quarta-feira, 16 de maio de 2018

AINDA O PATERNALISMO HIPOCRÁTICO

Canso de escutar pessoas que nunca leram a obra hipocrática ou livros de seus contemporâneos falando sobre o terrível paternalismo hipocrático e a maravilhosa valorização da autonomia do paciente que se observa nos dias iluminados de nossa época contemporânea.

Deixo um breve trecho para reflexão:





"Mas o médico nascido livre se ocupa principalmente em visitar e tratar das enfermidades das pessoas livres e o faz investigando-as desde o começo e conforme o curso natural; conversa com o próprio paciente e com seus amigos, podendo assim tanto obter conhecimento a partir daqueles que padece da doença [e seus amigos] como transmitir a estes as devidas impressões na medida do possível. Ademais, ele não prescreve nada ao paciente enquanto não conquistar o consentimento deste, para só quando consegui-lo então, mantendo a docilidade do paciente por meio da persuasão, realmente tentar completar a tarefa de devolver-lhe a saúde."

PLATÃO. As Leis incluindo Epinomis. Baurú, SP: EDIPRO, 1999, Livro IV, p. 195.

quarta-feira, 9 de maio de 2018

II SEMINÁRIO CAPIXABA DE FILOSOFIA

II Seminário Capixaba de Filosofia (SECAFI)


Nada podemos conhecer do verdadeiro ser”. Esse trágico mantra agnóstico da modernidade capitaneou, pela sua paradoxal dinâmica interna, o surgimento de infindáveis reducionismos totalitários, igualmente arbitrários: “Tudo o que existe são combinações caóticas da matéria”,“a lutas de classes”,“os desejos”,“a vontade de poder”, etc. Com essas premissas ganhando força na cultura, não há como negar que os genocídios e a destruição dos padrões éticos e estéticos que se seguiram nos últimos séculos foram suas consequências diretas. 
As grandes inteligências do século XX vislumbraram esse drama com clareza, e realizaram obras de imenso valor curativo, merecendo nota toda a Escola de Madri, Eric Voegelin, a Neoescolática, Herman Dooyweerd, Louis Lavelle e, atualmente, sem dúvidas, Olavo de Carvalho. 
Mas talvez nenhum país tenha tido oportunidade mais segura de superar aqueles grotescos erros do que o Brasil. Já na década de 50 do último século nosso grande filósofo Mário Ferreira dos Santos havia desenvolvido e publicado seus principais estudos, demonstrando a força e importância estruturante da metafísica para a resolução das confusões mentais que as ideologias dominantes criavam. 
Profundo conhecedor das diversas culturas, religiões e sociedades esotéricas, em especial de seu simbolismo, absorveu com maestria a tradição clássica da filosofia, de Pitágoras a Husserl, explorou de forma pioneira as riquezas da escolástica portuguesa e espanhola dos séculos XVI e XVII, desenvolvendo com isso instrumentos para ordenar perspectivas tão dispares quanto o marxismo e o anarquismo, a logística e a simbólica, Nietzsche e o Cristianismo, a metafísica e as ciências naturais, para citar apenas alguns temas dominados pelo filósofo.  
Portanto, não só com demonstrações rigorosas de teses o conhecimento da estrutura da realidade foi afirmado em livros essenciais como “Lógica e Dialética”, “Filosofia Concreta”, “Tratado de Simbólica” e “A Sabedoria das Leis Eternas”, mas sobretudo por meio da riquíssima capacidade integradora que a Mathesis Megisterevela a todo momento, permitindo analogar - isto é, reunir os opostos em torno de uma unidade superior - os diversos e espetaculares novos conhecimentos que a humanidade tem alcançado com a compreensão realista e milenar do verdadeiro lugar do Homem no Cosmos – a imagem e semelhança do Criador. 
Assim, o II SEMINÁRIO CAPIXABA DE FILOSOFIA, neste ano em que se completa cinco décadas do falecimento do Mário Ferreira dos Santos, foi organizado de forma a ressaltar algumas das principais perspectivas de sua imensa obra, com o firme intuito de não mais prolongar nossa demora, como pessoas e nação, em reconhecer e aprender com um dos grandes gênios da filosofia, que tudo fez apenas para nosso Bem maior. 

