quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Utopia Médica e Negação da Morte - Raízes Culturais do Transumanismo

Apresentação de Tema Livre no II Seminário de Humanidades Médicas do UNESC e II Seminário Capixaba de Humanidades Médicas, realizado em Colatina, ES, no CAMPUS I do Centro Universitário do Espírito Santo, dia 24 de outubro de 2014.



segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

FILOSOFIA, CULTURA E BIOÉTICA


Todo esforço em Ética Médica e Bioética é, antes de tudo, um esforço em Filosofia Moral. É a busca pela compreensão do rico fenômeno que chamamos de moral, aspecto inegável da realidade humana.


Lembro de uma palestra proferida pelo médico e filósofo bioeticista Diego Gracia durante o Congresso Brasileiro de Bioética em 2013. Segundo o discípulo de Xavier Zubiri, o melhor escrito sobre ética era a obra de Aristóteles: Ética a Nicômaco. Alguns da platéia rudemente riram baixinho, outros comentaram de forma depreciativa daquele jeito brasileiro que traduz claramente a sequência: não li, não gostei, não quero ler e ignoro quem lê, é coisa retrógrada...

Sintoma da barbárie brasileira, sem dúvida. 

Como pensar e debater Bioética e Ética Médica sem os Diálogos Platônicos? Sem o questionamento da virtude e de como ensiná-la mostrado em Protágoras e Mênom? Sem o vislumbre do íntimo do ser humano e de seus questionamentos mais sublimes lidos no Fédon? Como pensar a Justiça sem ter lido o Górgias ou a República de Platão e seu contraponto aristotélico: A Política? Como não repetir o exemplo de Allasdair McIntyre (After Virtue) na sua busca pela ética das virtudes e retornar a Aristóteles e seu já citado Ética a Nicômaco?

Como evitar os estoicos, o Cristianismo e toda a progressão do pensamento humano em suas formulações mais sutis e sublimes, capazes de tocar a experiência humana em seus momentos mais impactantes: a vida, a morte, a saúde e a doença? Como evitar os escritos morais médicos ao longo de mais de dois mil anos e suas preciosas lições?

Como negar o papel inspirador da boa literatura e de obras que auxiliam o médico e o paciente a compreender o drama da existência humana? Como negar a riqueza de vida presente em A Montanha Mágica, A Mulher que Fugiu de Sodoma, A Morte de Ivan Illitch, A Queda, Sinto Muito, Admirável Mundo Novo e tantas outras obras?

Sim, o esforço da Filosofia Moral inclui a Alta Cultura. Diria até que são indissociáveis, e que a tentativa de pensar a ética sem o aporte cultural de qualidade legado por milênios de questionamentos e reflexões só poderá terminar na brutalidade sem sentido.


segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

VIRTUDES MÉDICAS: JUSTIÇA SEJA FEITA! PORÉM SEMPRE COM AMOR...

Publicado originalmente no Portal Academia Médica: http://academiamedica.com.br/justica-como-virtude-medico/



A virtude da Justiça busca dar a cada um o que lhe é devido. Não é muito necessário enfatizar como hoje a discussão do que é o justo a fazer se alastra pela sociedade causando debates intensos e agressivos como um incêndio subindo o morro sob forte ventania.

Fala-se do bem comum, do bem para o indivíduo e do bem para a profissão médica. Mediando essas tensões como horizonte orientador está a Justiça, mesmo que fragmentada e quase eclipsada pelo relativismo nosso de cada dia.

Na civilização cristã, um precioso adendo foi ressaltado no contexto da busca pela Justiça: a Caridade. Em si, a Caridade é uma virtude cristã aliada à compaixão e, ocasionalmente, ao perdão. Na profissão médica também funciona como a moduladora da Justiça: não cabe ao médico julgar seu paciente quanto ao merecimento de algum bem, parte-se do princípio que o médico faz o bem de forma indiscriminada a todos os que o procuram[1].

Manteve-se uma prática de caridade na profissão médica ao longo dos séculos e, inclusive, de crítica à falta de caridade por parte de médicos que traíram seus juramentos e compromissos. Espera-se do médico uma prática concreta de Justiça temperada pelo amor que a transmuta e faz com que seja transcendido o mero sentimento legalista[2].

