X. A autonomia da medicina enquanto profissão
X
- O trabalho do médico não pode ser explorado por terceiros com objetivos de
lucro, finalidade política ou religiosa.
O
médico não pode submeter a prática médica a nenhum interesse que não seja o
benefício de seu paciente. Não cabe ao médico oferecer o serviço médico como
elemento comercial para promover a venda de um produto, assim como não cabe
atrelar o ato médico ao benefício de um candidato à política local ou somente
ao serviço destinado a membros de determinada religião.
Médico
que sobe em palanque para apoiar este ou aquele candidato, oferecendo
atendimentos “gratuitos” ou procedimentos cirúrgicos, causa verdadeiro
desserviço à imagem do médico, vulgarizando toda a classe e destruindo seu
aspecto de livre prática em prol do paciente.
Ressaltar
a não exploração política ou religiosa da prática médica não quer dizer que o
médico não tenha suas próprias convicções religiosas ou políticas. Mas ele deve
compreender o papel ético de sua profissão na sociedade em que se insere.
Outra
possibilidade muito negativa que deve ser lembrada é a atuação de médicos
contra médicos por meio do abuso econômico imoral. Um médico mais antigo em uma
determinada cidade não deve submeter seus colegas mais novos a condições
inadequadas de trabalho ou à exploração indigna do ato médico alheio. Também
não deve promover atos monopolistas como o dumping,
aproveitando de uma estrutura já instalada para baratear procedimentos e
consultas de forma que nenhum médico novo possa se estabelecer no local.
A
carreira inicial do médico, principalmente daquele sem herança constituída ou
sem família de médicos que o apoiem, pode ser muito dura, com cargas horárias
elevadas e ganhos parcos ao fim do mês, devido ao fato de que muitos
investimentos de início da carreira deverão ser cobertos, além de toda a
despesa com atualização médica contínua e órgãos de classe que são responsáveis
pelas autorizações de trabalho e pelo reconhecimento de eventuais títulos de
especialidade médica.
Competir
de forma até mesmo cruel, criando mecanismos para destruir concorrência, pode
até ser válido num sistema de livre mercado beirando a anarquia, mas não o é
num contexto profissional clássico em que se preza determinado tipo de
corporativismo que pode ser considerado “saudável” em prol da honra da
profissão e do bom nome do médico, elementos que potencializam a confiança do
paciente e promovem melhor prognóstico.
A
atuação de empresas farmacêuticas junto a médicos, oferecendo benefícios
diversos secundários à obediência terapêutica, isto é, à prescrição de
medicações específicas demandadas pelo representante comercial, também insere
grave elemento de comprometimento da prática médica de qualidade, e pode ser interpretado
como conflito de interesse e exploração da prática médica como o objetivo de
obter lucro indevido. O médico deve resistir ao assédio econômico e adquirir os
conhecimentos necessários em Epidemiologia Clínica e Bioestatística para julgar
por si mesmo a validade e a cientificidade dos trabalhos acadêmicos trazidos à
sua porta pelo representante comercial.
É
degradante e humilhante ouvir a respeito de médicos que se atualizam em termos
de medicações com folhetins de propaganda entregues ao lado de amostras grátis
e benesses várias.
Em
Parecer-Consulta número 16 de 1993, o Conselho Federal de Medicina reporta o
caso de um laboratório internacional que oferece viagens e diversos brindes a
médicos e balconistas de farmácia que cooperarem com suas vendas. O parecer é
bem claro quanto à percepção de que tal atitude é um agravo à integridade do
profissional.[1]
[1]
CONSLEHO FEDERAL DE MEDICINA. Parecer-Consulta nº 16 de 1993. Internet, http://old.cremerj.org.br/legislacao/detalhes.php?id=955&item=2