quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

CALL FOR PAPERS - Mirabilia Medicinae 4!


Dear Colleague,

It is truly an honor to reach you for our fourth issue on Medical Humanities, which will be published in the Mirabilia Medicinæ 4 (2015/1). We cordially invite you to submit your manuscript to this issue until June 30, 2015.

Mirabilia Medicinæ is a special supplement of Mirabilia Journal (ISSN 1676-5818).

Mirabilia is a Journal from the Institut d’Estudis Medievals (Universitat Autònoma de Barcelona) and it is indexed in many databases worldwide.

Mirabilia Medicinæ Journal is an online publication that provides articles, documents and academic reviews produced by scholars of the Medical Humanities. Such an area includes studies in Philosophy of Medicine, Bioethics and Medical Ethics, History of Medicine, Medicine and Arts, Narrative Medicine, Literature and other humanistic content in the search for the Modern, Medieval and Ancient roots of contemporary medicine.

The main theme of the fourth issue is “Virtues and Principles in Healthcare”. There will be also space for contributions outside the main theme in the subsection Varia, and I hope you feel comfortable in sending us your article.


Cordially,

Hélio Angotti Neto, MD, PhD
Director of Mirabilia Medicinæ

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Para Escrever Melhor...

Aos alunos do SEFAM e interessados em ingressar na vida acadêmica e em publicar algo, sinto-me obrigado a indicar algumas ferramentas básicas para o exercício da atividade, infelizmente negligenciadas em grande parte no Brasil: Ler e Escrever... Muito.

E antes de ler e escrever, não há como negligenciar outros dois aspectos básicos: escutar e falar!

Por fim, antes de qualquer coisa, é preciso compreender o que é a Vida Intelectual, e para isso indico uma obra que sem dúvida nenhuma será lida mais de uma vez no decorrer da vida: A Vida Intelectual de Antonin-Dalmace Sertillanges. O livro trabalha o essencial para o acadêmico: o caráter e os hábitos.



Para escutar e falar, recomendo um livro de Mortimer Jerome Adler: Como Falar, Como Ouvir. Acredite, hoje em dia desaprendemos as mais básicas normas do falar e ouvir, o que reduz em muito nossa capacidade de entendimento e até de relacionamento. É o que mais fazemos na vida em comunicação, e aquilo para o qual recebemos menos treinamento formal.


E para ler com qualidade, sejam artigos acadêmicos, ensaios, livros de filosofia ou romances, indico o clássico também escrito por Mortimer Adler: Como Ler Livros. Indispensável!


Depois dessas obras iniciais, vão algumas dicas para quem quer escrever. Leia muito e leia coisas boas na área em que deseja escrever. Deseja escrever na área de Bioética? Leia livros originais dos melhores autores do assunto, leia os clássicos milenares que tocam em assuntos similares e leia os artigos das melhores revistas internacionais sobre o tema. E aí mais uma necessidade: Leia em inglês, leia muito inglês! Para quem deseja realmente ingressar na vida intelectual, nacionalismo bocó não tem vez. É preciso ler muito bem o português e aceitar o desafio de ler em diversas outras línguas: francês, espanhol, inglês, etc.

Alguns cursos e escritos sobre como escrever também auxiliam muito. No Coursera, uma plataforma de cursos gratuitos internacionais de grandes universidades, pode ser encontrado um curso sobre como escrever artigos acadêmicos: https://www.coursera.org/course/sciwrite 

E o ideal: encontre alguém que escreva bem e que escreva com rigor, tenha um bom dicionário (físico ou online) e uma boa gramática de consulta e coloque-se à disposição para ser corrigido. Tentar, errar e tentar de novo. Não há fórmula mágica, é preciso humildade, persistência e disciplina. Humildade para escutar quem sabe mais, persistência para não desistir e disciplina para progredir.

No pain, no gain, já diziam os anglófonos. Não há lugar para preguiçosos ou mediocridades. O esquecimento dessas simples e antigas verdades conseguiu deixar o Brasil entre os piores na educação e na academia a nível mundial.


terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

SUGESTÃO DE LEITURA - Thieves of Virtue: When Bioethics Stole Medicine


A Bioética surgiu lá pelos anos 70 quando ficou claro que a tradicional Ética Médica Ocidental derivada de Hipócrates, da Cristandade e de médicos mais modernos como William Osler, entre outros, não daria conta do recado. Isto é, a tradicional Ética Médica encontrava-se desarmada para lidar com situações postas pelo imenso avanço tecnológico e pelas mudanças culturais. Certo?

