EXCERTOS DE “O MÉDICO VIRTUOSO E A
ÉTICA DA MEDICINA”
Considerais de qual nobre semente nascestes: Vós não
fostes criados para viverdes como bestas, mas para perseguirdes a virtude e o
conhecimento.
Dante, Inferno 26, 118-120
Edmund D. Pellegrino
Virtude
implica um traço do caráter, uma disposição interna, habituada a buscar a
perfeição moral, a viver a própria vida em acordo com a lei moral, a alcançar o
equilíbrio entre a nobre intenção e a justa ação.
Em
praticamente todas as perspectivas, uma pessoa virtuosa é aquela que podemos
confiar que agirá habitualmente de forma boa – com coragem, honestidade,
justeza, sabedoria e temperança. Ela está compromissada em ser uma boa pessoa e
a buscar a perfeição em sua vida privada, profissional e comunitária. É alguém
que agirá bem até mesmo quando não houver ninguém para aplaudir, simplesmente
porque agir de outra forma é violar o que é ser uma boa pessoa. Nenhuma
sociedade civilizada pode perseverar sem um número significativo de cidadãos
comprometidos com este conceito de virtude. Sem tais pessoas, nenhum sistema
geral de ética poderia transcender os perigos do interesse egoísta.
Contudo,
qualquer tentativa de se definir um médico virtuoso ou uma ética baseada em
virtudes para a medicina deve oferecer uma definição o que é o bem para o
paciente.
Esse
objetivo (o bem do paciente) é central a qualquer noção de virtude peculiar à
medicina como prática.
Todos
os códigos profissionais médicos são erigidos sobre um sistema tríplice de
obrigações relativas ao papel especial que médicos têm em sociedade. Em ordem
ascendente de sensibilidade ética são essas obrigações: prezar as leis da
terra, prezar os direitos e cumprir os deveres e, finalmente, praticar a
virtude.
O
médico virtuoso não age com base no que ele acha ser bom de forma irrazoável ou
sem crítica. Sua ação é ordenada em acordo com a “reta razão” que Aristóteles e
Tomás de Aquino consideraram essencial à virtude.
Uma
ética baseada em virtudes é inerentemente elitista, pois a adesão a ela demanda
mais da pessoa que aspira à virtuosidade do que a moralidade prevalente.
Não
importa o quanto uma sociedade caia. As pessoas virtuosas sempre serão faróis
que iluminarão o caminho de volta à sensibilidade moral. Médicos virtuosos são
os faróis que mostram o caminho de volta à credibilidade moral de toda a
profissão médica.
Precisamos
resgatar a coragem para falar sobre caráter, virtude e perfeição em viver uma
boa vida. Precisamos encorajar aqueles que desejam se dedicar a um padrão mais
elevado de altruísmo. Precisamos de coragem também para aceitar o óbvio abismo
que existe entre aqueles que enxergam e sentem os imperativos altruístas da
medicina e aqueles cegos a essa dimensão.
Esquecemos
de que os médicos, desde o início da profissão, dedicavam-se a diferentes
valores e virtudes. Basta lembrar que o Juramento de Hipócrates era o juramento
de médicos da escola pitagórica num tempo em que a maioria dos médicos gregos
se dedicava a uma ética de ofício (e não a uma ética profissional).
A
ilusão de que todos os médicos compartilham uma devoção comum a um grupo
elevado de princípios morais trouxe prejuízo à medicina por elevar as
expectativas a respeito do que alguns profissionais poderiam ou não cumprir.
PELLEGRINO,
Edmund D. “The Virtuous Physician and the Ethics of Medicine”. In: SHELP, Earl E. Virtue and Medicine: Exploration in the Character of Medicine
(Philosophy and Medicine Series 17). D. Reidel Publishing Company: 1985, p.
243-255.
Tradução
e Seleção: Hélio Angotti Neto
07
de outubro de 2017, Colatina - ES