domingo, 6 de dezembro de 2020

Reflexão Pessoal de Natal - 2020

 REFLEXÃO DE NATAL – 2020

 


O ano de 2020 encerra com um cenário que eu jamais poderia imaginar. Em meio à crise mundial causada pelo novo coronavírus, estou justamente no Ministério da Saúde, dividindo o peso com uma grande equipe em busca de aliviar a dor e buscar soluções para todo o mal trazido pela doença. Nunca imaginei um desafio assim, mas agradeço antes de tudo a Deus por ter a chance de empenhar meus esforços para ajudar.

Contudo, a reflexão que agora gostaria de compartilhar não é sobre os grandes exemplos e tragédias dessa enorme crise, mas uma outra tragédia que acomete tantas famílias, muitas vezes em silêncio e muitas vezes ignorada. Tragédia que possui um profundo sentido existencial, que nos coloca em uma situação da qual não se escapa, tampouco se previne. A tragédia é um nome dramático para o que alguns chamam de destino, outros de providência, e Salomão tão bem explica como a vida debaixo do sol enquanto Jó lamenta e clama diante do próprio Deus seu sofrimento, sua tragédia pessoal.

Essa tragédia é o fato inescapável de que todos somos limitados, todos temos falhas e precisamos da compaixão alheia. E esse fato torna-se ainda mais agudo quando me deparo com a situação daqueles que possuem doenças raras ou doenças graves ainda sem tratamento, que lhes causam importantes deficiências e tornam impossível a completa adaptação em sociedade.

O lugar de trabalho no qual me encontro também trata justamente desse assunto: pessoas com doenças raras.

E falar de doenças raras é falar do sofrimento, da dependência, da esperança misturada ao desespero, da pressa e, acima de tudo, da compaixão e do amor. 

Há muitas formas de doenças raras, acometendo diferentes órgãos, diferentes funções, mas todas elas carregam uma lição de sóbria alegria e muita dor.

Há aqueles que nascem e, em meio ao choro de sua família, partem após poucos ou até mesmo nenhum suspiro. Há aqueles que vivem vidas longas, repletas de sacrifícios por sua parte e por parte de seus familiares. Cada pessoa com uma dessas condições, assim como cada pessoa existente, é única e é especial, com certeza, mas essas que possuem doenças raras ou deficiências muito graves por diversas vezes nos mostram uma experiência concentrada, que clama aos céus.

Em meio a todo o sofrimento e ao medo causado pela doença epidêmica que o mundo enfrenta em 2020, as tragédias pessoais por outras razões não pararam. Incontáveis histórias que somente a mente de Deus pode compreender, em suas mais plenas cargas existenciais, ocorrem todos os dias.

Não seria justo ignorar essas vidas, tampouco o seria ignorar outros fatos, além do sofrimento e das necessidades, que acompanham essas existências carregadas de tragédias e lições.

Uma dessas lições que presenciei foi como famílias encontram uma força que não é deste mundo para seguir em frente, para lutar, para sonhar e para cuidar. Presenciei situações de desespero que trazem à tona forças que mal sabíamos existir e que sustentam a caminhada mesmo nos mais difíceis momentos. Fé, carinho e sentimento de missão alimentados por um Amor que transcende tudo o que somos e sabemos.

Cada pessoa com uma doença rara ou com uma grave deficiência é uma oportunidade única de manifestar esse Amor, de caminhar com um propósito nobre, de superar suas próprias condições e viver o impossível, de abarcar no peito alegrias e tristezas quase infinitas que não caberiam de outra forma. “Nossos raros”, como são chamadas muitas vezes as pessoas com doenças graves e raras, tantas vezes crianças e bebês, simplesmente não cabem em nosso coração, mas podem evocar algo muito maior e melhor do que nós somos.

E cada um desses pequenos ou grandes que convive com uma grave doença abre nossos olhos para uma situação também trágica em nossas vidas: todos nós somos tão pequenos e tão indefesos diante do destino à frente, diante de nossas finitudes! Todos, em maior ou menor grau, dependemos tanto do próximo! Quem somos nós para julgarmos o valor da vida ou ousarmos afirmar que somos independentes? Nossas vidas são como um sopro, uma sombra que passa, nas palavras do salmista.

É no Natal que em especial nos lembramos da vinda e da vida do Único que não é imperfeito e que nada nos deve. Lembramo-nos com especial atenção d’Ele que em nada dependeu de nós, d’Ele que por nós se sacrificou por puro Amor, inesgotável, perfeito e divino. 

Todos nós carregamos nosso trágico destino à frente, repletos de falhas, imperfeições, deficiências. Em certa medida, todos possuímos uma doença grave que cedo ou tarde cobra o seu preço, seu sofrimento, sua dor. Contudo, temos quem cuide de nós pela eternidade. Alguém que se mostrou, que nasceu como nós nascemos e que optou por sacrificar-se por nós.

Neste Natal, lembro de que cada pessoa com uma grave doença, cada um com uma grande necessidade de suporte, também é uma oportunidade existencial única que graciosamente nos permite cuidar do próximo e exprimir um reflexo daquele Amor infinito que se derramou sobre todos nós, do qual somos todos devedores. Cada uma dessas vidas raras é uma oportunidade para compreendermos um pouco mais do mistério da vida e para amarmos o próximo como Cristo nos ama apesar de nossas fraquezas.

E que nós possamos nos lembrar com gratidão de que o bem feito a um desses “pequeninos” não será esquecido, pelo contrário, ecoará aos céus por toda a eternidade, pois neles também sofre e ama nosso Criador.

Um Feliz Natal e que Deus nos proteja e nos capacite a cuidar daqueles que mais precisam de nosso amor, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.

 

Hélio Angotti Neto, Brasília, 06 de dezembro de 2020.