terça-feira, 19 de julho de 2016
segunda-feira, 18 de julho de 2016
Tudo é bom motivo para matar um bebezinho...
Eugenia, Deficiência e Agenda Política Abortista Internacional
FELIPE DANA/ASSOCIATED PRESS
Na edição de maio de 2016 do American Journal of Bioethics, foi
publicado um artigo para somar-se à hoste dos artigos abortistas à cata de
justificativas para matar o próximo indefeso.[1]
Segundo o editorial, escrito a convite,
o Brasil sofre forte tendência para o recrudescimento da legislação contra a
legalização do aborto, justamente neste momento no qual o vírus Zika tem
causado graves problemas em neonatos. O artigo também recorda aos leitores que
o Brasil possui poucos recursos para auxiliar as famílias atingidas pelas mais
graves complicações do vírus, que têm que cuidar de bebês com microcefalia. Por
fim, avisam que leis contra o aborto podem reduzir a disponibilidade de tecido
fetal para realizar pesquisas científicas em busca de novos tratamentos.
Páginas de notícia no Brasil informam
que o número de casos de microcefalia confirmados ultrapassa mil e seiscentos
numa avaliação feita em julho de 2016.[2]
Os comentários numa página informativa são reveladores do nível moral de alguns
leitores pró-aborto:
“Deveriam ter sido abortados. É um
crime trazer para o mundo um ser que ficara preso a um corpo mal formado.
Insensatos, insensíveis, irresponsáveis e hipócritas.”
“Se os pais assim o quiserem, deveria
ser permitido.”
“Qual a expectativa de vida de um bebê
desses?”
“Nenhuma cara, o jeito é esperar ele
morrer mesmo infelizmente, microcefalia não há solução.”
“Corrigindo o bebe pode viver sim, mas
vai ter uma vida totalmente dependente de outra pessoa.”
“Espero do fundo do meu coração que
esse número venha triplicar e os brasileiros parem de fazer filhos kk.”
Há todo um questionamento em relação à
mentalidade utilitarista e hedonista que motiva a indisposição de cuidar de
crianças imperfeitas ou, como diriam os nazistas, de “comedores inúteis”. Essa
mentalidade que destina parcelas inadequadas da população ao extermínio por
sucção e desmembramento ou, em outras épocas, por câmaras de gás, fornos
crematórios e fuzilamento, sempre esteve presente em nossa história,
representando a antítese de nossos valores fundacionais ligados à religião
cristã e à percepção da Dignidade Humana. Remeto o leitor à obra de Benjamin
Wiker para mais informações sobre esse duelo de cosmovisões que já dura mais de
dois mil anos.[3]
Contudo, gostaria de chamar atenção
sobre outros aspectos.
Primeiro: seria terrivelmente impreciso
afirmar que há um recrudescimento das leis anti-abortistas no Brasil. Nosso
país sempre foi maciçamente contrário à legalização do aborto voluntário e,
recentemente, seguindo a agenda internacional de controle de natalidade e
morticínio de fetos, criou dispositivos facilitadores para o abortamento
indiscriminado, como aquele chamado de “Atenção Humanizada ao Aborto”.[4]
O que há, realmente, é a maior consciência das constantes e insistentes
tentativas de engenharia social da agenda cultural de esquerda no país e uma
resposta de segmentos religiosos e de grupos que apoiam a vida do bebê e os
valores mais prezados pela população comum.
O que há no Brasil é o aumento da
crítica feita às violentas iniciativas abortistas, que sempre se caracterizaram
por muita maquiagem politicamente correta e por termos eufemísticos como
“pró-escolha”, “direito de decidir” e “direitos reprodutivos”, criados há
décadas por abortistas que lucravam pesado com a morte alheia. Não sou eu que
afirmo isto, é o próprio rei do aborto, Bernard Nathanson, criador de muitos
desses termos especialmente desenvolvidos para comover e confundir a população
desprevenida contra manipulação psicológica e auxiliar na aprovação de leis
abortistas. Nathanson, posteriormente, se arrependeu de seus crimes e passou a
defender a vida dos fetos e bebês.[5]
Segundo: há muitos recursos no Brasil!
