terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

MEDICINA NÃO É COMÉRCIO. 20º PRINCÍPIO DO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA

Princípio XX – Saúde não é um produto


XX - A natureza personalíssima da atuação profissional do médico não caracteriza relação de consumo.

Esse princípio procura deixar bem claro que a relação médico-paciente não pode ser entendida como relação comercial, na qual alguém adquire um simples produto.

A atuação do médico não é prover um fim, mas sim, prover meios para que um fim possa ser alcançado. O ato médico não pode controlar totalmente os resultados da prática. Cada paciente é único, e nem toda a ciência do mundo pode prever o resultado com absoluta certeza e garantia.

Feitas todas essas observações, deve-se lembrar de que a prática médica é julgada sob os elementos do Código de Defesa do Consumidor[1]. Neste momento, alguém poderia questionar se não há contradição em dizer que a relação não é de consumo e o julgamento se dá por um código legal de consumidores.

Na verdade, o Código de Defesa do Consumidor abrange as características profissionais prezadas pela medicina em suas definições, e continuará a servir como parâmetro enquanto uma lei específica não for elaborada para a prática médica assim como o foi para a prática dos advogados.

A relação de consumo que ocorre na medicina é de caráter especial, pois envolve aspectos claramente não comerciais: angústia, insegurança, medo, esperança e busca pelo consolo e pela cura. Diz-se consumo porque há prestação de serviços por um “fornecedor” mediante remuneração.

O próprio código prevê condições especiais para as profissões liberais, ao esclarecer em seu artigo 14, no parágrafo 4º, que “a responsabilidade dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação da culpa.” Isso significa que a lei não pode ser acionada simplesmente porque um procedimento cirúrgico não deu certo, como se fosse uma mercadoria estragada, mas somente quando houver suspeita de ligação entre o insucesso de um tratamento ou procedimento e a má prática médica como agente causal do agravo.

Observando essa relação especial de consumo entre um paciente fragilizado e um profissional que assume responsabilidade por ajudar mediante contrato – e às vezes gratuitamente -, deve-se ressaltar situações de potencial conflito na realidade atual do cuidado com a saúde.

Entre médicos e pacientes, inúmeros elementos comerciais podem interferir, agindo como verdadeiros intermediadores comerciais e reduzindo a percepção do ato médico a um mero produto. O médico é exposto como um simples contato num livro de convênio, onde o paciente, a la carte, o escolhe tantas vezes sem o conhecimento pessoal ou a indicação de um amigo. O paciente já não é paciente do médico Fulano de tal, é paciente do Plano de Saúde, do Convênio ou do SUS. Sem a relação pessoal estabelecida, os benefícios especiais do médico enquanto agente terapêutico per se podem ser irremediavelmente suprimidos.

Não podemos viver de ilusões e sonhar em concretizar uma relação médico-paciente ideal, que nem no passado era perfeita, mas também não podemos abrir mão dos altos ideais que mantêm vivo o projeto de uma medicina realmente benéfica. O médico deve integrar à realidade os altos valores tradicionais da boa medicina e aprender a adaptar sua relação com o paciente frente aos desafios impostos pela prática contemporânea. Num contexto em que interesses comerciais podem interferir a todo o momento, o médico será o principal elemento de humanização, que qualificará o tratamento dado ao paciente em necessidade.




[1] Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8078, de 11 de novembro de 1990.