XIII. A medicina e o ambiente
XIII
- O médico comunicará às autoridades competentes quaisquer formas de
deterioração do ecossistema, prejudiciais à saúde e à vida.
Se
há um compromisso com o bem do paciente que permanece no topo da hierarquia das
preocupações médicas, um aspecto que não pode ser negligenciado é o cuidado com
o ambiente no qual vivemos.
Desde
a Antiguidade, o médico entendeu que o ambiente é importante elemento a ser
considerado na avaliação da saúde de seu paciente. Em Ares, Líquidos e Locais,
o autor hipocrático afirmava:
II.
Usando essas evidências (estações do ano, clima, qualidade da água, solo e
hábitos da população local), é preciso considerar cada caso. Pois se alguém
souber bem essas coisas, mormente se souber de todas elas, ou, se não souber de
todas, ao menos da maioria, então não poderia deixar de reconhecer, ao chegar a
uma cidade sobre a qual for inexperiente, nem as enfermidades locais, nem qual
seja a natureza das cavidades, de sorte a não ficar sem saber como agir no
tratamento das doenças, e sem obter bom êxito; o que ocorre normalmente, se
alguém, sabendo de antemão tudo isso, não se preocupar previamente com cada
caso.[1]
Desde
a década de 1960, diversos médicos e bioeticistas em geral têm ressaltado a
importância de cuidar do ambiente justificados pela necessidade moral de se
preservar a vida humana. A bioética conforme lançada e compreendida por Van
Rensselaer Potter aponta para a necessidade de um pensamento mais global e mais
responsável.[2]
Preocupação esta doravante refletida por muitos outros pensadores, como Hans
Jonas em sua obra que ressalta a responsabilidade humana frente aos
desenvolvimentos tecnológicos potencialmente ameaçadores ao ambiente e,
consequentemente, à vida humana.[3]
Frente
aos quase imprevisíveis riscos do desenvolvimento tecnológico impensado e da
destruição descontrolada do ambiente, o Código de Ética reconhece como
obrigação a intervenção do médico. Tal postura subentende uma responsabilidade
profissional que não se restringe jamais às quatro paredes de um consultório ou
a um microcosmo como o do hospital ou da clínica.
A
preocupação com a manutenção de um bom ambiente deve partir do ambiente de
trabalho do próprio médico, responsável pelo encaminhamento dado ao lixo
hospitalar, desde o material contaminado advindo de uma enfermaria de Clínica
Médica até o lixo radioativo gerado pelo setor de Radiologia do hospital. A
falha em cuidar do lixo produzido pela atividade médica pode gerar graves
consequências como, por exemplo, a contaminação de rios e lençóis freáticos.[4]
Embora
o primeiro compromisso do médico seja com o indivíduo à sua frente, o bem maior
só poderá ser alcançado com o trabalho realizado sobre o maior número possível
de fatores patogênicos. É impossível que o médico queira realmente promover a
saúde sem dedicar sua ação a ações que reflitam em melhoria para a sociedade
que abraça a ambos, médico e paciente.
[1] HIPPOCRATES. Ancient
Medicine. Airs, Waters, Places. Epidemics 1 and 3. The Oath. Precepts.
Nutriment. Translated by W. H. S. Jones. Loeb Classical Library 147. Cambridge,
MA: Harvard University Press, 1923, p. 72-73; CAIRUS, Henrique F. ‘Ares, àguas
e Lugares’. In: CAIRUS, Henrique F; RIBEIRO JR., Wilson A. Textos Hipocráticos: o Doente, o Médico e a Doença. Rio de Janeiro,
RJ: Editora FIOCRUZ, 2005, p. 94-95. Texto Original: δῆλον γὰρ ὅτι οἷσί γε χρῆσθαι εἴωθεν ὥνθρωπος διαιτήμασιν, οὐκ ἐπιτήδειά οἵ ἐστιν ἢ πάντα, ἢ τὰ πλείω, ἢ ἕν γέ τι αὐτῶν· ἃ δεῖ καταμαθόντα μεταβάλλειν, καὶ σκεψάμενον τοῦ ἀνθρώπου τὴν φύσιν τήν τε ἡλικίην καὶ τὸ εἶδος καὶ τὴν ὥρην τοῦ ἔτεος καὶ τῆς νούσου τὸν τρόπον, τὴν θεραπείην ποιεῖσθαι, ποτὲ μὲν ἀφαιρέοντα, ποτὲ δὲ προστιθέντα, ὥσπερ μοι καὶ πάλαι εἴρηται, πρὸς ἕκαστα τῶν ἡλικιῶν καὶ τῶν ὡρέων καὶ τῶν εἰδέων καὶ τῶν νούσων ἔν τε τῇ φαρμακείῃ προστρέπεσθαι καὶ ἐν τῇ διαίτῃ.
[2] POTTER, Van Rensellaer. Bioética: Ponte para o Futuro. São
Paulo: Edições Loyola, 2016.
[3] JONAS, Hans. O Princípio Responsabilidade: Ensaio de
uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Editora PUC Rio &
Contraponto, 2011; JONAS, Hans. Técnica,
Medicina e Ética. Sobre a prática do princípio responsabilidade. São Paulo:
Paulus, 2013.
[4] DANTAS, Eduardo; COLTRI,
Marcos. Comentários ao Código de Ética
Médica: Resolução CFM nº 1.917 de setembro de 2009. 2ª Edição atualizada
até julho de 2012. São Paulo: GZ Editora, 2012, p. 25-27.