PROGRAMAÇÃO:
21 de julho de 2018
8:30h - Abertura 
I) 9:00h - LÓGICA E DIALÉTICA: matéria e forma na filosofia da natureza.
Raphael De Paola

II) 10:30h - FILOSOFIA CONCRETA DOS VALORES: réquiem ao relativismo. 
Hélio Angotti Neto

(intervalo das 12:00h às 13:15h)

III) 13:30h - TRATADO DE SIMBÓLICA: a força da analogia.
Francisco Escorsim

IV) 15:00h - A SABEDORIA DAS LEIS ETERNAS: ontologia do número.
Leonardo S. Penitente

17:00h  Encerramento

Local:América Centro Empresarial – Avenida Fernando Ferrari, 1.080, Vitória/ES, CEP 29.066-380

domingo, 6 de maio de 2018

DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO COM A VIDA

COMPROMISSO COM A VIDA HUMANA, EM TODAS AS SUAS FORMAS


A medicina possui uma longa e honrada tradição a favor da vida humana. Um compromisso afirmado em tempos pré-cristãos pelos médicos hipocráticos e judeus e ratificado, reforçado, atualizado e enquadrado pela ética cristã ao longo dos séculos em nossa civilização. Esse compromisso com a vida do ser humano é refletido por outras profissões em qualquer sociedade que contempla o ser humano, em todas as suas formas e dimensões, como uma pessoa digna de respeito e proteção.
Em nossos dias, assim como foi no passado, observamos ameaças erigidas contra a santidade e dignidade da vida humana e contra o compromisso do modelo hipocrático e cristão da medicina. Diante dessa realidade que aponta para a tentativa de mudança de paradigma, capaz de provocar a perigosa alteração dos valores básicos que estruturam toda nossa sociedade, nós, Médicos de Cristo (Brasil) e Associação Cristã Evangélica de Profissionais de Saúde (Portugal), nos sentimos obrigados a declarar abertamente nosso compromisso com o paciente, com a sua dignidade e com a sua vida.
Compreendemos que nós, profissionais de saúde cristãos, devemos:
- Atuar sempre em defesa da vida humana, desde a concepção até à morte natural, como fundamento para todos os demais direitos e valores da sociedade;
- Prestar cuidados de saúde integral com pureza, santidade, rigor ético, responsabilidade e amor sacrificial, conscientes de nossas fragilidades e limitações, e conscientes acima de tudo da Graça e da Misericórdia que alcançam a todos, profissionais da saúde e pacientes, cristãos e não-cristãos;
- Labutar para que as pessoas tenham acesso a cuidados de saúde globais que reconheçam a dimensão biológica, mental, social e espiritual do ser humano.
- Recusar qualquer atentado contra a Dignidade Humana, como a eutanásia, o abortamento voluntário, o suicídio assistido e o trato desumano com o paciente;
- Recusar participação em tortura ou pena de morte, compreendendo a missão sagrada a nós entregue: proteger a vida humana, reconhecendo a sua dignidade;
- Pesquisar somente em prol da sociedade, respeitando e priorizando o bem do paciente, recusando a participação em experimentos antiéticos, perigosos ou orientados para o dano ao ser humano;
- Visualizar em cada ser humano, embrião, feto, criança, adulto ou idoso, saudável ou doente, capaz ou deficiente, um ser imortal digno do melhor esforço técnico, econômico e científico, digno de todo respeito, de todo carinho e de todo o amor;
- Agir com integridade, compaixão, competência, responsabilidade e respeito em um contexto de Caridade, Fé e Esperança em prol do bem do paciente, sem abrir mão dos valores tradicionais dos nossos códigos de ética e deontologia que tanto bem promoveram e ainda promovem aos diversos povos;
- Ter Jesus Cristo como grande Modelo de vida, sabedoria e ação, e ver Cristo em cada um daqueles que busca o auxílio em seu momento de dor, tristeza ou doença, beneficiando a todos os seres humanos, de todas as classes sociais, de todas as religiões, de todos os povos e de todas as nações, assim como fizeram os nossos antepassados.

Hélio Angotti Neto – Médico especialista em Oftalmologia, doutor em Ciências Médicas, membro do Comitê de Países de Língua Portuguesa da International Christian Medical & Dental Association (ICMDA), membro do Grupo de Trabalho de Bioética dos Médicos de Cristo. Presidente do Capítulo de História da Medicina da Sociedade Brasileira de Clínica Médica. Reside em Colatina, Espírito Santo, Brasil.