Somos um dos países mais ricos do mundo - e com maior carga tributária. O
problema é a altíssima carga parasitária de nossa elite política corrompida até
à medula. O dinheiro público simplesmente “desaparece” nos bolsos de nossa
elite de esquerda aliada aos megaempresários que topam entrar na dança da
malandragem institucionalizada. Porém, considerando o mercado milionário do
aborto e o rótulo progressista que o acompanha, os olhos da
(des)”Intelligentsia”[6]
tupiniquim brilham.
E terceiro: praticar um ato moralmente
errado, ou até mesmo questionável, justificado por um bem potencial, como os
possíveis avanços em tratamentos com o uso de pedaços de bebês abortados para
pesquisa, não é eticamente aceitável fora de um parâmetro maquiavélico e
diabólico no qual o mais forte decide usar o mais frágil por meio do extermínio.
Muitos apelam aos possíveis
tratamentos; contudo, não lembram de que há outras possíveis ferramentas para o
desenvolvimento de novos tratamentos, como a pesquisa de células-tronco de
adultos. Poucos lembram também de que ainda há muita expectativa e poucos
resultados concretos, ou sequer cogitam as complicações do uso de
células-tronco fetais, como o desenvolvimento de câncer no receptor. E isso sem
falar no assustador mercado clandestino de pedaços de bebês e fetos, praticado
pela megaempresa abortista Planned
Parenthood.[7]
O artigo publicado no famoso periódico
de bioética afirma que até o Papa concordou em fazer anticoncepção em situações
como a do vírus Zika se espalhando. Dizem que evitar gravidez não é mal
absoluto. Isto não passa de um truque de palavras. É uma mutatio controversiae, uma mudança de assunto.[8]
O artigo defende o aborto, não a anticoncepção. E a permissão de uma coisa
(contracepção) é bem diferente da outra (aborto).
E, por fim, o artigo conclui fazendo um
apelo para que homens e mulheres busquem respostas na opinião de pesquisadores
biomédicos sem a interferência de uma “agenda política”.
Advogam a disponibilização do
abortamento. Negar o direito à matança de uma prole deficiente seria, conforme
os autores, ação moralmente inaceitável. Nisto, repetem o discurso orwelliano
da Organização das Nações Unidas, onde matar fetos e bebês tornou-se um
“direito humano”.[9]
Dentro da perspectiva hedonista e
naturalista, considerar inaceitável que pais cuidem de crianças deficientes é
uma atitude compreensível, assim como é completamente compreensível, na perspectiva
caridosa e transcendental – que, aliás, fundou nossa civilização -, que pais
cuidem de suas crianças em qualquer situação considerando-as dádivas de Deus
(ou do destino, para quem não acredita em Deus), mesmo quando imperfeitas em
diferentes graus do nosso, visto que todos nós temos imperfeições. É claro que
ambas são compreensíveis, mas a primeira opção é moralmente muito inferior e
relaciona-se aos hedonistas mais medíocres e menos caridosos.
Quanto ao manjado e boboca discurso da
agenda política que move um discurso, não é nenhuma novidade. Esse artigo do American Journal of Bioethics repete um
padrão já cansativo: pessoas com agendas progressistas escandalosamente
politizadas projetam naqueles que discordam de suas “iluminadas” opiniões os
desejos políticos inconfessáveis de uma imaginada agenda obscurantista. Assim também foi feito por Alta Charo em um
artigo publicado no famoso periódico New
England Journal of Medicine, que cada vez mais parece um panfleto político,
embora publique conteúdo científico de valor quando não se pronuncia sobre
questões humanísticas.[10]
Nossos bioprogressistas, enterrados até
ao pescoço em suas próprias agendas políticas, acusam a todos de falta de
objetividade científica do alto de suas perspectivas intensamente subjetivas e
desprovidas do mínimo de empatia necessário para mover um debate de qualidade.
