sábado, 14 de janeiro de 2017

O EXTERMÍNIO DO AMANHÃ - PARTE 3 - FINAL

O EXTERMÍNIO DO AMANHÃ - PARTE 3

RÉPLICA AO ARTIGO: A AUTONOMIA DA MULHER FRENTE AO ABORTO


O pior cego moral é aquele que não quer enxergar


A Sra. Renata está tranquila, pois não vê razão para temer distorções das magníficas propostas de legalização do aborto.

Não vejo razão alguma para temer a diminuição das taxas de fecundidade ou a banalização da prática. Pelo contrário, penso que com o enfrentamento de fatores sociais e econômicos que dão causa à gravidez indesejada, além do avanço de políticas públicas de educação sexual eficazes, se tornará medida excepcional.[1]

Um pouco de conhecimento histórico nos ajudaria e entender que o mal pode sim ser banalizado.[2] E se há receio de que usem o aborto de forma banal, por que a insistência em legalizá-lo? Estaria aí um sentimento residual de que exterminar fetos é moralmente reprovável a ponto de não se desejar permitir fazê-lo por qualquer razão que seja?

Ademais, se o feto não for humano, ou se alguém defender a hipótese de que podemos sacrificar alguns humanos sem maiores problemas morais, por que não empalhar fetos e utilizá-los como decoração? Por que não criar iguarias com fetos, fazer um strogonoff fetal? Por que não mantê-los vivos para enfiar dezenas de tubos e fazer fantásticos experimentos científicos? Por que não comprar fetos para colher órgãos e criar uma fazenda de transplantes? Ou ainda, por que não utilizar o feto para um sacrifício num ritual macabro? Sem o status moral que preserva suas vidas, cedo ou tarde, virarão objetos.

Confiar que ninguém banalizará a prática é de uma cegueira histórica e de um otimismo irresponsáveis.

Por fim, já que Renata vê com bons olhos a educação das mães e medidas de caráter cultural sem ter que recorrer ao aborto legal, por que não buscar os bons resultados da experiência do Chile, que alcançou uma redução do número de abortos após leis restritivas ao lado de medidas sociais de qualidade?[3]

Eugenia e o fim dos comedores inúteis


A história realmente nos deixou um longo legado de lições que demonstram claramente o pior e o melhor que a natureza humana pode produzir. Quando se fala das sucessivas desvalorizações da vida humana, por exemplo, há uma ampla fonte de experiências prévias que deve ser abordada.

Matar fetos e bebês não é, de fato, nenhuma novidade. Desde os sacrifícios rituais na antiguidade dedicados a Moloch – uma versão antiga da Planned Parenthood? – até o homicídio eugenista de crianças fracas na antiga Esparta, sempre existiram ameaças à vida humana em sua manifestação mais inocente e frágil.

Manifestações mais recentes ocorreram nos regimes totalitários, nos quais os “comedores inúteis” deveriam ser sacrificados pelo bem da coletividade. Esse sacrifício individual promovido pelo “bem da humanidade” foi, sem dúvida, a maior causa de sofrimento e morte na história da humanidade, como bem demonstra Joseph Rummel em suas estatísticas sobre os massacres promovidos pelos regimes comunistas e nazistas.[4]

Infelizmente, o ser humano continuará a ser valorizado ou desvalorizado de acordo com sua “utilidade” ou sua possibilidade de obter ou fornecer prazer. É uma tendência de se abandonar a concepção de direitos universais, derivada da imagem digna da humanidade que a religião legou à nossa civilização. E atentem para o seguinte fato: muitos que defendem a vida humana nem são religiosos, e explicam a intuição moral que os obriga a resguardar a vida do feto ou do bebê por diversas outras razões.

Renata Rothbart acerta na mosca ao avisar que a relativização do crime promovida pela Primeira Turma será um precedente importante na decisão sobre abortar ou não os fetos contaminados pelo vírus Zika e com a probabilidade aumentada de nascerem com microcefalia.

Finalmente, destaco que, embora essa decisão seja apenas um precedente e não se aplique obrigatoriamente a outros casos, o entendimento da Primeira Turma deverá ser lembrado num julgamento previsto para o próximo dia 7 de dezembro, quando todos 11 ministros da Corte debaterão no plenário se o aborto pode ser descriminalizado quando a gestante estiver contaminada com o vírus da zika.[5]

Observações Finais da Réplica


O texto de Renata Rothbart não é, em nada, surpreendente. Ela reproduz, talvez com a melhor e mais equivocada das intenções, o politicamente correto que foi enfiado goela abaixo na população brasileira durante as últimas décadas com o apoio de verbas bilionárias de organismos internacionais. Não a considero ingênua – como ela considera a mim -, somente entendo que houve um apagamento moral e cognitivo intencional de algumas esferas da realidade, comum a determinados grupos.[6] Não a conheço pessoalmente, e mesmo que a conhecesse, não cabe julgá-la enquanto pessoa. Porém, cabe julgar a apologia à legalização ao aborto, ato em si maligno, objetivamente e essencialmente ligado à defesa da destruição de uma criatura humana inocente.