ERRADO!

Tom Koch expõe de maneira contundente a fragilidade do véu de silêncio imposto sobre a Ética Médica tradicional por aqueles que denigrem o legado hipocrático e tecem louvores à Bioética contemporânea. O "Mito de Fundação" da Bioética pressupõe como certos alguns elementos não comprovados.

Segundo Koch, as falhas éticas da história recente da medicina se deram justamente por falhas ao seguir a máxima hipocrática, isto é: beneficiar o paciente acima de tudo. Seu livro resgata a prioridade tradicional do médico como salvaguarda para a profissão. O médico não serve a Estados, o médico não serve a mercados, o médico não serve a ideologias... o médico serve ao paciente, em prol de seu bem, compreendido num contexto que pode apresentar variações culturais, mas que mantém um forte componente universalista, como já apontado pelo historiador da Ética Médica e da Bioética Albert Jonsen.

Tom Koch critica a elevação da autonomia ao patamar máximo da Bioética, e denuncia o que chama de "Bioética do bote salva-vidas". Tal Bioética é aquela na qual cabe ao médico seguir o apontamento de filósofos capazes de distribuir as benesses da sociedade de forma racional, ao invés de investir inutilmente na vida de pessoas pouco úteis à sociedade. 

No livro, somos lembrados de que o compromisso do médico não é cortar gastos, economizar ou ser competitivo economicamente. O compromisso é fazer o bem. Somos lembrados também da realidade concreta das pessoas, repleta de fragilidades, limitações e deficiências que superam as abstrações lógicas. Um exemplo clássico de tais abstrações torna-se evidente ao observar artigos que negam o estatuto de pessoas a determinados seres humanos, negando também dignidade à vida humana como princípio.

O ataque ao paternalismo médico é criticado por Tom Koch, que enxerga no termo a encarnação de um grande espantalho, de um falso mito no qual médicos são opressores terríveis. Certo grau de assimetria é óbvio e necessário, pois o médico e o paciente existem justamente por serem diferentes e possuírem diferentes capacidades e papéis. A autonomia completa não passa enfim de uma figura de linguagem, longe de ser um conceito técnico válido e universal.

Tocar no nome de Hipócrates para fazer qualquer outra coisa que não seja criticar a Ética Médica Tradicional é algo complicado nos dias de hoje. Acusações de que tal ética seja moralmente insuportável estão nas bocas de muitos bioeticistas contemporâneos, legisladores do bem alheio e da vocação alheia. Estes são os ladrões da virtude, segundo Tom Koch.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

SEFAM em 2015: Planos e Projetos


O Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina terá muitas novidades em 2015, e inicia os projetos para conclusão em 2016.

Os módulos III e IV continuam regularmente no UNESC.

No primeiro semestre teremos a segunda edição do "Bioética em Questão" (http://medicinaefilosofia.blogspot.com.br/2015/02/curso-presencial-gratuito-bioetica-em.html), de caráter gratuito e vagas limitadas já preenchidas. Ao fim do módulo será aplicada uma prova de seleção para projetos de Iniciação Científica.

No segundo semestre teremos o módulo IV: Filosofia da Medicina. E iniciaremos os três trabalhos para apresentação no Encontro anual do Center foi Bioethics and Human Dignity (https://cbhd.org/) em 2016, na Trinity International University em Deerfield, Illinois, EUA. Os temas serão:
1 - Transhumanist Cosmovision: Philosophical, Cultural and Historical Analogies;
2 - Medical Humanities Teaching Based on the Aristotelian Four Discourses Theory;
3 - The Redemption of Hippocrates in Clinical Bioethics.

Também no segundo semestre ocorrerá o III Seminário UNESC de Humanidades Médicas, incluindo o I Curso de Formação Política para Profissionais da Saúde (http://medicinaefilosofia.blogspot.com.br/2014/11/em-2015-formacao-politica-para.html).