Convido o leitor a visitar a página da National Advocates for Pregnant Women,
organização política proponente do aborto na qual milita Mary Faith Marshall,
uma das autoras do artigo que critico.[11]
Lá qualquer um poderá conferir o grau de imparcialidade da autora que acusa
outros de moverem “agendas”.
Diante do exemplo de tantas famílias
brasileiras que, movidas pelo mais sincero sentimento de amor ao próximo,
recusam-se a matar sua prole e cuidam de seus bebês por dias, semanas ou até
mesmo anos, haja o que houver, mesmo na pobreza e na ausência de auxílio
adequado do governo – sempre disposto a ajudar criminosos e sempre ignorando
inocentes -, só podemos nos sentir humildes e admirados, e oferecer nossa
compreensão e incondicional ajuda para que vivam e cumpram suas melhores virtudes.
E, no fim, devemos responder qual tipo
de civilização desejamos legar aos nossos filhos e netos. Será uma civilização
que eliminará seus fracos e exaltará seus fortes? Ou será uma civilização que
exaltará suas virtudes e sua fortaleza ao cuidar dos mais fracos?
Prof. Dr. Hélio Angotti Neto
é Coordenador do Curso de Medicina do UNESC, Diretor da Mirabilia Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas),
Membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, Visiting Scholar da Global
Bioethics Education Initiative do Center for Bioethics and Human Dignity,
Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC e criador do Seminário de
Filosofia Aplicada à Medicina (SEFAM).
[1] HARRIS, Lisa H; SILVERMAN, Neil S; MARSHALL, Mary
Faith. ‘The Paradigm of the Paradox: Women, Pregnant Women, and the Unequal
Burdens of the Zika Virus Pandemic’. In: American
Journal of Bioethics, Vol 16(5), 2016, p.1-4.
[2] GLOBO.COM Bem Estar. Brasil tem 1.687 casos confirmados de
microcefalia, diz ministério. 13 de
julho de 2016. Internet, http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2016/07/brasil-tem-1687-casos-confirmados-de-microcefalia-diz-ministerio.html
[3]
WIKER, Benjamin. Hedonismo Moral:
Como nos tornamos hedonistas. São Paulo: Paulus, 2011.
[4]
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Norma Técnica:
Atenção Humanizada ao Abortamento. Série Direitos Sexuais e Direitos
Reprodutivos vol 4. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2005. Internet, http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada.pdf
[5] NATHANSON, Bernard N. The Hand of God: A Journey from Death to
Life by the Abortion Doctor Who Changed His Mind. Washington, DC: Regnery
Publishing, Inc., 1996; NATHANSON, Bernard N. Aborting America: A Doctor’s
Personal Report on the Agonizing Issue of Abortion. Fort
Collins, CO: Life Cycle Books, 1979.
[6]
Do russo интеллигенция, refere-se a um grupo remunerado de pessoas envolvidas
em trabalho intelectual complexo e criativo direcionado ao desenvolvimento e à disseminação
de uma cultura específica, isto é, à engenharia social por meio da cultura.
[7] The Center for Medical Progress. PLANNED PARENTHOOD
STILL #GUILTY OF SELLING BABY PARTS FOR PROFIT ONE YEAR AFTER VIDEOS
#PPSELLSBABYPARTS. Internet,
http://www.centerformedicalprogress.org/2016/07/planned-parenthood-still-guilty-of-selling-baby-parts-for-profit-one-year-after-videos-ppsellsbabyparts/
[8]
SCHOPENHAUER, Arthur. Como Vencer um
Debate Sem Precisar Ter Razão. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003.
