segunda-feira, 4 de março de 2019

A MANIPULAÇÃO NA EDUCAÇÃO

EXCERTO DA OBRA DE ALFONSO LÓPEZ-QUINTÁS
A TOLERÂNCIA E A MANIPULAÇÃO


6. A MANIPULAÇÃO DOS EDUCADORES (p. 121-124)

Os tiranos procuram por todos os meios manter as pessoas num nível cultural baixo, para que seu poder de discernimento seja o menor possível, o que as torna facilmente manipuláveis. B. Hearing atribui essa atitude aos ditadores: “Em sociedades e Estados autoritários todos o processo de educação é orientado para obter cidadãos dóceis e fáceis de manipular, evitando-se ou reprimindo tudo o que possa suscitar um espírito crítico”.

Também nos regimes democráticos, aquele que deseja vencer sem convencer costuma conceber planos e métodos de ensino com os quais não se crie o poder do discernimento, a sensibilidade para os grandes valores, o entusiasmo criativo, o desejo de realizar tarefas relevantes. Sob o pretexto de “desdramatizar” os problemas, banaliza-se a vida humana. (...)

O manipulador cultural proclama seu interesse pela cultura, mas trata-se de uma cultura que tende a dominar, não a criar unidade. Daí o estímulo às ciências em detrimento das humanidades, e, pior ainda, o interesse por orientar a potência criadora do ser humano, sobretudo dos jovens, para modos infraculturais de atividade, infraculturais por não serem criativos.

Esse tipo de manipulação educativaopera em vinculação encoberta com a manipulação ideológica. Como se sabe, o escritor italiano Antonio Gramsci elaborou toda uma tática para atingir o poder político mediante o domínio cultural, que, por sua vez, será alcançado mediante um processo no qual as ideias e os sentimentos dos intelectuais são assumidos pelo povo e convertem-se numa fonte de energia revolucionária. “Quando se consegue”, diz ele, “introduzir uma nova moral adequada a uma nova concepção do mundo, termina-se por introduzir também essa concepção, isto é, determina-se uma reforma filosófica total.” (...)

Ensinar o povo a pensar com rigor é, efetivamente, elevada tarefa, que exige vivência profunda e que as questões básicas sejam apresentadas com força imaginativa, de modo que as pessoas igualmente se compenetrem dessas questões e as compreendam por dentro. Ora, esse trabalho não deve ser realizado com a finalidade de adquirir poder e domínio sobre o povo, mas de conferir-lhe verdadeira liberdade interior. Jamais a educação deve transformar-se, sob nenhum pretexto, por mais elevado que pareça, em recurso estratégico para conseguir um objetivo. Deve ser impulsão da personalidade de cada ser humano, que é um fim em si mesmo e não um meio.

Nunca antes foi tão válida a seguinte observação de Gabriel Marcel, um dos pensadores contemporâneos mais preocupados com o destino da humanidade: “O que hoje provavelmente mais falta faz ao mundo são educadores. Do meu ponto de vista, esse problema dos educadores é o mais importante, e é nisso que a reflexão filosófica deve dar sua contribuição.”


É urgente aplicar ao trabalho formativo os resultados de uma atenta investigação filosófica, para evitar que o processo educacional seja colocado a serviço dos demagogos, como costuma acontecer, segundo B. Haering: “A educação é o mercado público em que encontramos as mais diferentes ideologias, bem como aqueles que depositam suas maiores esperanças em manipular os outros”. 

Alfonso López QUINTÁS.

A Tolerância e a Manipulação. Campinas, SP: É Realizações, 2018