O que se observa não é o choque entre duas agendas políticas, embora a política seja um aspecto sempre presente nas relações humanas dentro de uma sociedade em larga escala. O que se observa é a colisão de duas visões de mundo que se estranham há milênios.[7]

O texto em defesa do pensamento abortista - mesmo que apresente um discreto resquício de moralidade ao afirmar que não é pró-aborto, mas entende o extermínio do feto como instrumento contra algo pior – é típico representante da elite progressista munida de idéias secularizantes que nasceu com o iluminismo mais radical.

A minha perspectiva, junto com a perspectiva da maior parte da população brasileira, encaixa-se confortavelmente no polo oposto ao imanentismo utilitarista.

Não nutro ilusões bobas, e não tenho lá grandes esperanças de que possamos ainda salvar a geração seguinte do extermínio em massa do abortismo e das mãos sangrentas de milhares de aborteiros ávidos pelo lucro da morte. O trabalho da riquíssima elite intelectual que relativiza a vida segue avançado e encontra oposição fraca e desunida. Aos borbotões, os valores da civilização são radicalmente alterados pelas mais toscas obras de engenharia social, que geraram textos e pensamentos como os da Sra. Renata aos milhões, no mundo todo.

O revestimento de tais idéias com conceitos pseudocientíficos também não é novidade, e milhões de pessoas observam abobalhadas as estatísticas manipuladas por instituições pró-aborto como o Alan Guttmacher Institute, braço “científico” da Planned Parenthood especialmente designado para dar credibilidade ao abortismo.

Seria realmente maravilhoso que todos pudessem adquirir conhecimentos profundos em Medicina Baseada em Evidências e estatística médica para que analisassem por si mesmos as publicações científicas. Contudo, é utópico achar que teremos milhões de analistas científicos – incluindo advogados – capacitados para desmascarar as manipulações que abundam por aí.

Quanto à vulgar rotulação odiosa e condescendente, na qual o lado oposto tem a mente fechada ou é ingênuo, realmente em nada faz avançar o debate de qualidade. Todavia, não se deve esperar muito do ambiente letrado brasileiro em geral. Renata somente reproduz aquilo que lhe foi ensinado: utilizar dados de trabalho sem conhecer a base filosófica, política e metodológica[8], achar que o lado oposto são trevas em relação às luzes da própria opinião[9], posar com ares de grande autoridade científica lançando blefes[10] e fazer uso de figuras de linguagem e de chavões[11]. Tenho certeza de que ela é plenamente capaz de superar o ambiente depressivo que oprime o Brasil e nos lança para os últimos lugares em educação e para os primeiros lugares em mortes violentas.

Hélio Angotti-Neto



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[2] ARENDT, Hannah; Eichmman em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do mal. Tradução: José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
[3] KOCH, E. ‘Epidemiología del aborto y su prevención en Chile’. Rev Chil Obstet Ginecol. vol. 7(5), 2014, p.351-360. Internethttp://www.revistasochog.cl/files/pdf/EDITORIAL50-e0.pdf ; KOCH, E; THORP, J; BRAVO, M; GATICA, S; ROMERO, C. X.; AGUILERA, H; AHLERS, I. Women's education level, maternal health facilities, abortion legislation and maternal deaths: a natural experiment in Chile from 1957 to 2007. PLoS ONE. Vol. 7(5), 2012, p.36613. DOI:10.1371/journal.pone.0036613. Internet
[4] RUMMEL, Joseph. Freedom, Democracy, Peace; Power, Democide, and War. Internet, https://www.hawaii.edu/powerkills/
[6] HAIDT, Jonathan. The Righteous Mind. Why good people are divided by politics and religion. New York: Pantheon Books, 2012.
[7] WIKER, Benjamin. Darwinismo Moral: Como nos tornamos hedonistas. São Paulo: Paulus, 2011.
[8] Há excelentes obras para o desenvolvimento das habilidades em julgar trabalhos. Recomendo as seguintes leituras básicas para o interessados em manipular artigos científicos de forma minimamente adequada:
HULLEY, Stephen B; CUMMINGS, Steven R; BROWNER, Warren S; GRADY, Deborah G; NEWMAN, Thomas B. Delineando a Pesquisa Clínica 4ª edição. Porto Alegre: ARTMED, 2015.
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GUYATT, Gordon; RENNIE, Drummond; MEADE, Maureen O; COOK, Deborah J. Diretrizes para a Utilização da Literatura Médica. Manual para Prática Clínica da Medicina Baseada em Evidências 2ª edição. Porto Alegre: ARTMED, 2011.
[9] Acusação de ingenuidade alheia ao utilizar dados oficiais do governo enquanto ela mesma utiliza dados tendenciosos e inflados com fundamentação original em... dados oficiais do governo!
[10] Citação inadequada de artigo científico sem a crítica adequada, ou a relativização científica do conhecimento exibido.
[11] “Não sou contra o aborto, sou a favor da autonomia da mulher”, por exemplo. Este e outros chavões foram especialmente desenvolvidos por militantes aborteiros e abortistas com o intuito específico de afrouxar a legislação que protege a vida humana e facilitar o trabalho das clínicas aborteiras. Sugiro a leitura da obra daquele que foi considerado o Rei do Aborto, Bernard Nathanson.