Jorge Cruz - Médico especialista em Angiologia e Cirurgia Vascular, doutor em Bioética, membro do Comitê de Países de Língua Portuguesa da International Christian Medical & Dental Association (ICMDA), membro honorário da Associação Cristã Evangélica de Profissionais de Saúde (ACEPS-Portugal), membro do Conselho Internacional da PRIME - Partnerships in International Medical Education. Reside em Porto, Portugal.

Soraya Cassia Ferreira Dias - Médica especialista em Pediatria e Homeopatia, membro do Conselho Fiscal dos Médicos de Cristo e do Conselho Internacional do International Christian Medical & Dental Association, membro do Grupo Coordenador da Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS). Reside em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil



terça-feira, 1 de maio de 2018

Crítica e Autocrítica da Classe Médica

CRÍTICA E AUTOCRÍTICA DA CLASSE MÉDICA


Todos sabem que sou ferrenho crítico das tentativas de legalização do aborto no Brasil, assim como sou diretamente e explicitamente contrário à instrumentalização das tentativas de humanização em saúde pela ideologia política mais rasteira e oportunista.
Acredito que nosso dever é criticar, com certeza, e deixar nossa posição bem clara, cobrando uma posição adequada do próximo.
Critiquei e ainda critico abertamente a gestão anterior do Conselho Federal de Medicina pelo posicionamento tomado a favor da legalização do aborto até a décima segunda semana e a favor de estranhos dispositivos de eutanásia infantil ao estilo do Protocolo Groningen.[1]
Estamos agora cada vez mais pertos de uma audiência pública sobre a legalização do aborto proposta pelo PSOL e pela ANIS – Instituto de Bioética.[2]Ainda tenho a esperança, talvez ingênua, de que nosso Conselho mude a trajetória que nossa representação vinha demonstrando. Vamos aguardar os fatos para concluir melhor.
Como já afirmei em outros lugares, o Conselho Federal de Medicina representa a classe médica frente ao governo e é responsável pela fiscalização da profissão. Contudo, questiono quem eles representam de fato quando defendem o aborto – ou a escolha da mulher, de acordo com o viés ideológico e o jogo de palavras adotado. Não é o povo brasileiro, que em sua maioria é claramente pró-vida; ou pelo menos ainda é pró-vida enquanto os frutos da intensa engenharia social imposta por certas elites não venham à luz do dia. Também não é a classe médica como um todo que representam, pois a maioria dos médicos ainda é contra o aborto, assim como a maioria dos obstetras ainda realiza objeção de consciência.
Vou aguardar a audiência pública e torcer para estar errado. Torcer para que a nossa geração de médicos não seja justamente aquela que jogará a herança hipocrática e cristã que sustenta nossa civilização no lixo, e pague o preço por tamanha falta de responsabilidade.
Contudo, parto agora para um outro tema em paralelo.
Quando fiz críticas ao Conselho Federal de Medicina, muitos colegas também se enfureceram com a falta de posicionamento em favor da vida humana. Posicionamento este que deve ser embasado nas evidências que existem, sem conflitos de interesse das organizações abortistas, e em uma moralidade compatível com a tradição e o propósito de nossa profissão. Porém, outros levantaram pontos que julgo merecerem melhor análise.
Muitos outros colegas lançaram diversas acusações contra o gasto dos conselheiros em diárias, que é bem alto, de fato, e nunca foi escondido de ninguém. O que poucos param para refletir é que os conselheiros de regra são colegas já bem estabelecidos, que poderiam ganhar muito mais em suas práticas privadas e que abandonam consultórios e famílias para viajar Brasil afora debatendo temas éticos e promovendo educação continuada – eu mesmo já recebi um representante do Conselho Federal de Medicina no interior do Espírito Santo e participei de diversas atividades promovidas pelo meu conselho regional também no interior. Poucos param para refletir o desgaste sofrido por eles e o quanto abrem mão de ganhar com a medicina. 
Posso ser um crítico feroz de alguns posicionamentos, mas para ser justo, preciso reconhecer o sacrifício e a dedicação de nossos colegas que participam da atividade ética da carreira médica. 