Ficará para 2016, provavelmente, o livro "A Tradição da Medicina", se tudo der certo.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

CURSO PRESENCIAL GRATUITO: BIOÉTICA EM QUESTÃO


O curso tratará de questões fundamentais na área de Bioética, enfatizando o pensamento dialético na resolução e na reflexão de questões polêmicas em nossa sociedade envolvendo a vida, a morte, a saúde e a doença. É dedicado a todos aqueles que se interessam em refletir sobre a realidade vivida e que se dedicam aos cuidados com a saúde humana, como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, educadores físicos etc. Também é de interesse para advogados que se dedicam à área do Biodireito, filósofos, historiadores e estudiosos das Humanidades em geral.

CRONOGRAMA DE ATIVIDADES

 

17 de março de 2015. 18:00 às 22:00
Ética Médica – Uma breve História do Legado Hipocrático – 4 horas
Prescrições Morais do Juramento de Hipócrates. A Tradição Hipocrática e as questões controversas da Ética Médica. Oponentes da Ética Hipocrática: a crítica de Tom Koch. A Dignidade Humana. O Valor da Vida. A Beneficência como parâmetro máximo. As críticas anti-hipocráticas de Robert Veatch.
Artigo para Estudo: The Hippocratic Oath and Contemporary Medicine: Dialectic Between Past Ideals and Present Reality? (Fabrice Joterrand – Rice University, Houston, Texas, USA – Journal of Medicine and Philosophy, 30, 2005, p. 107-128)

 
07 de abril de 2015. 18:00 – 22:00
Bioética, sua história e seus fundamentos – 4 horas
O surgimento da Bioética e a Ética do Bote Salva-Vidas. A Bioética Global e a Bioética Clínica. A evolução da Bioética e suas Escolas de Pensamento. A Declaração Universal da Bioética. O Principialismo, o Utilitarismo, o Personalismo, a Ética Baseada em Virtudes, a Bioética Feminista e a Ética do Cuidar. Ferramentas para a prática da bioética e a deliberação moral.
Artigo para Estudo: Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. (Tradução e revisão final sob a responsabilidade da Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília e da Sociedade Brasileira de Bioética. Tradução: Ana Tapajós e Mauro Machado do Prado. Revisão: Volnei Garrafa)

 
21 de abril de 2015. 18:00 – 22:00
A Vida e a Dignidade Humana.  Clonagem, Eugenia e Transumanismo – 4 horas
Aborto e Homicídio Infantil. Aborto como problema de saúde pública. A história do aborto no ocidente. Aborto no Brasil. O Início da Vida Humana. Pessoa ou não pessoa? Potencialidade e Atualidade no aborto. Clonagem e liberdade. Aprimorar em relação a quem? Quem aprimorar? Questões d eBiodireito e Biopolítica na Clonagem Humana. Responsabilidade e Temor diante das possibilidades de Clonagem. Eugenia nos Estados Unidos, na Alemanha Nazista e na contemporaneidade. Transumanismo e Identidade Humana.
Artigo para Estudo: Moral Transhumanism: The Next Step (MICHAEL N. TENNISON)
 

12 de maio de 2015. 18:00 – 22:00
Eutanásia e o Controle da Morte Humana – 4 horas
Eutanásia, Distanásia e Ortotanásia. Protocolo Groningen. Morte Cerebral. Transplante e Ética Médica. O Direito de Morrer. Cadáver ou Ser Humano? A Dignidade do Corpo?
Artigos para Estudo: After-birth abortion: why should the baby live? (GIUBILINI E MINERVA); Abordagem crítica filosófica, científica e pragmática ao abortamento pós-nascimento (Angotti & Cols.); Brain Death, Paternalism, and the Language of “Death” (Michael Nair-Collins).

 
02 de junho de 2015. 18:00 – 22:00
Pesquisa, Avanço Tecnológico e Ética Médica – 4 horas
Regras para pesquisa no Brasil. Declarações Mundiais sobre Direitos Humanos e Pesquisas Científicas. Princípios e Conflitos em Pesquisa.
Artigo para Estudo: Philosophical Reflections on Experimenting with Human Subjects (Hans Jonas)

 
Participação no Fórum de Discussões pela Internet – 16 horas

 Ao fim do curso será disponibilizada uma avaliação de seleção para aluno de Iniciação Científica, com base em conhecimentos adquiridos durante o curso e em Inglês.


