sábado, 14 de abril de 2018

A CULPA NOSSA DE CADA DIA - PARTE 3 (CULPA POLÍTICA)

3. A Culpa Política
O fato de se considerar responsável é o primeiro sinal do despertar de sua liberdade política. É somente na medida em que esse conhecimento existe e é reconhecido que há liberdade de fato, e não somente uma reivindicação externa por parte de pessoas privadas de liberdade.
Karl Jaspers, A questão da culpa.


A segunda forma de culpa é a culpa politica, que consiste em uma ação de cidadão e homens de Estado e age na instância do exercício do poder político, por meio da responsabilidade na interação entre indivíduo e Estado. O erro leva a uma responsabilidade que deve ser então reparada. Normalmente, se há conflito, a vontade do vencedor define perdas ou limitações dos direitos políticos, estabelecendo novas leis em alguns casos.
No caso da Alemanha nazista derrotada, os vitoriosos racharam seu território e reduziram a capacidade de autogestão de todo o país. Mas o que fazer quando falamos de uma elite que ataca seu próprio povo? Não é guerra entre países, é um tipo de guerra civil, sem armas (há controvérsias), mas guerra do mesmo jeito.
Nós temos culpa política por ter deixado essa velha elite no poder, junto com arrivistas da esquerda radical e moderada que sonharam com o ingresso na casta dos “Donos do Poder”. Todos excitados com a satisfação psicológica do próprio ego, com os gordos benefícios e com a vida na artificial ilha da fantasia cujo nome nos remete àquele velho carro de nossos avós. 
Nós elegemos, nós vendemos nosso voto, nós votamos sem conhecer o passado e o presente de cada candidato, nós votamos sem averiguar pendências na justiça de cada um. Nós elegemos bandidos e nós alçamos picaretas medíocres à fama. 
Como diria Jaspers,
Napoleão só foi possível porque os franceses o queriam. Sua grandeza está na segurança com que ele compreendeu o que as massas esperavam, o que elas queriam ouvir, que aparência elas desejavam, que realidade material aspiravam.[1]
Nós temos nossos napoleões, nossos salvadores imanentes de uma pátria prostituída para quem der o maior lance, rapinada por conchavos feitos com tiranos comunistas. Pelo menos os franceses escolheram um sujeito realmente perigoso e grandioso, à sua assustadora e perigosa maneira. Nós escolhemos o bêbado farsante com síndrome de deus, o tiranete esperto e covarde de terceiro mundo que encerrou a própria vida com o suicídio, a tartaruga no poste com o cachorro atrás. Isso é o que me assusta. O Brasil mostra um aspecto muito deprimente de sua coletividade na própria escolha de seus líderes, e no desprezo devotado aos bons.
Nossos heróis contemporâneos possuem méritos absolutamente medíocres, como ser astro ou atriz de programa televisivo do tiporeality show, onde inutilidades e falta de assunto ocupam horas e mais horas nas cabeças ocas que assistem passivamente. Nossos heróis assim são classificados pela capacidade de causar choque nas famílias, exibindo o corpo ou transgredindo certos costumes, mesmo que cantem de forma completamente desafinada, se é que cantar é o que fazem. É o heroísmo artificial, planejado para que o seja, de curtíssima duração, estimulando sempre a inconstância e a maleabilidade de caráter, elementos tão propícios para transformar um povo em uma massa disforme e sem capacidade de resistência ao mal.
Enquanto cumprimos o destino anunciado por José Ingenieros em sua divertida e preocupante descrição do Homem Medíocre, ou caçamos nossos direitos fugindo de nossos deveres como os filhinhos de papai satisfeitos de Ortega y Gasset, os piores alcançam postos de poder, com o nosso voto.
Temos culpa política sim. Pior, temos uma dupla culpa politica.
 (...) em primeiro lugar, o fato de se entregar incondicionalmente a um líder e, em segundo, o tipo de líder a quem se submete. A atmosfera de submissão é, por assim dizer, uma culpa coletiva.[2]
Até hoje há quem defenda Vargas, e ainda há aqueles que estão dispostos a matar, violentar e quebrar em nome do molusco aprisionado. Como deixamos esse mal se enraizar em meio ao nosso povo e prosperar? Será que não aprendemos com a lição do passado? 
Alunos da maior universidade brasileira, ou pelo menos da mais reconhecida universidade, a Universidade de São Paulo, ficham os calouros ideologicamente, intitulando cada um com epítetos que incluíam: judeu, liberal de merda e crente. Que futuro teremos com essa juventude que enxerga o mundo com rótulos e julga o próximo tão facilmente?[3]
Não quero ter uma Kristallnachttupiniquim, tampouco quero punhais longos na surdina da noite, vitimando desgostos políticos por aí. 
Somos culpados politicamente porque nos calamos, e continuamos culpados porque entregamos nossos filhos às drogas, aos bandidos, aos maus políticos, aos radicais sanguinários, aos monstros políticos e aos cúmplices de tiranos genocidas e continuamos nos anestesiando com porcaria, virando as costas para o mundo. 
Zé Ramalho que o cante! Vida de gado, povo marcado, povo feliz. 
A reparação deve ser feita. Os políticos que permitiram esse estado de coisas devem ser removidos da vida pública. Os professores que estupram a mente de nossas crianças com as porqueiras inventadas por engenheiros sociais pervertidos precisam ser afastados de suas vítimas indefesas. Aqueles que reclamam como eu, devem abrir as portas de sua mente e olhar para a realidade do mundo lá fora. A alienação brasileira chegou ao insuportável.
É nosso dever pagar o preço de nossas falhas políticas, é nosso dever que fiquemos comprometidos com a necessidade de mudar a tragédia que se desenrola à nossa frente, armada justamente por aqueles que colocamos no poder ou que deixamos que outros colocassem lá.
Há quem diga: nunca votei em bandido. Mas assistiu a tudo e nada fez, pelo menos até que fosse tarde de mais. É como o alemão que disse não ter votado em Hitler, não ter concordado com a prisão de judeus em campos de concentração, não ter desejado a ocupação de outras nações e não ter matado ninguém na guerra. 
Outros lutaram, outros até morreram em protesto. Mesmo sem esperança, sabiam que deveriam fazer o certo. 
Reclamar e não destinar seu tempo a reparar o dano é assumir sua culpa política, culpa esta realmente coletiva. É hora de fazer algo, de levantar e compreender que os maus gritaram por tempo demais.

Assim, porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca.
Apocalipse 3.16


[1]JASPERS, Karl. A questão da culpa. A Alemanha e o nazismo. São Paulo: Editora todavia, 2018, p. 71.
[2]Ibidem.
[3]LACSKO, Madeleine. Mapeamento classifica alunos como “crente”, “judeu”, “bolsominion”, “liberal de merda”e causa revolta em grupo da São Francisco. Gazeta do Povo, 12 de abril de 2018. Internethttp://www.gazetadopovo.com.br/blogs/a-protagonista/2018/04/12/mapeamento-classifica-alunos-como-crente-judeu-bolsominion-liberal-de-merda-e-causa-revolta-em-grupo-da-sao-francisco/?format=amp