É muito triste e decadente observar a profissão médica entrar na fase de degeneração conhecida como fase burocrática de uma profissão[3], na qual o médico cumpre apenas uma obrigação contratual, um papel social, um protocolo ou uma peça na engrenagem impessoal que lida com o ser humano de forma mecânica e fria[4].

Frente à sociedade, a virtude da Justiça leva o médico a pensar no próximo e em seu dever como membro de uma sociedade e da comunidade moral terapêutica.

É a Justiça, inegavelmente ligada ao princípio de não-maleficência, que permite ao médico quebrar o sigilo profissional se estiver diante de um caso no qual a vida de um terceiro está sob risco, como no caso de um indivíduo HIV positivo que se nega a informar e proteger o(a) cônjuge. Há uma certa “intromissão” do bem coletivo dentro da prática do bem individual, atestando que as divisões entre as duas modalidades são, por fim, abstrações. Úteis mas, ainda, abstrações.

É a Justiça que nos coloca diante de problemas que chocam nossa prática ou os anseios da sociedade com os valores que sustentam toda a profissão ou com as exigências de autoridades seculares que nos sãos superioras hierarquicamente; como é o caso da legalização do abortamento voluntário.

É o sentimento de Justiça que permite ao médico alegar objeção de consciência, acusado pela Justiça que transcende o aspecto legalista de regras mortas no papel, tantas vezes incapazes de traduzir a riqueza de experiências e dilemas que é a vida humana, inspiradora de tantas poesias e tragédias.

É a Justiça aliada à Prudência que equilibrará na melhor forma possível o infindável conflito entre o bem para o indivíduo e o bem para a sociedade. E o médico só poderá utilizar essas duas virtudes, e todas as outras por fim, se entregar-se realmente à sua vocação de amigo e bom samaritano: auxiliar o próximo.

Prof. Dr. Hélio Angotti Neto
Doutorado em Ciências Médicas pela FMUSP
Médico Oftalmologista pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia
Coordenador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina – SEFAM
Coordenador do Curso de Medicina do Centro Universitário do Espírito Santo – UNESC
Diretor Editorial da Mirabilia Medicinae, revista especializada em Humanidades Médicas




[1] Mesmo ao político petista corrupto e detrator de médicos, como já disse em outro lugar.
[2] PELLEGRINO, Edmund D.; THOMASMA, David C. The Virtues in Medical Practice. Oxford: Oxford University Press, 1993, p. 94-95.
[3] Diego Gracia, em seu livro que é referência obrigatória em Ética Médica e Bioética – Fundamentos de Bioética – divide as profissões clássicas em três fases: carismática, tradicional e burocrática. Alguém tem alguma dúvida sobre em qual fase nos encontramos? Cf. GRACIA-GUILLÉN, Diego. Fundamentos de Bioética. Madrid, Espanha: Editorial Triacastela, 2008.
[4] Talvez uma das grandes tentações do funcionarismo público.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

SUGESTÃO DE LEITURA
 

 Para Fundamentar a Bioética. Jorge José Ferrer e Juan Carlos Álvarez

Um livro introdutório ao estudo da fundamentação bioética, suas diversas escolas e teorias de decisão e justificação moral. Trata dos conceitos básicos e das escolas anglo-saxãs como a Principialista, a Baseada em Virtudes, a Utilitarista, a Naturalista, a Ética da Permissão de Engelhardt e a Casuísta; trata... também de algumas escolas que o autor denomina mediterrâneas, incluindo a Principialista Escalonada e Realista de Diego Gracia, com forte fundamentação em Xavier Zubiri e Pedro Laín Entralgo, a Personalista de Elio Sgreccia e a Secular italiana.

Uma dica que considero importante: ler a fundamentação ética da teoria de Diego Gracia sem conhecer a obra de Xavier Zubiri é um desafio, mesmo com a tentativa de facilitar a compreensão empreendida pelos autores desta obra introdutória. Obras auxiliares que ajudarão muito a compreender a fundamentação e o valor da obra de Diego Gracia são os originais de Xavier Zubiri (Trilogia Senciente) e Introdução ao Pensamento de Xavier Zubiri. Há um curso online que pode ser feito na Fundación Xavier Zubiri que também oferece uma fundamentação de qualidade para compreender Zubiri. Acredite, o esforço vale a pena!

