terça-feira, 3 de outubro de 2017

RESENHA: BASES DA DIREITA E DA ESQUERDA

RESENHA: BASES DA DIREITA E DA ESQUERDA

O GRANDE DEBATE: Edmund Burke, Thomas Paine e o Nascimento da Esquerda e da Direita

Yuval Levin


Em seu livro “O Grande Debate: Edmund Burke, Thomas Paine e o Nascimento da Esquerda e da Direita”, recentemente traduzido para o português, Yuval Levin busca um elemento essencial do pensamento político contemporâneo, remexendo na história de um acalorado debate entre dois grandes políticos e pensadores: Burke e Paine.

Burke, um dos precursores do que hoje se denomina pensamento de direita, defendia a história de erros e acertos do passado contra o impulso revolucionário e destrutivo do presente. Posicionava-se ao lado de uma política de prudência, como Russel Kirk posteriormente a denominou, observando na história uma prescrição de lições contínuas e deveres necessários para a manutenção de uma sociedade adequada.

Paine, por outro lado, defendia a aplicação de princípios atemporais da razão à sociedade, buscando um regresso aos elementos que promoveriam a existência de um povo mais igualitário e justo, mesmo que ao custo da destruição do atual estado de coisas, evitando a inércia e o reacionarismo, para moldar uma nova sociedade capaz de encarnar melhor os ideais de justiça.

Embora ambos concordassem com os intuitos da Revolução Americana, de independência, o ponto de discórdia se deu na Revolução Francesa. Paine viu uma fantástica oportunidade para aplicar os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, poderosas abstrações que poderiam reformular uma sociedade inteira e acabar com um estado corrompido prévio. Burke via com desgosto e preocupação essa reformulação racionalista do mundo, alertando contra o ato de desprezar as lições prudenciais do passado. Temia, o derramamento de sangue, que de fato ocorreu, parindo a modernidade.


Segundo Paine, “Temos o poder de reiniciar o mundo” e “ver o governo começar como se vivêssemos no início dos tempos”. Burke afirmava que um retorno ao início sem o devido cuidado seria um retorno ao barbarismo. A visão conservadora da natureza humana era muito pessimista – ou realista, conforme a origem de quem falava – para acreditar nesse paraíso primitivo defendido por Paine e outros pensadores iluministas como Rousseau.

Alinhado ao atual pensamento de viés liberal e socialista predominante, Paine afirmava que “Meu país é o mundo e minha religião é fazer o bem.” Já Burke prenunciava o conservadorismo atual defendendo uma posição mais local e menos universal, embora diversa, assim como Roger Scruton prescreve. “Para que amemos nosso país, ele deve ser digno de amor”, e “Nosso país não é meramente uma localidade. Ele consiste, em grande medida, na antiga ordem em que nascemos.” Concordem com Burke ou não, o Brasil tiraria preciosas lições para o sentimento geográfico e desmemoriado que temos de patriotismo.

Paine, otimista com a natureza humana, afirmava ao contrário de Hobbes que “O homem só é inimigo do homem por meio de um falso sistema de governo”. Paine declarava que “A humanidade teve muito pouco propósito se, neste período do mundo, precisa voltar 2 ou 3 mil anos em busca de lições e exemplos.” Com base em um novo entendimento da natureza e dos princípios da justiça e da sociedade, o mundo veria um renascimento. Ao estilo da new Left revolucionária de hoje, Paine revela dificuldade em distinguir entre destruição e construção durante a revolução.

Burke comentaria, escandalizado pelos frutos do pensamento racionalista aplicado à sociedade, que “Nunca antes um conjunto de homens literários se converteu em uma gangue de ladrões e assassinos; nunca antes um antro de vilões e bandidos assumiu o garbo e o tom de uma academia de filósofos”.

A visão de Paine era “assertiva, confiante, racionalista, tecnocrática e progressista”, defendendo que por meio do uso de sua razão, o homem poderia remodelar o mundo em busca de justiça. Um anseio muito contemporâneo presente entre socialistas e transumanistas de forma geral.

A visão de Burke, por outro lado, se mostrava “grata, protetora, cautelosa, moralista, gradualista e reformista”, compreendendo que o mundo só pode ser melhorado caso compreendamos nossas limitações e construamos sobre as fundações previamente estabelecidas.
Em suas conclusões, Levin resume:

“O objetivo utópico fundamental no âmago do pensamento de Paine – o objetivo de liberar o indivíduo das obrigações impostas a ele por seu tempo, seu lugar e suas relações com os outros – permanece essencial para a esquerda americana.” “Com o tempo, o objetivo utópico ganhou preferência, e uma visão do Estado como provedor direto das necessidades básicas e amplamente livre de restrições do liberalismo iluminista de Paine surgiu para defende-lo.”
A esquerda atual, segundo Levin, exibe coletivismo material ao lado de individualismo moral. Já o conservadorismo exibiria um certo coletivismo moral, no respeito às tradições e à história, ao lado do individualismo material.

Levin afirma que a esquerda atual começa a se desviar para a fria lógica do utilitarismo, e que faria bem em relembrar dos avisos de Thomas Paine em relação aos limites do podere e do papel do governo. Já a direita, tem se mostrado aberta demais ao “canto de sereia” do hiperindividualismo material e da falta de uma teorização adequada, podendo aproveitar o foco  burkeano no caráter social do homem.

Num país como o Brasil, no qual multidões usam palavras como porretes sem ao menos conhecer o real significado daquilo que buscam expressar, faz bem ler Yuval Levin, e compreender que Direita e Esquerda são polos de como nos relacionamos com nossos semelhantes, do passado, do presente e do futuro. Como lembra muito bem Edmund Burke, não respeitaremos os nossos descendentes se não respeitarmos nossos antepassados, mas, no ideal de Paine, não podemos desmerecer a urgência do presente.

Hélio Angotti Neto.
03 de outubro de 2017, Colatina – ES.