RESENHA: BASES DA DIREITA E DA ESQUERDA
O GRANDE DEBATE: Edmund Burke, Thomas Paine e o Nascimento da Esquerda e da Direita
Yuval Levin
Em seu livro “O Grande Debate:
Edmund Burke, Thomas Paine e o Nascimento da Esquerda e da Direita”,
recentemente traduzido para o português, Yuval Levin busca um elemento
essencial do pensamento político contemporâneo, remexendo na história de um
acalorado debate entre dois grandes políticos e pensadores: Burke e Paine.
Burke, um dos precursores do que
hoje se denomina pensamento de direita, defendia a história de erros e acertos
do passado contra o impulso revolucionário e destrutivo do presente.
Posicionava-se ao lado de uma política de prudência, como Russel Kirk
posteriormente a denominou, observando na história uma prescrição de lições
contínuas e deveres necessários para a manutenção de uma sociedade adequada.
Paine, por outro lado, defendia a
aplicação de princípios atemporais da razão à sociedade, buscando um regresso
aos elementos que promoveriam a existência de um povo mais igualitário e justo,
mesmo que ao custo da destruição do atual estado de coisas, evitando a inércia
e o reacionarismo, para moldar uma nova sociedade capaz de encarnar melhor os
ideais de justiça.
Embora ambos concordassem com os
intuitos da Revolução Americana, de independência, o ponto de discórdia se deu
na Revolução Francesa. Paine viu uma fantástica oportunidade para aplicar os
ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, poderosas abstrações que
poderiam reformular uma sociedade inteira e acabar com um estado corrompido prévio.
Burke via com desgosto e preocupação essa reformulação racionalista do mundo,
alertando contra o ato de desprezar as lições prudenciais do passado. Temia, o
derramamento de sangue, que de fato ocorreu, parindo a modernidade.
Segundo Paine, “Temos o poder de
reiniciar o mundo” e “ver o governo começar como se vivêssemos no início dos
tempos”. Burke afirmava que um retorno ao início sem o devido cuidado seria um
retorno ao barbarismo. A visão conservadora da natureza humana era muito
pessimista – ou realista, conforme a origem de quem falava – para acreditar
nesse paraíso primitivo defendido por Paine e outros pensadores iluministas
como Rousseau.
Alinhado ao atual pensamento de
viés liberal e socialista predominante, Paine afirmava que “Meu país é o mundo
e minha religião é fazer o bem.” Já Burke prenunciava o conservadorismo atual
defendendo uma posição mais local e menos universal, embora diversa, assim como
Roger Scruton prescreve. “Para que amemos nosso país, ele deve ser digno de
amor”, e “Nosso país não é meramente uma localidade. Ele consiste, em grande
medida, na antiga ordem em que nascemos.” Concordem com Burke ou não, o Brasil
tiraria preciosas lições para o sentimento geográfico e desmemoriado que temos
de patriotismo.
Paine, otimista com a natureza
humana, afirmava ao contrário de Hobbes que “O homem só é inimigo do homem por
meio de um falso sistema de governo”. Paine declarava que “A humanidade teve
muito pouco propósito se, neste período do mundo, precisa voltar 2 ou 3 mil
anos em busca de lições e exemplos.” Com base em um novo entendimento da
natureza e dos princípios da justiça e da sociedade, o mundo veria um
renascimento. Ao estilo da new Left revolucionária de hoje, Paine revela
dificuldade em distinguir entre destruição e construção durante a revolução.
Burke comentaria, escandalizado
pelos frutos do pensamento racionalista aplicado à sociedade, que “Nunca antes
um conjunto de homens literários se converteu em uma gangue de ladrões e
assassinos; nunca antes um antro de vilões e bandidos assumiu o garbo e o tom
de uma academia de filósofos”.
A visão de Paine era “assertiva,
confiante, racionalista, tecnocrática e progressista”, defendendo que por meio
do uso de sua razão, o homem poderia remodelar o mundo em busca de justiça. Um
anseio muito contemporâneo presente entre socialistas e transumanistas de forma
geral.
A visão de Burke, por outro lado,
se mostrava “grata, protetora, cautelosa, moralista, gradualista e reformista”,
compreendendo que o mundo só
pode ser melhorado caso compreendamos nossas limitações e construamos sobre as
fundações previamente estabelecidas.
Em suas conclusões, Levin resume:
“O objetivo utópico fundamental no âmago
do pensamento de Paine – o objetivo de liberar o indivíduo das obrigações
impostas a ele por seu tempo, seu lugar e suas relações com os outros –
permanece essencial para a esquerda americana.” “Com o tempo, o objetivo
utópico ganhou preferência, e uma visão do Estado como provedor direto das
necessidades básicas e amplamente livre de restrições do liberalismo iluminista
de Paine surgiu para defende-lo.”
A esquerda atual, segundo Levin,
exibe coletivismo material ao lado de individualismo moral. Já o
conservadorismo exibiria um certo coletivismo moral, no respeito às tradições e
à história, ao lado do individualismo material.
Levin afirma que a esquerda atual
começa a se desviar para a fria lógica do utilitarismo, e que faria bem em
relembrar dos avisos de Thomas Paine em relação aos limites do podere e do
papel do governo. Já a direita, tem se mostrado aberta demais ao “canto de
sereia” do hiperindividualismo material e da falta de uma teorização adequada,
podendo aproveitar o foco burkeano no
caráter social do homem.
Num país como o Brasil, no qual
multidões usam palavras como porretes sem ao menos conhecer o real significado
daquilo que buscam expressar, faz bem ler Yuval Levin, e compreender que
Direita e Esquerda são polos de como nos relacionamos com nossos semelhantes,
do passado, do presente e do futuro. Como lembra muito bem Edmund Burke, não respeitaremos
os nossos descendentes se não respeitarmos nossos antepassados, mas, no ideal
de Paine, não podemos desmerecer a urgência do presente.
Hélio Angotti Neto.
03 de outubro de 2017, Colatina –
ES.