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

A Indispensável Virtude Médica da Prudência – Phronesis

Artigo originalmente publicado no Portal Academia Médica

Edmund Pellegrino afirmava que:

Phronesis era o termo que Aristóteles utilizava para a virtude da Sabedoria Prática, a capacidade de intuição moral, a capacidade – em uma circunstância específica – de discernir qual escolha moral ou curso de ação conduzirá melhor ao bem do agente ou da atividade na qual o agente encontra-se comprometido. Phronesis é a virtude intelectual que nos predispõe a buscar a verdade em prol da ação, oposta à busca da verdade em prol dela mesma, o que constitui a sabedoria especulativa ou sophia.”[1]

A prudência é mediadora entre todas as demais virtudes na busca ativa de executar um bem[2]. Como balancear a beneficência com a autonomia? Utiliza-se a prudência. O quão justo, corajoso, humilde, compassivo e bondoso se deve ser? A prudência ajuda a tomar o “caminho do meio”, ajuda-nos a não desviar nem para a direita e nem para a esquerda.

Na Medicina a prudência irá auxiliar sobremaneira o raciocínio clínico e o plano terapêutico. É a prudência que equilibrará a compaixão subjetiva e a equanimidade objetiva. É a prudência que nos auxilia a contar uma notícia trágica, a comunicar a morte de um ente querido, a anunciar o fim das capacidades da medicina, de nossa inteligência e de nossa tecnologia. É ela que nos ajuda a dosar a quantidade e a temperatura da informação dada a cada momento.

Ao pesar o risco de uma terapia e seus benefícios contra o risco de se deixar uma doença seguir seu curso e ao se considerar o quanto de qualidade de vida será comprometida com determinado curso de ação, a prudência será a haste da balança.

Na tríade do erro médico, a imprudência arrasta os outros dois quesitos. Um médico imprudente tomará a conduta errada mesmo que tenha o conhecimento adequado e mesmo que queira ajudar o paciente. Um médico imprudente ousará ir além do limite permitido por seu conhecimento e seus estudos e práticas, prejudicando o paciente. Um médico imprudente, por fim, agira de forma negligente, deixando de utilizar seu conhecimento e sua técnica para realizar o bem a seu paciente[3].

Se há uma virtude que “tempera” todas as demais, esta virtude é sem dúvida nenhuma a prudência.





[1] PELLEGRINO, Edmund. The Virtues in Medical Practice. Oxford: Oxford University Press, 1993.

[2] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução do grego de António de Castro Caeiro. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009.

[3] CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. A Medicina para além das normas: Reflexões sobre o novo Código de Ética Médica. Nedy Neves (Org.). Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2010.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

ARTIGO PUBLICADO: The Four Aristotelian Discourses in Medicine: Educational Tools for Physicians


The Four Aristotelian Discourses in Medicine: Educational Tools for Physicians
Os Quatro Discursos Aristotélicos na Medicina: Ferramentas Educacionais para Médicos
Hélio Angotti-Neto, Andreia Bosi, Angela Regina Binda da Silva de Jesus
Centro Universitário do Espírito Santo – UNESC, Brasil

The four Aristotelian discourses (Poetic, Rhetoric, Dialectic and Logic) encompass all human verbal communication, and their study in Medical Humanities is an important instrument for medical practice and education. The discourses differ according to their intention, form, credibility and precision, and they can be studied to develop several aspects, such as understanding the patient, empathy, personal development and communication skills. Their study can also stimulate clinical and philosophical thought in general. The study of Poetic includes Narrative Medicine, literature, cultural studies, case reports and arts. Rhetoric includes verbal and non-verbal communication for the purposes of convincing and instructing other people. Dialectic includes clinical investigation thought and research. Logic includes scientific discourse, discursive analysis and education. Aristotelian works remain valuable instruments to develop a complete physician.

Keywords: Medical Philosophy, Medical Education, Narrative Medicine, Logic, Clinical Reasoning.

Artigo completo em: 
http://www.biomedicalandbiopharmaceuticalresearch.com/images/Article2_11n2.pdf