A TEOLOGIA DE POLEMARCO, OU, É
ISSO O QUE DÁ QUANDO CRISTO SAI E ENTRA MARX
Em sua magnífica obra “A
República”, Platão nos brinda com um diálogo acerca do que seria a Justiça. Um
dos personagens inquiridos é Polemarco, que prontamente responde com toda
franqueza de seu torpe coração: Justiça é ajudar os amigos e prejudicar os
inimigos[1].
Claro que a política evoluiu
muito depois de Platão e hoje muitos políticos entendem que na Justiça está
incluído o ato de destruir antigos aliados – excelentes bodes expiatórios - após
a chegada ao poder com o objetivo de manter o controle indisputado de tudo,
como aconselhava o chefe florentino de milícias, Maquiavel. Fórmula mais do que
repetida por políticos de viés stalinista até às ditaduras de hoje. Nada melhor
do que um pouco de sangue humano socialista para limpar a sujeira da causa
socialista.
Em sua coluna de jornal o teólogo
Leonardo Boff reproduz em parte esse antiquíssimo – e, por que não,
reacionaríssimo – pensamento[2].
Divide novamente, como é de seu
feitio e de toda nossa esquerda iluminada, o povo brasileiro entre “nós” e “eles”.
Categorias classistas mais que anacrônicas reutilizadas à exaustão desde os
tempos do velho profeta Marx. Só não pergunte a quem servem as profecias do
antigo barbudo alemão e de seus imitadores contemporâneos.
Na categoria “nós” estão os santos
esquerdistas; os guerreiros para os quais tudo é perdoado em nome da causa; os
amantes dos pobres mesmo quando os roubam; os revolucionários que, justificados
pelo futuro perfeito que nunca chegou e – ao ver o andar da carruagem desgovernada
- provavelmente nunca chegará, têm licença para mentir, matar, cometer genocídios
e roubar (muito).
Na categoria “eles” estão os
profanos direitistas; maldosos que odeiam pobres e minorias; exploradores; conservadores
(neste momento faça-se o sinal da cruz invertido para proteção, quem sabe); indignos
desprovidos da cognição iluminada de um futuro perfeito que tudo perdoa e tudo
permite desde que você esteja no lado adequado do espectro ideológico ou da
lógica mortal da Guerra de Classes.
Para seus amigos, Boff recomenda,
de forma muito cristã, a “autocrítica pública e humilde dos erros cometidos”, à
luz do conhecimento de que “A vida nos ensina e as escrituras cristãs não se
cansam de repetir: quem caiu sempre pode se levantar”. Para seus inimigos, os
quais também deveriam merecer seu perdão e receber suas sinceras orações, Boff
destina o desprezo e o franco combate.
São os inimigos – malditos conservadores
direitistas - acusados de usarem “mentiras e distorções”, mas os amigos
esquerdistas previsivelmente passam batido por tais acusações. Os inimigos são
acusados de baterem “panelas cheias”, mas os bolsos lotados de dinheiro público
dos amigos merecem o apelo ao perdão e recomeço.
Quando a crise é gerada pela
esquerda, ela “funciona como um crisol que purifica o ouro das gangas e o
libera para um novo uso”, integrando o caos “generativo” bem ao estilo da crítica
destrutiva da Escola de Frankfurt. Se for gerada pela direita, não se deve
jamais “aceitar as derrotas sem antes dar as batalhas”.
O nome disso não é cristianismo.
Envergonha muito observar lições cristãs recortadas e prostituídas por
ideólogos para que sirvam de munição numa guerra profana que vira brasileiro
contra brasileiro, irmão contra irmão, corrompendo corações e transformando o
amor em algo seletivo.
Não, cristianismo não é isso o
que é pregado nos textos de incitação ao ódio classista exaustivamente despejados
por Boff em suas colunas. Boff acerta quando lembra de que o Cristianismo pode
ajustar as coisas, mas erra ao revelar que ele mesmo desconhece o que é o
Cristianismo, trocando-o pela diabólica interpretação reducionista da Teologia
da Libertação.
É isso o que dá trocar Cristo por
Marx: a caridade, a disposição em aconselhar e perdoar e o espírito fraterno
terminam onde termina a afinidade ideológica. Aos amigos, o bem, aos inimigos,
o combate feroz.
Hélio Angotti Neto
*Imagem Retirada de: http://www.truthrevolt.org/news/atlantic-says-happy-valentines-day-karl-marx
[1]
Plato. Republic, Volume I: Books 1-5. Edited and translated by Christopher Emlyn-Jones, William Preddy. Loeb
Classical Library 237. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2013, p. 22-23.
[2]
Disponível em: <http://www.otempo.com.br/opini%C3%A3o/leonardo-boff/recado-para-o-pt-s%C3%A3o-poss%C3%ADveis-a-autocorre%C3%A7%C3%A3o-e-o-recome%C3%A7o-1.1046783>.
Acesso em: 1 jun 2015.