Artigo publicado originalmente no Portal Academia Médica
Você já viu alguém corajoso? Aquele que diante de uma ameaça
à sua integridade física resiste ao impulso de simplesmente correr ou se
entregar? Cada dia fica mais raro, obviamente, mas não é no campo físico que
atua a fortitude ou resiliência, o equivalente moral da coragem.
No campo físico da coragem, o médico atua quando enfrenta
guerras e condições inóspitas para ajudar o próximo (médico sem fronteiras),
quando auxiliar pessoas com doenças infecciosas e mortais e quando opera
pacientes com doenças transmissíveis pelo sangue, colocando sua vida em risco
em prol do bem para o paciente.
Exemplos de coragem médica atravessam os séculos, com relatos
de médicos que enfrentaram a peste - mesmo sem saber como era transmitida -,
relatos de médicos que não fugiram de grandes tragédias e “ficaram para trás”
junto aos feridos e muitas outras situações heroicas. É claro que tal atitude
heroica não se pode cobrar de ninguém, embora se espere em certa medida daquele
que diz ser médico.
Já a fortitude é a capacidade de lidar com problemas e
desafios de ordem moral sem se abalar, sem ceder, sem perder a compostura. É resistir
à pressão do grupo, à pressão da sociedade ou à covardia moral para buscar
acima de tudo o que é certo para o paciente.
Mas assim como a coragem física, seu excesso pode significar
problema! No caso da coragem, seu excesso pode simplesmente traduzir-se em
ousadia irresponsável e estupidez, levando o indivíduo a enfrentar obstáculos
desnecessários e situações impossíveis, beirando a loucura. No caso da
fortitude, o médico precisa abalar-se pelo menos o pouco suficiente para criar
um vínculo empático eficaz com o seu ambiente, evitando ceder no terreno moral
mas compreendendo que não habita um mundo paradisíaco em meio a anjos e, sim,
um mundo repleto de problemas, conflitos, dúvidas, sofrimento e múltiplas
necessidades cobrando decisões difíceis.
“Médicos precisam da fortitude para fazer a coisa certa que é
esperada e exigida que ele faça, dada sua opção de vida.[1]” É
fazer o que deve ser feito mesmo que os outros estejam fazendo o errado. É
negar, numa linguagem teológica, a influência do “mundo”.
Outro sinal de fortitude – a coragem moral – é simplesmente
negar a forte tendência de mediocridade de nossos dias, de impessoalidade
crescente na prática médica.
Há uma grande pressão para orientar nossa profissão rumo a
protocolos, procedimentos quase que automáticos, cotas, limites de atendimento,
tratamento impessoal – muitas vezes disfarçado sob o nome de igualdade de
prestação de serviços, só que ao invés de prestar um serviço igualmente
valioso, presta-se um serviço igualmente medíocre – e aderência à moral
minimalista.
Lembro do fantástico título da obra de
Robert Musil: O Homem sem Qualidades[2]. O
médico sem fortitude é um médico sem qualidades. É um burocrata. Ele está seco
e morto, é um cadáver ambulante. Qualquer um lhe dirige, pois sua consciência
já não habita nele. Ele tombará para onde o vento soprar.