[9]
LA GACETA. La ONU califica el aborto de
derecho humano. Internet, http://gaceta.es/noticias/onu-reconoce-aborto-derecho-humano-12022016-1436
[10] CHARO, Alta. Fetal Tissue Fallout. New England Journal of Medicine,
373(10), September 3, 2015, p. 890-891. Remeto o
leitor à crítica feita por mim no texto: Espantalhos, Nazistas e Coerência
Ética. Internet, http://medicinaefilosofia.blogspot.com.br/2015/09/espantalhos-nazistas-e-coerenciaetica.html
sábado, 2 de julho de 2016
LIBERDADE E CONSCIÊNCIA MÉDICA
LIBERDADE
E CONSCIÊNCIA MÉDICA
Artigo
a ser publicado no livro “Saúde e Liberdade”*
Liberdade de consciência é um dos
componentes da integridade pessoal. E sem integridade, o que nos resta é o
caráter fragmentado, a personalidade fraca e maleável à manipulação e aos mais
diversos vícios.
Na Medicina, cabe ao profissional -
isto é, àquele que professa um corpo de valores fundamentais - ter a força de
caráter suficiente para lutar pela integridade de sua profissão e de sua
pessoa.
Medicina aqui se entende por profissão
beneficente que segue o modelo hipocrático cristão de cosmovisão. Tal definição
não restringe de forma alguma a medicina a médicos e pacientes cristãos. Porém,
restringe a forma pela qual exercemos nossa profissão. E todas as vezes que nos
afastamos desse modelo que vigora há mais de dois mil anos, a tragédia se
abateu sobre vidas inocentes.
Muitos imaginam que o médico não
deveria prezar por sua integridade, sendo somente um instrumento a servir ao
paciente em seus mais diversos desejos. Porém, sobram muitas perguntas: qual
paciente? Quais desejos? Quais formas e sob quais parâmetros? A medicina pode
ser amoral, isto é, neutra?
Em nossa história já conhecemos o
exemplo da medicina comunista, honrando princípios seculares revolucionários
acima da vida humana, servindo ao Estado antes de servir ao indivíduo, como se
observa no próprio juramento dos antigos médicos soviéticos.[1]
O resultado desse desvio ideológico foi o uso da psiquiatria para manipulação
ideológica e opressão totalitária de toda a população.[2]
A percepção do médico como agente do
Estado só poderia terminar em desconfiança e medo, como descrito no caso da
Romênia em tempos mais sombrios, onde o paciente acossado pela doença e diante
de um médico burocrata a serviço do Estado, tantas vezes sentia-se obrigado a
recorrer ao suborno.[3]
O exemplo da medicina nazista também
não nos é estranho. Médicos movidos pelo avanço da ciência aliado ao racismo de
moral darwinista[4]
usaram milhões de judeus, ciganos, prisioneiros de guerra, deficientes mentais
e pessoas com diversas características socialmente indesejáveis como cobaias
para os mais cruéis experimentos.
O ser humano poderia ser dividido em
categorias e ser tratado como mera mercadoria; sua pele serviria de material
para belíssimos abajures, sua gordura proveria sabão e o cabelo seria estofo
para colchão.[5]
O processo pelo qual tanto horror
aconteceu é relativamente claro para aqueles que desejam abrir os olhos. Uma
elite iluminada decide mudar a moralidade médica, reformar a sociedade em prol
de sua visão avançada do que é o certo a ser feito, muito melhor do que a velha
forma de ver o mundo. Moralidade hipocrática e cristã seria coisa do passado
ou, como diria Nietzsche, de escravos. Mas o famoso filósofo niilista sabia
muito bem no que se transformaria a humanidade ao nos “libertarmos” das amarras
da moralidade chamada de tradicional. E sua profecia se cumpriu.
Seguindo essa elite esclarecida que se
julgava capaz dos mais revolucionários atos de engenharia social e mudança
moral, toda uma hoste de médicos praticou os mais horrendos e desumanos atos
imagináveis com a excelente desculpa de que só cumpriam ordens, como se ouviu
no Julgamento de Nuremberg.[6]
Conclui-se que há modelos de prática
médica que não devem ser seguidos de forma alguma.
