sábado, 25 de maio de 2019

NOMINALISMO, LUGAR DE FALA E BURRICE ABORTISTA

O IRRACIONALISMO ABORTISTA

Escutei uma sentença no mínimo curiosa, se não irracional. Em um evento médico dedicado a discutir a legalização do abortamento voluntário, doravante chamado de aborto, um colega obstetra lançou uma censura nos seguintes termos: “Quem é você para opinar? Eu mexo com isso todos os dias! Eu sei o que acontece.”

Sim, sou um simples oftalmologista que estuda humanidades médicas, filosofia da medicina e bioética há meros dezessete anos. Relativamente pouco tempo, porém, muito mais do que a maioria costuma estudar, há de convir.

Essa censura despertou em mim a reflexão de como a modernidade se afundou na burrice irracionalista de um nominalismo inconsequente. Antes que o leitor julgue que isso não passou de um estranho rótulo para confundir sua mente, ousarei explicar.

Para certo nominalismo inconsequente, fruto de uma puerilização da filosofia moderna, não existe realidade inteligível e classificável por meio de propriedades universais apreensíveis objetivamente pelo ser humano. Isso quer dizer que tudo o que vemos não passa de mera projeção subjetiva de nossas mentes, que inventam conceitos e classificam experiências por mera conveniência. Experiências estas incapazes de serem classificadas como reais de forma racional.

Hoje, esse subjetivismo nominalista, exacerbado ao ponto de ameaçar nos trancar em uma solitária cela mental, ao lado de vulgares determinismos sociais, permitiu a pessoas despreparadas que desclassificassem qualquer esforço racional de universalidade do conhecimento.

Ao invés de aplicar a boa e velha lógica aristotélica, opta-se por relativizar tudo, em um ambiente no qual a única certeza absoluta é a certeza de que tudo é relativo, menos essa louca e insustentável certeza.

Se sou oftalmologista, como poderia opinar acerca de uma questão como a do aborto? Estou para sempre preso em minhas circunstâncias, incapaz de lançar meu intelecto e meu ser rumo à empática e racional experiência de generalização. 

Para saber sobre aborto, não basta conhecer as experiências de vida comunicadas oralmente ou de forma escrita e ter estudado uma década ou mais sobre o assunto. É preciso ser ginecologista e obstetra, compreende?

Mas vou brincar um pouco mais com esses ridículos pressupostos condicionantes da razão humana. Quem é o colega do sexo masculino para falar do aborto? Ele não pode parir! Esta é outra pseudoargumentação, utilizada por muitas abortistas e aborteiras contra médicos do sexo masculino que ousam dar opinião sobre aborto. E, logo, em cada comunicação, vem aquela manjada história de que esse ou aquele é ou não é o meu ou o seu lugar de fala... Que canseira.

Mas quem é a médica obstetra para opinar se nunca tiver abortado ou tido filhos? Esta seria a próxima pergunta.

Mas vamos supor que a médica tenha tido filhos e tenha abortado. Quem é ela para opinar acerca da situação que não é a dela? Não foi ela quem viveu o que sua paciente vive.

Aliás, quem é a mulher que quer abortar para ousar conversar com qualquer outro ser que não ela mesma? Como ela pode sequer se dirigir a uma médica ou médico, ou a qualquer pessoa, aliás, já que a experiência dela é uma coisa, e a do outro ser é outra?

Se vocês acompanharam esta breve sequência imaginária, já perceberam que qualquer tentativa nominalista de desclassificar ou desconstruir a racionalidade do discurso acabará num esforço insano e autocontraditório que deixará a humanidade em completo estado de incomunicabilidade. Seremos todos balbuciantes partículas irracionais imersos em uma grande e louca miragem.

E não vou nem falar dos oncologistas e sua pretensão de cuidar de pessoas com câncer ou dos paliativistas. Se começarmos a cobrar lugares de falacomo tem ocorrido em certas discussões, teremos uma séria ameaça de extinção de toda uma classe profissional.

Dizer que o irracionalismo subjetivista de um exagero inconsequente do nominalismo é inaceitável e contraditório não quer dizer que eu esteja abolindo a importância da experiência subjetiva ou das circunstâncias. Como disse Ortega y Gasset, nós somos produto de uma concreta mistura entre nosso ser e nossas circunstâncias.

Analisamos a realidade de dentro dela, o que em nada desqualifica o fato de que olhamos para a realidade com todas as certezas e enganos que ela nos oferece. Logo, se algum abortista vier com essa conversa mole de lugar de fala e outros estúpidos argumenta ad igorantiam argumenta ad hominem, cabe a resposta do famoso filósofo brasileiro Olavo de Carvalho: cala a boca, burro!



domingo, 19 de maio de 2019

REGRAS DA EXPRESSÃO - LAVELLE

REGRAS DA EXPRESSÃO – LOUIS LAVELLE


“Não se deve rejeitar nem desprezar a aparência, que é também a manifestação ou a expressão. Pois há solidariedade entre a aparência e o que ela mostra.

“Exige-se que a aparência seja fiel, o que já nos obriga a uma disciplina estrita; pois no esforço que fazemos para torná-la fiel está a própria ideia que buscamos circunscrever, ou seja, formar. E é admirável que aqui a palavra “definição” não pareça designar nada mais que a proposição pela qual eu formulo o sentido da ideia por meio de palavras, mas que é também o ato pelo qual tomo posse dele e o crio dentro de mim. 

“Uma ideia tem necessidade de se realizar no exterior para poder sê-lo no interior, porque do contrário ela vacila e se extingue. Ela precisa tomar forma para ser, e é esta forma que a faz ser. Há que dizer precisamente que ela é informe quando não consegue dar-se uma forma.

“Mas é preciso que essa fidelidade pela qual se busca obter a conformidade, ou seja, a identidade entre a ideia e a forma, ou seja, essa fidelidade pela qual se busca dar um corpo à ideia que também lhe dá a existência e a vida, é preciso que ela se transforme para nós em beleza. Pois a exigência da beleza na forma é o testemunho na própria ideia desse valor secreto que a torna digna ao mesmo tempo de ser pensada, querida e amada.”

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Orwell, em seu romance 1984, falava a respeito de só se poder realmente pensar sobre aquilo que se podia falar. Sua sociedade imaginária (muito semelhante a certas sociedades bem reais movidas por ideologias como o socialismo), controlava o pensamento de seus habitantes por meio do estrito controle da terminologia empregada e pela manipulação da história. Lavelle concordaria com George Orwell,, ao que tudo indica, pois reconhece que um pensamento sem forma permanece em grande parte como um potencial a ser despertado plenamente, como um prisioneiro no fundo da alegórica caverna de Platão, imerso em trevas olhando as sombras, embora apto a um dia sair ao ar livre e contemplar o sol.

E quem nunca passou pela sutil experiência de tentar explicar algo e terminar por saber ainda mais a respeito daquilo que explicou após terminar a exposição? Quem nunca aprendeu algo completamente novo ao enunciar em voz alta seus pensamentos a outrem? A forma expressiva, em harmonia com a ideia, forma um conjunto ainda mais rico na concretude de sua manifestação, embora abra mão do potencial prévio de expressão. Eis uma relação interessante entre a forma cristalizada e vazia e o conteúdo potencial informe e silencioso da ideia ainda não enunciada. Uma expressividade esteticamente bela e eficaz anuncia o conteúdo sem lhe tolher certo potencial de expansão e inovação.

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“Não devemos buscar tornar-nos semelhantes a um espelho que achata as coisas e termina por nos cegar. É aquele que traz no espírito os maiores pensamentos que percebe o real com mais esplendor e relevo.”