Carga Horária Total: 40 horas

10 Vagas para Acadêmicos de Medicina

2 Vagas para Outros membros da Comunidade Acadêmica ou da Comunidade Externa

Observação: O Curso Presencial é Gratuito.

Local: Sala de Reuniões da Coordenação do Curso de Medicina – Bloco A – CAMPUS I do Centro Universitário do Espírito Santo
Pré-Inscrição: Envie E-Mail para Hélio Angotti Neto
 
Organização: Prof. Dr. Hélio Angotti Neto

APOIO

domingo, 8 de fevereiro de 2015

TEMPERANÇA como Virtude Médica

Publicado originalmente no portal Academia Médica


É a arte do autocontrole, da busca pelos prazeres ditos do espírito e não do físico, sabendo que em última instância, este se beneficiará muito mais daquele. Seu papel lembra em grande parte a virtude da Prudência, mas apresenta especificidades interessantes para o médico moderno.

É a arte de evitar excessos ou faltas, é a arte de viver de forma inteligente. É no cotidiano evitar os vícios que podem destruir a carreira e prejudicar a capacidade de beneficiar o paciente.

Isso inclui coisas óbvias, desde evitar tomar um porre na véspera do plantão no Centro Cirúrgico até o exercício da modéstia cautelosa em grandes cirurgias plásticas, nas quais alguns pacientes podem nutrir expectativas irreais.

Os antigos sabiam que a busca pela saúde é também uma busca moral, uma busca pela vida correta. Nas Dietas e Regimes prescreviam-se não somente fármacos terapêuticos, mas também condutas e virtudes a serem praticadas para a boa vida.

Uma situação que logo vem à mente é a tentação de brincar de Deus, de negar a vida ao bebê no útero materno, de apressar a morte de forma indevida, de legislar sobre o que é o ser humano de forma arrogante e de ousar encarnar na prática médica um tipo de engenharia do novo homem ou do super-homem ideológico, tecnológico e geneticamente alterado.

A temperança ajuda a evitar o abuso de tratamentos dispendiosos e inúteis para o paciente, a temida obstinação terapêutica. A temperança ajuda a evitar danos ao paciente ao exagerar na mão durante procedimentos, causando a temida Iatrogenia.

Por fim, a Temperança está colada às demais virtudes de forma semelhante à Prudência, aconselhando o bom e velho “caminho do meio” que Aristóteles preconizava em sua Ética a Nicômaco.

II UNESC Seminar of Medical Humanities


The second UNESC Seminar of Medical Humanities happened in October 24 at CAMPUS I of UNESC (University Center of Espírito Santo Brazil). The event united Physicians, Philosophers, Nurses, Physiotherapists and Researchers from several institutions in an interdisciplinary meeting about Medical Humanities.


The first block happened in the morning with the following presentations about Thanatology:



Cultural and Philosophical Visions of Death & The Terminality of Life. Two Grand Conferences presented by Professor José Benjamin Gomes (PhD) from Pernambuco University, Historian and Philosopher.


Legal Aspects of Death. A Conference presented by Professor and Lawyer Luciana Dadalto, an expert on Bioethics and Advance Directives from Minas Gerais Federal University.


Negation of Death and Medical Utopia. Conference by Professor Hélio Angotti Neto, Dean of UNESC Medical School and Coordinator of the event. Presentation available at: https://www.youtube.com/watch?v=T6h1jyqdaZI


The second block included Oral Presentations in several themes from Medical Humanities:


Research integrity and the impact of conflicts of interests on society: An Analysis in the Light of the Theory of Recognition of Axel Honneth, presented by Professor Márcia Cássia Cassimiro, from Oswaldo Cruz Foundation in Rio de Janeiro. The paper has been published in Mirabilia Medicinae 3 (http://www.revistamirabilia.com/medicinae/issues/mirabilia-medicinae-3-2014-2).

The Use of Eponyms in Medical Practice, presented by Medicine Academic Fleury Marinho da Silva from UNESC Medical School. The paper has been published in Mirabilia Medicinae 3 (http://www.revistamirabilia.com/medicinae/issues/mirabilia-medicinae-3-2014-2).


Beliefs, Values and Social Representations of Normal Birth, presented by Professor Luciano Antônio Rodrigues. The paper has been published in Mirabilia Medicinae 3 (http://www.revistamirabilia.com/medicinae/issues/mirabilia-medicinae-3-2014-2).