Mas poderia o médico alegar liberdade
plena e declarar que não seguiria nenhum modelo? Tal pretensão em si seria um
novo modelo de conduta. A idéia contida na palavra liberdade é de contingência,
isto é, requer uma delimitação: liberdade de que ou de quem em relação ao quê?
Quando se fala liberdade de consciência,
fala-se exatamente o quê?
Minha posição claramente é a de que o
médico deve ter a liberdade de consciência para seguir a moralidade hipocrática
e cristã sem ser forçado por ideologias ou Estados a executar atos contra suas
mais fundamentais crenças.
Mas estaria tal liberdade ameaçada?
Esse é o grande tema perante o qual nos
deparamos.
A medicina utilitarista conseguiu
gigantescas vitórias: liberou o abortamento voluntário, a pesquisa de embriões
humanos, a eutanásia e o suicídio assistido. Todas essas mudanças se
fundamentaram nos pressupostos de que:
1 – Não há nada de especial em ser
humano e estar vivo;
2 – Há vidas humanas que valem mais do
que outras;
3 – O médico pode matar ao invés de
somente buscar a manutenção adequada da vida;
4 – A vida só tem valor se oferecer
prazer físico.
São mutações civilizacionais gigantescas
que, no Brasil, são empurradas goela abaixo dia após dia por milhões e milhões
de dólares aliados à militância de centenas de organizações não governamentais
e à constante pressão da Organização Mundial da Saúde e sua agenda de controle
populacional.
Mas o próximo passo dessa revolução
moral justificada pelo avanço da ciência é o próprio espírito da classe médica.
Em nossas consciências é que se dará a próxima grande batalha.
Bioeticistas de renome mundial,
editores de grandes periódicos científicos, declaram abertamente que médicos
devem servir ao Estado sem o direito de apelarem às suas consciências. Julgam
como errada a posição de negar auxílio, por exemplo, a pacientes suicidas.
Afirmam que:
“Doutores são, primeiramente e acima de tudo, provedores de
serviços de saúde. A sociedade tem todo o direito de determinar que tipos de
serviços eles (os médicos) devem oferecer.” [7]
A ordem de execução dessas grandes
mutações civilizacionais realmente segue um padrão que deve ser compreendido.
Da elite, em cima, para o povo, abaixo,
há um constante emprego de diversas formas de propaganda e manipulação. A
autoridade acadêmica de professores universitários tem papel relevante no
processo[8],
formando o que Antônio Gramsci chamaria de Intelectualidade Orgânica.[9]
No começo, a opinião dessa elite
iluminada é claramente contrária à da população, cujos valores e virtudes são
denominados “preconceitos familiares” e são inexoravelmente ridicularizados e
combatidos.[10]
Exemplo claro é o Brasil, onde a
população é claramente contra o aborto e possui tendências conservadoras[11]
em diversos assuntos, mas é empurrada sem descanso à mutação de sua moralidade.
Cabe então perguntar que sociedade é
essa a quem os médicos devem obedecer. Será a sociedade composta pelo povo
brasileiro, ainda conservador? Será a sociedade que prescreve a moralidade
cristã tradicional, capaz de beneficiar teístas, ateus e agnósticos mundo
afora? Será a sociedade de moralidade secular adaptada e derivada de tais
elementos religiosos do passado? Ou será a sociedade dos revolucionários
líderes que se acham no direito de manipular o espírito alheio ao evocar
autoridade quase que divina para si mesmos?
E a sociedade nazista? Tiveram eles
todo o direito de determinar o que os médicos deveriam fazer? Estavam os
médicos justificados ao dizerem que somente seguiam ordens? Essa neutralidade
moral justifica as vivissecções, a inoculação de micro-organismos letais, o
afogamento e congelamento experimental, toda a miséria, fome e genocídio dos
campos de concentração nazistas e do Gulag soviético?
