domingo, 16 de outubro de 2016

BIOÉTICA, DE ROBERT VEATCH

Em seu livro introdutório ao estudo da Bioética, Robert Veatch escreve com muita didática acerca dos principais temas dessa área cada vez mais complexa e ampla.

Considero o primeiro capítulo o melhor da obra. Veatch lida com o significado de termos centrais ao esforço intelectual no campo da Bioética e apresenta de forma sintética e muito clara um esquema de compreensão do discurso, muito próximo inclusive da teoria dos quatro discursos aristotélicos.

No nível menos lógico e mais poético encontra-se a aproximação casuísta de um problema bioético. A seguir, Veatch fala sobre Regras e Direitos presentes em Códigos de Ética profissional que auxiliam no esforço de obter parâmetros mais confiáveis de conduta em situações problemáticas, o que nos remete ao uso da retórica. A Ética normativa e a Metaética corresponderiam, respectivamente, aos discursos dialético e lógico.

A partir do segundo capítulo, porém, começa uma longa sequência de afirmações anti-hipocráticas. O Juramento de Hipócrates é interpretado de forma quase caricatural, transformado num grande espantalho.

Para exemplificar, reproduzo abaixo um fragmento do livro entre os muitos que radicalizam a obra hipocrática conduzindo-a por meio de falsas formulações do tipo reductio ad absurdum:

"O Juramento de hipócrates nos diz que o médico deve fazer o bem para o paciente de acordo com sua capacidade e seu julgamento. Assim, o Juramento está dizendo ao Dr. Westerman (um médico que deseja fazer histerectomia em sua paciente contra evidências por estar em dúvida) que, mesmo que seus colegas discordem de seu julgamento crítico e tenham diversos estudos empíricos e dados para dar suporte a sua posição, é seu dever moral fazer o que ele acha ser benéfico." (VEATCH, Robert M. Bioética. São Paulo: Pearson, 2014, p. 54-55)
Para quem lê este trecho desavisado, o médico "hipocrático" parece ser definido pelo impulso de suas decisões arbitrárias e arrogantes. Ao buscar os originais hipocráticos, qualquer um pode observar uma ampla série de escritos que alertam ao médico acerca da necessidade de estudar e conhecer as teorias, adquirir larga experiência e atuar com o auxílio de colegas médicos e leigos. Causa estranheza a intensa ojeriza destinada ao hipocratismo médico.

Restam algumas perguntas sobre o por quê de tanta rixa. Será o descrédito intencional do antigo com o intuito de obter credibilidade para a Boética ainda jovem? Será o repúdio indireto por princípios radicais e intensamente morais como a sacralidade da vida humana?

Imagino Hipócrates se vivesse nos dias de hoje e lesse o que escrevem a respeito de sua tradição profissional. Provavelmente ele não reconheceria nas críticas aquilo que buscou transmitir junto a seus descendentes na família de Esculápio.

Em termos gerais, o autor faz excelentes observações sobre os principais dilemas, abordando assuntos polêmicos de diversas perspectivas. É uma leitura agradável e informativa, com exceção das menções inadequadas à tradição hipocrática.