Princípio III. Condições materiais e Honra
Imagem da UTI Neonatal do Hospital Maternidade São José - Divulgada no Site Institucional
III
- Para exercer a Medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter boas
condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.
O
centro norteador deste princípio é a honra profissional, elemento importante
para estimular a confiabilidade por parte do paciente e, desta forma, promover
um maior benefício terapêutico. Se o médico é digno da confiança de seu
paciente, o efeito placebo gerado pela ação médica ocorre positivamente.
Thomas
Percival observava que:
O Esprit
du Corps é um princípio de ação fundamentado na natureza humana e que,
quando apropriadamente regulamentado, é racional e louvável. Todo homem, quando
entra numa fraternidade, compromete-se tacitamente a não apenas submeter-se às
leis, mas a promover a honra e o interesse da associação, desde que tais sejam
compatíveis com a moralidade e o bem geral da humanidade. Um médico, portanto,
deve zelar cuidadosamente para evitar qualquer dano à respeitabilidade geral de
sua profissão; e deve evitar qualquer apresentação desdenhosa da escola médica
em geral; evitar todas as queixas gerais contra seu egoísmo ou improbidade; e
evitar a indulgência frente a um ceticismo jocoso ou afetado frente à eficácia ou
utilidade da arte de curar.[1]
Para
manutenção dessa honra e dignidade profissional, o médico deve zelar pela sua
boa realização, colocando o bem de seu paciente acima de interesses secundários
e externos à relação médico-paciente.
O
primeiro passo é obter uma excelente formação, para que se destaque dos maus
profissionais, acusados desde a antiguidade:
A
Medicina é a mais nobre de todas as artes, mas no presente está muito abaixo de
outras artes graças à ignorância daqueles que a praticam e àqueles que os julgam
de forma leviana. A mim parece que seu erro deriva principalmente do fato de
que nas cidades não há punição ligada à prática da Medicina exceto a desgraça,
e isso não fere aqueles que se tornaram acostumados a tal estado de coisas.
Tais pessoas são como figurantes nas tragédias, pois assim como têm forma, se
vestem e se parecem com atores, mas não são atores, assim também são muitos os
médicos em título, porém poucos o são em realidade.[2]
Além
de uma boa formação, o médico deve saber se portar com dignidade, e respeitar a
prática de seu colega de profissão.
No
princípio em questão, uma das formas essenciais à boa prática é o cuidado com
os meios materiais da prática médica.
São
necessários bons livros, boas ferramentas digitais, acesso a periódicos internacionais
e nacionais de grande qualidade, equipamentos de última geração, instalações
humanizadas e limpas, equipe interdisciplinar bem treinada, harmônica e
disposta e uma vida pessoal adequada às exigências da profissão, muitas vezes
intensas. Tudo isso requer meios de realização.
A
inveja e o despeito presentes em ambientes mesquinhos pode sempre despertar
certa raiva pelo médico que vive bem ou que ganha seus proventos para que viva
com qualidade; mas o paciente prudente saberá que um médico feliz e capaz de
atualizar-se com o que há de melhor terá melhores condições de atendê-lo.
Qualquer paciente também sabe muito bem, lastimavelmente por experiência
própria na maioria das vezes, que ser atendido em local impróprio gerará
repercussões negativas em seu tratamento.
De
forma alguma desejo inferir que recursos materiais substituem o lado
humanístico do médico, mas é fato incontestável que é forte elemento sinérgico.
E
quantas ameaças cercam os médicos hoje!
No
sistema público há superlotação, falta de equipamentos e leitos, falta de
equipe treinada, remunerações baixas e, muitas vezes, profissionais sem
compromisso e sem formação adequada. É um verdadeiro barril de pólvora.
Nos
planos de saúde, mesmo quando há equipamento e pessoal bem treinado, há, por outro
lado, glosas, penalizações por pedir exames complementares acima da “cota”
pré-determinada, seleção de órteses e próteses de qualidade menor e
corporativismo de baixa qualidade, fechando a porta para uma saudável renovação
de quadros com novos talentos.
O
médico serve ao estado, à cooperativa ou ao plano de saúde? A resposta deveria
ser fácil: ao paciente.
Se
o ambiente não é bom para a busca pela saúde, cabe ao médico agir e mudar a
situação. Se sua situação é refratária a mudanças positivas, cabe se retirar
com cautela e denunciar os riscos ao paciente. O que está em jogo é a honra e a
dignidade da profissão, elementos que afetarão diretamente a capacidade de
exercer o bem para o paciente.
E,
por fim, se o médico ganha mal e o ambiente está corrompido e escasso de meios
materiais adequados, mesmo aquele profissional mais heroico será limitado por
fatores externos e não poderá exercer a caridade frente ao paciente desvalido.
Um
antigo preceito hipocrático já alertava ao médico onde suas prioridades deveriam
estar:
(...) se
começar por tratar dos honorários você dará a impressão a quem está sofrendo de
que, se não houver acordo, irá embora e o abandonará, ou que o negligenciará e
não oferecerá algo para a situação presente. Não é preciso, portanto, cuidar da
fixação dos honorários, pois consideramos sem utilidade tal preocupação para
quem está atormentado, principalmente no caso de doença aguda. Ela não estimula
o bom médico a buscar o que é vantajoso: adquirir mais reputação. É melhor,
portanto, censurar quem está salvo do que extorquir dinheiro dos que estão em
perigo de morte.[3]
Tal
princípio antigo encontra facilmente eco na medicina contemporânea, seja por
iniciativas individuais, seja por iniciativas movidas coletivamente no âmbito
profissional. O bom médico sempre foi um benfeitor em seu ambiente de convívio.
E a honra profissional sempre contou com exemplos de grandeza.
[1] PERCIVAL, Thomas. Extracts from the Medical Ethics of Dr.
Percival. Philadelphia, 1823, p. 18.
[2] HIPPOCRATES. Prognostic. Regimen in Acute Diseases. The Sacred Disease.
The Art. Breaths. Law. Decorum. Physician (Chap. I). Dentition. Volume II
(tradutor: JONES, WHS). Cambridge:
Loeb Classical Library, 1923.
[3] RIBEIRO Jr., Wilson A.
“Preceitos”. In: CAIRUS, Henrique F.,
RIBEIRO Jr., Wilson A. Textos
Hipocráticos: o Doente, o Médico e a Doença. Rio de Janeiro: Editora
Fiocruz, 2005, p. 212.