De acordo com os novos Césares,
legisladores seculares da moralidade humana, “Se você é um médico ginecologista e não quer fazer abortamentos, é como
um policial que não usa armas, e deve parar de exercer sua profissão”.[12]
Também afirmam que “Num serviço público, de acordo com a norma técnica, o
médico responsável é obrigado a fornecer o abortamento.”[13]
A
justificativa é que a saúde é um bem geral - ou social, como gostam de chamar –
e que só se faz medicina por concessão do Estado. Nessa logica há uma premissa
que necessariamente não é verdadeira!
O fato de se
trabalhar por meio de concessão estatal e de se prestar um serviço à comunidade
em caráter público ou privado, não nos leva a concluir imediatamente que os
valores implicados em tal trabalho devam ser os mesmos da elite governante ou
até mesmo os da população. Há uma perigosa submissão do espírito humano aos
elementos políticos do momento, o que pode ser a porta de entrada de muitos
horrores e sofrimento.[14]
Com muita ironia, aconselho o Estado a
treinar sua própria versão do que seria um prestador de cuidados de saúde, só
não cabendo chamá-lo de médico. O Estado ou a elite iluminada, que está certa
de como deve ser o futuro, que crie seus carrascos e executores e deixe a
medicina em paz.
A Medicina carrega um significado muito
específico e nobre, incluindo a percepção de que toda a vida humana é sagrada e
digna, a devoção ao serviço do próximo de forma concreta e individualizada em
um contexto amplo e a busca constante pela excelência técnica e científica
dentro desses parâmetros morais. Qualquer outra coisa não merece ser chamada de
medicina.
Remover a liberdade do profissional
médico em professar fidelidade ao projeto hipocrático e cristão da medicina é
destruir a profissão e a integridade do ser humano devotado à cura do próximo.
Ademais, sem a integridade moral necessária, tudo o que nos restará é a
instrumentalização do ser humano, direcionada pelo mais raso voluntarismo
subjetivista, uma das mais perigosas combinações de toda nossa história.
Prof. Dr. Hélio Angotti Neto
é Coordenador do Curso de Medicina do UNESC, Diretor da Mirabilia Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas),
Membro da Comissão de Ensino Médico do CRM-ES, Visiting Scholar da Global
Bioethics Education Initiative do Center for Bioethics and Human Dignity,
Membro do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC e criador do Seminário de Filosofia
Aplicada à Medicina (SEFAM).
Mirabilia Medicinæ: http://www.revistamirabilia.com/medicinae
*Agradeço
às observações do colega Arthur Jorge de Vasconcelos Ribeiro, revisor e editor.
A oportunidade de ser criticado de forma inteligente e cordial é uma excelente oportunidade
para melhorar. Este artigo será publicado impresso no livro “Saúde e
Liberdade”.
[1] Association of American
Physicians and Surgeons. Comparison between
Oath of Hippocrates and Other Oaths. Internet,
http://www.aapsonline.org/ethics/oathcomp.htm
[2] VAN NOREN, Robert. Ending
political abuse of psychiatry: where we are at and what needs to be done. BJPsych Bulletin (2016), 40, 30-33,
doi: 10.1192/pb.bp.114.049494
[3] MANEA, Teodora. ‘Medical Bribery
and the Ethics of Trust: The Romanian Case’. Journal of Medicine and Philosophy, vol. 40, 2015, p. 26-43.