Chego ao ponto específico dessa observação: a necessidade de quem critica em fazer algo além da mera crítica negativa e destrutiva, a necessidade de fugir dos velhos moldes da crítica social frankfurtiana (feita pela New Lefte pelos membros da antiga Escola de Frankfurt) que apela para o desmonte cultural sem ser propositiva de fato.[3]
Muitos reclamam sobre os posicionamentos passados do Conselho Federal de Medicina a favor do aborto e a atual indefinição da gestão presente. Mas o que fazem a respeito? 
Eu já dedico mais de quinze anos de minha vida ao estudo das questões éticas e da filosofia da medicina para tecer algo mais construtivo e mudar, nem que seja um pouco, a cultura ao meu redor. Já sei de dois colegas que se inscreveram para participar da Audiência Pública contra a proposta de legalizar o aborto até a 12ª semana, abrindo mão da convivência familiar e da renda de seus consultórios por alguns dias preciosos para ir a Brasília. Vocês ouvirão em breve o nome deles e das instituições que chancelaram sua participação. Sei também de diversos outros espalhados pelo Brasil que se aprofundam nos estudos humanísticos da medicina, pessoas bem-sucedidas e satisfeitas com sua carreira que se sentiram obrigados a aprofundar em conhecimentos mais amplos. Os nomes deles também surgirão com o devido tempo, é inevitável.
Muitos reclamam das atividades dos Conselhos, mas nunca participaram de uma destas atividades sequer! Fui convidado a participar como Delegado de meu Conselho Regional, um serviço voluntário, e lá vou eu ajudar no que for possível. 
Muitos reclamam da educação médica e de como o Conselho Federal de Medicina deveria se posicionar melhor. Só posso dizer que fui além. Estudei sobre Educação Médica, tornei-me professor e até fui convidado a ser Coordenador de Curso, e agora participo há dois anos como avaliador do Sistema de Avaliação das Escolas Médicas (SAEME), promovido e viabilizado pelo CFM e pela Associação Brasileira de Educação Médica.
Muitos reclamam das escolas médicas que abrem em cascata, uma após a outra. Julgam que não há critério no processo de abertura. Concordo com as críticas em grande parte. Mas fiz o que julguei ser o mais correto. Inscrevi-me como avaliador do Ministério da Educação e Cultura e fui aprovado como avaliador para abertura de novos cursos (deve sair em breve no Diário Oficial da União se tudo der certo). Estudei os critérios de avaliação de curso e vou fazer o melhor para ser justo em busca de real qualidade.
Muitos reclamam da ideologização das cadeiras médicas ligadas às ciências sociais. Concordo também com a crítica de aparelhamento ideológico completamente inadequado e até mesmo danoso para os propósitos da Medicina. Criei o Seminário de Filosofa Aplicada à Medicina, promovendo pesquisa e atividades de extensão junto aos alunos, oferecendo uma possibilidade diferente de visualizar a importância das Humanidades Médicas em sua vida profissional.
E você, colega médico, o que você faz?
Quantas horas de seu consultório e do convívio familiar você cedeu para dedicar-se de fato, de corpo e alma, ao trabalho de honrar sua profissão e melhorar o que você percebe que está errado? Qual o preço que você pagou e ainda paga?
Alguns podem dizer que não são professores, que nada podem fazer para mudar o panorama educacional. Mas poderiam muito bem receber alunos em suas práticas como estagiários voluntários e ensinar pelo exemplo, que pressuponho ser muito bom. Até hoje lembro-me com carinho dos mestres informais que tive, dos plantões que acompanhei fora da escola em busca de aumentar meu aprendizado.
Você reclama da educação médica, mas já participou de quantos eventos dedicados ao assunto? 
É preciso realmente sair da inércia, do pessimismo suicida que se tranca num pequeno paraíso de segurança provisória enquanto o mundo lá fora cai em chamas. Acredito que os médicos perceberam claramente que os bárbaros chegaram e que estão rompendo as muralhas, mas ainda não entenderam que não vai haver batalha se não houver quem lute. Ainda não entenderam que não se deve lutar para criticar ou atacar algo, tampouco alguém, mas para defender algo valioso que se encontra atrás de nós, protegido e sustentado por nossos ombros.
Discorda ou concorda? Independente da sua reposta, mãos à obra.


[3]Sobre a New Left, recomendo a obra: SCRUTON, Roger. Pensadores da Nova Esquerda. Coleção Abertura Cultural. São Paulo: É Realizações, 2014; SCRUTON, Roger. Fools, Frauds and Firebrands. Thinkers of the New Left. London: Bloomsbury, 2015.