History of Medicine & Medical Education: Bioethics and Humanities, two Grand Conferences presented by Professor Patrícia Deps, from the Faculty of Medicine of Espírito Santo Federal University.


Human Body in the Philosophical Pedagogy of Ramon Llull, presented by Professor Fabrícia Giuberti from Alacant University (Spain) and Espírito Santo Federal University.

Ethics in Physiotherapy Education, presented by Professor João Wagner Rodrigues Hernandez from the UNESC School of Physiotherapy.



Bioethics and Rape: What a Physician Should Do? Presented by Medicine Academic Rafael Ângelo Ferreira da Fonseca, from UNESC Medical School.

It was a great opportunity to meet good friends and debate important questions in Healthcare. And the inscriptions for the next UNESC Seminar of Medical Humanities - in 2015 - will soon be available at SEFAM and www.unesc.br 

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

FORTITUDE, A CORAGEM MORAL

Artigo publicado originalmente no Portal Academia Médica


 Você já viu alguém corajoso? Aquele que diante de uma ameaça à sua integridade física resiste ao impulso de simplesmente correr ou se entregar? Cada dia fica mais raro, obviamente, mas não é no campo físico que atua a fortitude ou resiliência, o equivalente moral da coragem.

No campo físico da coragem, o médico atua quando enfrenta guerras e condições inóspitas para ajudar o próximo (médico sem fronteiras), quando auxiliar pessoas com doenças infecciosas e mortais e quando opera pacientes com doenças transmissíveis pelo sangue, colocando sua vida em risco em prol do bem para o paciente.

Exemplos de coragem médica atravessam os séculos, com relatos de médicos que enfrentaram a peste - mesmo sem saber como era transmitida -, relatos de médicos que não fugiram de grandes tragédias e “ficaram para trás” junto aos feridos e muitas outras situações heroicas. É claro que tal atitude heroica não se pode cobrar de ninguém, embora se espere em certa medida daquele que diz ser médico.

Já a fortitude é a capacidade de lidar com problemas e desafios de ordem moral sem se abalar, sem ceder, sem perder a compostura. É resistir à pressão do grupo, à pressão da sociedade ou à covardia moral para buscar acima de tudo o que é certo para o paciente.

Mas assim como a coragem física, seu excesso pode significar problema! No caso da coragem, seu excesso pode simplesmente traduzir-se em ousadia irresponsável e estupidez, levando o indivíduo a enfrentar obstáculos desnecessários e situações impossíveis, beirando a loucura. No caso da fortitude, o médico precisa abalar-se pelo menos o pouco suficiente para criar um vínculo empático eficaz com o seu ambiente, evitando ceder no terreno moral mas compreendendo que não habita um mundo paradisíaco em meio a anjos e, sim, um mundo repleto de problemas, conflitos, dúvidas, sofrimento e múltiplas necessidades cobrando decisões difíceis.

“Médicos precisam da fortitude para fazer a coisa certa que é esperada e exigida que ele faça, dada sua opção de vida.[1]” É fazer o que deve ser feito mesmo que os outros estejam fazendo o errado. É negar, numa linguagem teológica, a influência do “mundo”.
Outro sinal de fortitude – a coragem moral – é simplesmente negar a forte tendência de mediocridade de nossos dias, de impessoalidade crescente na prática médica.

Há uma grande pressão para orientar nossa profissão rumo a protocolos, procedimentos quase que automáticos, cotas, limites de atendimento, tratamento impessoal – muitas vezes disfarçado sob o nome de igualdade de prestação de serviços, só que ao invés de prestar um serviço igualmente valioso, presta-se um serviço igualmente medíocre – e aderência à moral minimalista.

Lembro do fantástico título da obra de Robert Musil: O Homem sem Qualidades[2]. O médico sem fortitude é um médico sem qualidades. É um burocrata. Ele está seco e morto, é um cadáver ambulante. Qualquer um lhe dirige, pois sua consciência já não habita nele. Ele tombará para onde o vento soprar.




[1] PELLEGRINO, Edmund D.; THOMASMA, David C. The Virtues in Medical Practice. Oxford: Oxford University Press, 1993
[2] MUSIL, Robert. O Homem sem Qualidades. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira – Sinergia, 2006.