Princípio II. O Melhor para o Paciente
II
- O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em
benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade
profissional.
Este
princípio faz eco ao antigo preceito hipocrático constante no Juramento: “conforme
minha capacidade e discernimento, cumprirei este juramento e compromisso
escrito”.[1]
Colocar
toda a atenção do médico na saúde do ser humano equivale a dizer que o paciente
tem a primazia na relação terapêutica, merecendo o máximo zelo e o melhor da
capacidade profissional.[2]
Dizer ser humano ao invés de paciente eleva o princípio à preocupação com o
ambiente ao redor do indivíduo que procura o serviço médico.[3]
O
grande princípio de ação que se destaca e motiva o zelo e o sincero esforço
profissional é, sem dúvida nenhuma, a beneficência. E também é a beneficência
que levará o médico a buscar uma vida de virtudes, de aprimoramento pessoal em
prol do próximo.[4]
É da beneficência que virão magnanimidade, abnegação, lealdade e a
solidariedade extensível à sociedade. Tais são compromissos fundamentais dos
médicos no passado e no presente, assim como a beneficência, junto à não
maleficência, é o grande princípio inspirador da arte.[5]
A
falta de zelo (vigilância) e o mau uso da capacidade profissional incorrerão
muitas vezes na tríade que caracteriza o erro médico: imprudência, imperícia e
negligência, esta última fortemente eivada de caráter moral negativo.
Um
exemplo às vezes insuspeito é o simples ato de não preencher o prontuário com
capricho, detalhamento e letras legíveis. De uma aparentemente simples falta de
zelo advém um possível erro por alguém que toma uma decisão errada com base no
prontuário mal preenchido. Todo o processo se iniciou naquele primeiro ato que
derivou da falta de zelo.[6]
Em
relação ao papel social do médico, desde a antiguidade clássica há indícios de
sua participação no que hoje chamaríamos de saúde pública:
Sócrates:
E sejam seus mentores ricos ou pobres, isso não fará diferença aos atenienses
quando deliberarem acerca da saúde dos cidadãos; tudo o que eles exigirão de
seus conselheiros é que eles sejam um médico.[7]
Ainda
considerando a questão social, cabia ao médico compartilhar seu conhecimento e
educar o paciente, o que incluía a educação das massas, objetivos claramente
apreendidos pelo conteúdo da obra hipocrática.
Em
“Regime”, livro III:
LXVIII.
Primeiramente, agora devo escrever para a grande maioria dos homens sobre os
meios para ajudar no uso da comida comum e da bebida, os exercícios que são
absolutamente necessários, a caminhada e as viagens por mar requeridas para
coletar os meios de subsistência. Escrevo para as pessoas que fazem uso do
regime de forma irregular, sofrendo o calor contrariamente ao que é benéfico e
o frio contrariamente ao que lhes é útil.[8]
Em
“Da Dieta Salutar:
IX. Um homem
sábio deve considerar que a saúde é a maior das bênçãos humanas, e aprender por
si mesmo como obter benefício em suas doenças. [9]
Em
“Afecções”:
1.
Qualquer homem inteligente deve possuir o conhecimento essencial para ajudar a
si mesmo quando doente, considerando a saúde como do mais alto valor para os
seres humanos. Deve também ser capaz de entender e julgar o que dizem os
médicos e o que administram em seu corpo, sendo versados em tais assuntos em
grau adequado ao leigo. [10]
O
médico que pratica a boa medicina sempre considerou o paciente seu parceiro na
busca pela saúde[11]
e compreendeu a necessidade de se comunicar com eficácia para o bem de todos a
seu redor, como se vê na obra “Medicina Antiga”:
É
particularmente necessário, na minha opinião, para o que discute esta arte,
falar de coisas familiares às pessoas comuns. Pois o assunto de discussão é
simplesmente e somente os sofrimentos dessas mesmas pessoas comuns. Que pessoas
comuns aprendam sozinhas como os seus próprios sofrimentos surgem e cessam, e
as razões pelas quais eles pioram ou melhoram, não é uma tarefa fácil. Porém,
quando estas coisas são reveladas e demostradas por outros, tornam-se de mais
simples compreensão.[12]
O
médico deve ser o guardião do próximo e da sociedade. Sua posição de mantenedor
da saúde e seus conhecimentos lhe outorgam grande responsabilidade, movida pelo
melhor dos motivos, o bem do próximo, a ser manifestado pelo exercício da maior
das virtudes: a caridade.
[1] RIBEIRO Jr., Wilson A.
Juramento. In: CAIRUS, Henrique F., RIBEIRO Jr., Wilson A. Textos Hipocráticos:
o Doente, o Médico e a Doença. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005, p.
151-167.
[2] DANTAS, Eduardo; COLTRI,
Marcos. Comentários ao Código de Ética
Médica: Resolução CFM nº 1.917 de setembro de 2009. 2ª Edição atualizada
até julho de 2012. São Paulo: GZ Editora, 2012, p. 12-13.
[3] FRANÇA, Genival Veloso de. Comentários ao Código de Ética Médica 5ª
Edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006, p. 17.
[4] Sobre virtudes médicas e
beneficência, sugiro consultar as obras de Edmund Pellegrino: PELLEGRINO,
Edmund; THOMASMA, David C. For the Patient’s Good: The Restoration of
Beneficence in Health Care. New York: Oxford University Press, 1988. PELLEGRINO,
Edmund; THOMASMA, David C. The Virtues in Medical Practice. New York: Oxford
University Press, 1993. PELLEGRINO, Edmund; THOMASMA, David C. The Christian
Virtues in Medical Practice. Washington,
DC: Georgetown University Press, 1996.
[5] MIRANDA-Sá Júnior, Luiz Salvador.
Uma Introdução à Medicina Volume II: O que é medicina e o que não é. Brasília,
DF: Conselho Federal de Medicina, 2016, p. 56-57. GRACIA, Diego. Fundamentos de
Bioética. Madrid: Triacastela, 2008, p. 71.
[6] DANTAS, Eduardo; COLTRI,
Marcos. Op. cit., p. 12-13.
[7] PLATO. Charmides. Alcibiades I and II. Hipparchus. The Lovers. Theages. Minos.
Epinomis. Translated by W. R. M. Lamb. Loeb Classical
Library 201. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1927, p. 110-111.
[8] Hippocrates, Heracleitus. Nature of Man. Regimen in
Health. Humours. Aphorisms. Regimen 1-3. Dreams. Heracleitus: On the
Universe. Translated by W. H. S. Jones. Loeb Classical
Library 150. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1931, p. 368-369.
[9] Hippocrates, Heracleitus. Nature of Man. Regimen in
Health. Humours. Aphorisms. Regimen 1-3. Dreams. Heracleitus: On the
Universe. Translated by W. H. S. Jones. Loeb Classical
Library 150. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1931, p. 58-59.
[10] Hippocrates. Affections. Diseases 1. Diseases 2. Translated
by Paul Potter. Loeb Classical Library 472. Cambridge, MA: Harvard
University Press, 1988, p. 6-9.
[11] Hippocrates. Ancient Medicine. Airs, Waters, Places. Epidemics
1 and 3. The Oath. Precepts. Nutriment. Translated by W. H. S.
Jones. Loeb Classical Library 147. Cambridge, MA: Harvard University
Press, 1923, p. 164-165.
[12] Hippocrates. Ancient Medicine. Airs, Waters,
Places. Epidemics 1 and 3. The Oath. Precepts. Nutriment. Translated
by W. H. S. Jones. Loeb Classical Library 147. Cambridge, MA: Harvard
University Press, 1923, p. 14-17.