REFLEXÕES DIVERSAS DO INÍCIO DE UMA CARREIRA
Entrevista cedida ao Jornal Raio-X do DAMUFES
Volto
ao Jornal Raio-X depois de um longo tempo. Entrei no curso de Medicina da UFES
em 1997 e graduei no início de 2003.
Lembro
de minha passagem pelo Diretório Acadêmico e pela redação do Raio-X, na
qualidade de assessor de comunicação.
Da
UFES levei o grande exemplo de professores que marcaram o início de minha
carreira e motivaram a escolha de minha especialidade. O carinho e a dedicação
da Professora Diusete aos pacientes e alunos, a entrega e a caridade do
Professor Abraão e o profissionalismo e a sempre presente busca pela ciência do
Professor Ângelo.
Embora
eu tenha sido agraciado com excelentes exemplos, pouco vi, se algo vi, acerca
das Humanidades Médicas. Mas na turbulência da Residência Médica em
Oftalmologia na USP, com rotinas de 14 horas de trabalho a 36 horas
ininterruptas, quando escalado para os plantões, percebi que os pacientes
esperavam muito mais de um médico.
Lá
na USP também tive a sorte de ter grandes exemplos. Marcaram minha carreira e
motivaram a realização de meu Doutorado em Ciências Médicas, na área de
Oftalmologia. Yoshitaka Nakashima, Milton Ruiz Alves e Mário Luiz Monteiro, na
USP, foram também meus modelos de amizade, caridade, profissionalismo, respeito
e busca pela ciência.
Ressalto
o papel dos médicos que motivaram minhas decisões e meu comportamento enquanto
profissional por acreditar de coração que médicos qualificados formam novos
médicos, não somente em termos científicos, mas também humanísticos.
Mas
percebi que algo faltava. Se tinha a técnica e a ciência a meu dispor,
faltava-se o componente humanístico sistematizado.
Busquei
o rigor da Filosofia ainda nos primeiros anos de residência e fui lançado no
estudo das Humanidades Médicas. Não eram as falsas humanidades da doutrinação
vulgar ideológica sofrida em tantas graduações no Brasil, eram as verdadeiras
Humanidades.
Busquei
na História da Medicina as raízes de minha Arte. Lancei-me ao estudo da
Filosofia e de seus diferentes ramos, incluindo a Filosofia da Ciência. Imergi
na Literatura, na Retórica, na Gramática, no estudo do Grego e do Latim, no
Francês, no Inglês, na Filosofia Política e na Teoria da Argumentação. Conheci
nomes como o de Carlos Alberto da Costa Nunes, melhor tradutor do Grego Ático
de Platão e dos clássicos homéricos para nosso português, médico da
Universidade Federal do Pará.
Na
medicina, busquei influências incluindo Hipócrates, Galeno, William Osler,
Edmund Pellegrino, Pedro Laín-Entralgo, Diego Gracia, Viktor Frankl e José
Ingenieros.
Na
Filosofia um universo se abriu com as obras de Platão, Aristóteles, Agostinho,
Tomás de Aquino, Herman Dooyeweerd, Xavier Zubiri, Eugen Rosenstock-Huessy,
Eric Voegelin, Olavo de Carvalho, Mário Ferreira dos Santos, Edmund Husserl e
Louis Lavelle.
Na
literatura, passei pelas histórias e crônicas de Machado de Assis, Graciliano
Ramos, Herberto Sales, Ernest Hemingway, Leon Tolstói e médicos como Nuno Lobo
Antunes e José Geraldo Vieira. Busquei sabedoria nas Escrituras, e provei de
Homero, Sófocles e Dante.
E
decidi devotar meu tempo à assistência, ao ensino e à pesquisa das Humanidades
Médicas. Compreendi que a vocação humanística do médico abarca a experiência
universal do ser humano, vivida pessoalmente ao lidar com a vida de inúmeros
pacientes, e vivida também ao absorver e integrar em si as infinitas
possibilidades de crescimento pessoal contidas nas Humanidades.
Ao
contemplar a cultura – e a Alta Cultura – a nós legada, percebi a experiência
universal do ser humano: sofrimento, alegria, dor, prazer, tristeza,
realização, derrota e sublimação. Porém, ao ver o panorama que a atual medicina
vive - sentindo na pele enquanto médico, às vezes paciente, porém sempre humano
-, concluí que o problema, ou a crise, não é política ou econômica, é cultural.
A
Medicina possui uma enorme tradição cultural, ética e filosófica, quase toda
relegada ao esquecimento. Nos rendemos à manipulação psicológica e emocional
barata das ideologias desses últimos dois sofridos séculos e talvez estejamos
quase cegos, ofuscados pelas maravilhas da revolução tecnológica e dos milagres
obtidos na saúde humana. Esquecemos muitas vezes que nós também somos terapia,
verdadeiras medicações humanas, e que não podemos oferecer aquilo que não
somos.
Aceitamos
a condição de militantes, reprodutores de esquemas simplificados e
vulgarizações a serviço de governos, instituições e interesses privados. E a
vocação verdadeira da Medicina, o paciente, parece ficar ao lado, perdida em
coletivos e estatísticas, soterrado por políticas e projetos de lei.
Para
mim as Humanidades Médicas nos dão identidade e confirmam quem o médico foi, é
e deve ser para o bem do paciente. Abrem-se os olhos para a riqueza infinita da
experiência humana. São desveladas novas possibilidades diagnósticas e
terapêuticas. Torna-se o médico a cura, o alívio, o conforto e o respeito para
o paciente, aquele amigo que surge nos piores momentos.
A
busca pelas Humanidades Médicas é a busca por um ideal de vida.
Hoje
continuo a busca, próximo às minhas raízes médicas, no Espírito Santo de onde
saí médico e para onde retornei professor. Mas se há algo que o estudo das
Humanidades provoca é o sentimento de surpresa, de descoberta, de estar sempre
buscando em meio a um tesouro que ultrapassa o horizonte que a vista alcança.
Sigo
adiante feliz, pois vejo muitos médicos novos e antigos – e é sempre bom ser
antigo e ter lições para oferecer, e ser jovem para recebê-las – caminharem ao
meu lado na busca pelas Humanidades Médicas, de dentro e de fora do Brasil.
Sigo
com esperança. Com a cultura, novas transformações virão e, quem sabe, nossa
Medicina não consegue reunir o melhor de todos os mundos? Da Ciência, da
Técnica e da Cultura?
Encerro
o texto cumprindo o título da seção. Todo médico deveria almejar ser um bom
contador de histórias, de casos e de buscas. Espero ter muito mais para contar
em breve...
CONFIRA A ENTREVISTA E MUITO MAIS EM: https://issuu.com/jornalraio-x/docs/raio-x__17__jun_2016_
Prof. Dr. Hélio Angotti Neto é Colunista do Academia Médica, Coordenador
do Curso de Medicina do UNESC, Diretor da Mirabilia
Medicinæ (Revista internacional em Humanidades Médicas), Membro da Comissão
de Ensino Médico do CRM-ES, Visiting Scholar da Global Bioethics Education
Initiative do Center for Bioethics and Human Dignity, Membro do Comitê de Ética
em Pesquisa do UNESC e criador do Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina
(SEFAM).