eliminará seus fracos e exaltará seus fortes? Ou será uma civilização que
exaltará suas virtudes e sua fortaleza ao cuidar dos mais fracos?
Prof. Dr. Hélio Angotti Neto
é Coordenador do Curso de Medicina do UNESC, Diretor da Mirabilia Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas),
Membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, Visiting Scholar da Global
Bioethics Education Initiative do Center for Bioethics and Human Dignity,
Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC e criador do Seminário de
Filosofia Aplicada à Medicina (SEFAM).
[1] HARRIS, Lisa H; SILVERMAN, Neil S; MARSHALL, Mary
Faith. ‘The Paradigm of the Paradox: Women, Pregnant Women, and the Unequal
Burdens of the Zika Virus Pandemic’. In: American
Journal of Bioethics, Vol 16(5), 2016, p.1-4.
[2] GLOBO.COM Bem Estar. Brasil tem 1.687 casos confirmados de
microcefalia, diz ministério. 13 de
julho de 2016. Internet, http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2016/07/brasil-tem-1687-casos-confirmados-de-microcefalia-diz-ministerio.html
[3]
WIKER, Benjamin. Hedonismo Moral:
Como nos tornamos hedonistas. São Paulo: Paulus, 2011.
[4]
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Norma Técnica:
Atenção Humanizada ao Abortamento. Série Direitos Sexuais e Direitos
Reprodutivos vol 4. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2005. Internet, http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada.pdf
[5] NATHANSON, Bernard N. The Hand of God: A Journey from Death to
Life by the Abortion Doctor Who Changed His Mind. Washington, DC: Regnery
Publishing, Inc., 1996; NATHANSON, Bernard N. Aborting America: A Doctor’s
Personal Report on the Agonizing Issue of Abortion. Fort
Collins, CO: Life Cycle Books, 1979.
[6]
Do russo интеллигенция, refere-se a um grupo remunerado de pessoas envolvidas
em trabalho intelectual complexo e criativo direcionado ao desenvolvimento e à disseminação
de uma cultura específica, isto é, à engenharia social por meio da cultura.
[7] The Center for Medical Progress. PLANNED PARENTHOOD
STILL #GUILTY OF SELLING BABY PARTS FOR PROFIT ONE YEAR AFTER VIDEOS
#PPSELLSBABYPARTS. Internet,
http://www.centerformedicalprogress.org/2016/07/planned-parenthood-still-guilty-of-selling-baby-parts-for-profit-one-year-after-videos-ppsellsbabyparts/
[8]
SCHOPENHAUER, Arthur. Como Vencer um
Debate Sem Precisar Ter Razão. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003.
[9]
LA GACETA. La ONU califica el aborto de
derecho humano. Internet, http://gaceta.es/noticias/onu-reconoce-aborto-derecho-humano-12022016-1436
[10] CHARO, Alta. Fetal Tissue Fallout. New England Journal of Medicine,
373(10), September 3, 2015, p. 890-891. Remeto o
leitor à crítica feita por mim no texto: Espantalhos, Nazistas e Coerência
Ética. Internet, http://medicinaefilosofia.blogspot.com.br/2015/09/espantalhos-nazistas-e-coerenciaetica.html