A Bioética surgiu lá pelos anos 70 quando ficou claro que a tradicional Ética Médica Ocidental derivada de Hipócrates, da Cristandade e de médicos mais modernos como William Osler, entre outros, não daria conta do recado. Isto é, a tradicional Ética Médica encontrava-se desarmada para lidar com situações postas pelo imenso avanço tecnológico e pelas mudanças culturais. Certo?
ERRADO!
Tom Koch expõe de maneira contundente a fragilidade do véu de silêncio imposto sobre a Ética Médica tradicional por aqueles que denigrem o legado hipocrático e tecem louvores à Bioética contemporânea. O "Mito de Fundação" da Bioética pressupõe como certos alguns elementos não comprovados.
Segundo Koch, as falhas éticas da história recente da medicina se deram justamente por falhas ao seguir a máxima hipocrática, isto é: beneficiar o paciente acima de tudo. Seu livro resgata a prioridade tradicional do médico como salvaguarda para a profissão. O médico não serve a Estados, o médico não serve a mercados, o médico não serve a ideologias... o médico serve ao paciente, em prol de seu bem, compreendido num contexto que pode apresentar variações culturais, mas que mantém um forte componente universalista, como já apontado pelo historiador da Ética Médica e da Bioética Albert Jonsen.
Tom Koch critica a elevação da autonomia ao patamar máximo da Bioética, e denuncia o que chama de "Bioética do bote salva-vidas". Tal Bioética é aquela na qual cabe ao médico seguir o apontamento de filósofos capazes de distribuir as benesses da sociedade de forma racional, ao invés de investir inutilmente na vida de pessoas pouco úteis à sociedade.
No livro, somos lembrados de que o compromisso do médico não é cortar gastos, economizar ou ser competitivo economicamente. O compromisso é fazer o bem. Somos lembrados também da realidade concreta das pessoas, repleta de fragilidades, limitações e deficiências que superam as abstrações lógicas. Um exemplo clássico de tais abstrações torna-se evidente ao observar artigos que negam o estatuto de pessoas a determinados seres humanos, negando também dignidade à vida humana como princípio.
O ataque ao paternalismo médico é criticado por Tom Koch, que enxerga no termo a encarnação de um grande espantalho, de um falso mito no qual médicos são opressores terríveis. Certo grau de assimetria é óbvio e necessário, pois o médico e o paciente existem justamente por serem diferentes e possuírem diferentes capacidades e papéis. A autonomia completa não passa enfim de uma figura de linguagem, longe de ser um conceito técnico válido e universal.
Tocar no nome de Hipócrates para fazer qualquer outra coisa que não seja criticar a Ética Médica Tradicional é algo complicado nos dias de hoje. Acusações de que tal ética seja moralmente insuportável estão nas bocas de muitos bioeticistas contemporâneos, legisladores do bem alheio e da vocação alheia. Estes são os ladrões da virtude, segundo Tom Koch.