terça-feira, 31 de janeiro de 2017

O MÉDICO E O MEIO-AMBIENTE. 13º PRINCÍPIO DO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA.

XIII. A medicina e o ambiente




XIII - O médico comunicará às autoridades competentes quaisquer formas de deterioração do ecossistema, prejudiciais à saúde e à vida.

Se há um compromisso com o bem do paciente que permanece no topo da hierarquia das preocupações médicas, um aspecto que não pode ser negligenciado é o cuidado com o ambiente no qual vivemos.

Desde a Antiguidade, o médico entendeu que o ambiente é importante elemento a ser considerado na avaliação da saúde de seu paciente. Em Ares, Líquidos e Locais, o autor hipocrático afirmava:

II. Usando essas evidências (estações do ano, clima, qualidade da água, solo e hábitos da população local), é preciso considerar cada caso. Pois se alguém souber bem essas coisas, mormente se souber de todas elas, ou, se não souber de todas, ao menos da maioria, então não poderia deixar de reconhecer, ao chegar a uma cidade sobre a qual for inexperiente, nem as enfermidades locais, nem qual seja a natureza das cavidades, de sorte a não ficar sem saber como agir no tratamento das doenças, e sem obter bom êxito; o que ocorre normalmente, se alguém, sabendo de antemão tudo isso, não se preocupar previamente com cada caso.[1]

Desde a década de 1960, diversos médicos e bioeticistas em geral têm ressaltado a importância de cuidar do ambiente justificados pela necessidade moral de se preservar a vida humana. A bioética conforme lançada e compreendida por Van Rensselaer Potter aponta para a necessidade de um pensamento mais global e mais responsável.[2] Preocupação esta doravante refletida por muitos outros pensadores, como Hans Jonas em sua obra que ressalta a responsabilidade humana frente aos desenvolvimentos tecnológicos potencialmente ameaçadores ao ambiente e, consequentemente, à vida humana.[3]

Frente aos quase imprevisíveis riscos do desenvolvimento tecnológico impensado e da destruição descontrolada do ambiente, o Código de Ética reconhece como obrigação a intervenção do médico. Tal postura subentende uma responsabilidade profissional que não se restringe jamais às quatro paredes de um consultório ou a um microcosmo como o do hospital ou da clínica.

A preocupação com a manutenção de um bom ambiente deve partir do ambiente de trabalho do próprio médico, responsável pelo encaminhamento dado ao lixo hospitalar, desde o material contaminado advindo de uma enfermaria de Clínica Médica até o lixo radioativo gerado pelo setor de Radiologia do hospital. A falha em cuidar do lixo produzido pela atividade médica pode gerar graves consequências como, por exemplo, a contaminação de rios e lençóis freáticos.[4]

Embora o primeiro compromisso do médico seja com o indivíduo à sua frente, o bem maior só poderá ser alcançado com o trabalho realizado sobre o maior número possível de fatores patogênicos. É impossível que o médico queira realmente promover a saúde sem dedicar sua ação a ações que reflitam em melhoria para a sociedade que abraça a ambos, médico e paciente.



[1] HIPPOCRATES. Ancient Medicine. Airs, Waters, Places. Epidemics 1 and 3. The Oath. Precepts. Nutriment. Translated by W. H. S. Jones. Loeb Classical Library 147. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1923, p. 72-73; CAIRUS, Henrique F. ‘Ares, àguas e Lugares’. In: CAIRUS, Henrique F; RIBEIRO JR., Wilson A. Textos Hipocráticos: o Doente, o Médico e a Doença. Rio de Janeiro, RJ: Editora FIOCRUZ, 2005, p. 94-95. Texto Original: δλον γρ τι οσ γε χρσθαι εωθεν νθρωπος διαιτμασιν, οκ πιτδει ο στιν πντα, τ πλεω, ν γ τι ατν· δε καταμαθντα μεταβλλειν, κα σκεψμενον το νθρπου τν φσιν τν τε λικην κα τ εδος κα τν ρην το τεος κα τς νοσου τν τρπον, τν θεραπεην ποιεσθαι, ποτ μν φαιροντα, ποτ δ προστιθντα, σπερ μοι κα πλαι ερηται, πρς καστα τν λικιν κα τν ρων κα τν εδων κα τν νοσων ν τε τ φαρμακείῃ προστρπεσθαι κα ν τ διατ.

[2] POTTER, Van Rensellaer. Bioética: Ponte para o Futuro. São Paulo: Edições Loyola, 2016.

[3] JONAS, Hans. O Princípio Responsabilidade: Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Editora PUC Rio & Contraponto, 2011; JONAS, Hans. Técnica, Medicina e Ética. Sobre a prática do princípio responsabilidade. São Paulo: Paulus, 2013.

[4] DANTAS, Eduardo; COLTRI, Marcos. Comentários ao Código de Ética Médica: Resolução CFM nº 1.917 de setembro de 2009. 2ª Edição atualizada até julho de 2012. São Paulo: GZ Editora, 2012, p. 25-27.