[4]
Charles Darwin ofereceu a fundamentação para muitos dos crimes que se
seguiriam, mesmo que não os prescrevesse pessoalmente, como pode ser observado
nos seguintes trechos: “Em algum período futuro, não muito distante se medido
em séculos, as raças civilizadas do homem vão certamente exterminar e
substituir as raças selvagens em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os macacos
antropomorfos... serão, sem dúvida, exterminados. A distância entre o homem e
seus parceiros inferiores será maior, pois mediará entre o homem num estado
ainda mais civilizado, esperamos, do que o caucasiano, e algum macaco tão baixo
quanto o babuíno, em vez de, como agora, entre o negro ou o australiano e o
gorila”; “Olhando o mundo numa data não muito distante, que incontável número
de raças inferiores terá sido eliminado pelas raças civilizadas mais altas!”; “Entre
os selvagens, os fracos de corpo ou mente são logo eliminados; e os sobreviventes
geralmente exibem um vigoroso estado de saúde. Nós, civilizados, por nosso
lado, fazemos o melhor que podemos para deter o processo de eliminação:
construímos asilos para os imbecis, os aleijados e os doentes; instituímos leis
para proteger os pobres; e nossos médicos empenham o máximo da sua habilidade
para salvar a vida de cada um até o último momento... Assim os membros fracos
da sociedade civilizada propagam a sua espécie. Ninguém que tenha observado a
criação de animais domésticos porá em dúvida que isso deve ser altamente
prejudicial à raça humana. É surpreendente ver o quão rapidamente a falta de
cuidados, ou os cuidados erroneamente conduzidos, levam à degenerescência de
uma raça doméstica; mas, exceto no caso do próprio ser humano, ninguém jamais
foi ignorante ao ponto de permitir que seus piores animais se reproduzissem.” Cf.
WIKER, Benjamim. Darwinismo Moral:
Como nos tornamos hedonistas. São Paulo: Editora Paulus, 2011, 456p; CARVALHO,
Olavo de. Por que não sou fã de Charles Darwin. Diário do Comércio, 20 de fevereiro de 2009, Internet, http://olavodecarvalho.org/semana/090220dc.html
. É claro que o funcionamento de um mecanismo evolutivo não leva
necessariamente às conclusões genocidas, mas mostra-se coerente com sua
implantação.
[5] CAPLAN, Arthur L. When Medicine Went Mad: Bioethics and
the Holocaust. Totowa, New Jersey: Humana Press, 1992, 359p.
[6]
ARENDT, Hanna. Eichmann em Jerusalém:
Um Relato Sobre a Banalidade do Mal. São Paulo: Companha das Letras, 1999.
[7] SCHUKLENK, Udo. Editorial:
CONSCIENTIOUS OBJECTION IN MEDICINE: PRIVATE IDEOLOGICAL CONVICTIONS MUST NOT
SUPERCEDE PUBLIC SERVICE OBLIGATIONS. Bioethics, Volume 29, Number 5, 2015, p. ii–iii.
[9]
CARVALHO, Olavo de. A Nova Era e a
Revolução Cultural: Fritjof Capra e Antônio Gramsci. Campinas: Vide
Editorial, 2014.
[10]
BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo,
ou o ministério da reforma psicológica. Campinas: Vide Editorial, 2013.
[11]
AZEVEDO, Reinaldo. ‘Pesquisa Datafolha evidencia outra vez: o brasileiro é
conservador. Ou: Eleitores em busca de um partido’. In: Blog do jornalista
Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura. Internet, http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/pesquisa-datafolha-evidencia-outra-vez-o-brasileiro-e-conservador-ou-eleitores-em-busca-de-um-partido/
[12] VATTIMO G. Nihilism and Emancipation. New York: Columbia University Press,
2004.
[13] SAVULESCU J. ‘Conscientious Objection
in Medicine’. Brittish Medical Journal,
vol.332, 2006; p.294-297.
[14]
Há situações específicas que necessitam de análise cuidadosa, como a
possibilidade de um médico contratado após a instituição da não penalização de
abortamento em decorrência de estupro, por exemplo, negar-se a fazer o
procedimento alegando objeção de consciência. O médico entrou em seu cargo já
sob uma nova lei que o obrigaria a fazer um determinado ato, mesmo contra sua
consciência. O mais coerente seria não colocar-se em tal situação de conflito
moral. Mas o que muitos bioeticistas defendem é uma mutação moral ampla e
irrestrita, com base no fato de a permissão para exercer a medicina ser uma
concessão estatal em última instância.
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